No ano de 1994, surgiram rumores de que alunos da Escola de Educação Infantil Base, em São Paulo (SP), estavam sofrendo abusos sexuais. Diversos órgãos de comunicação encamparam o caso e trataram a acusação como verdade, provocando uma violenta reação da sociedade, tanto que dois dias após a primeira notícia a escola foi depredada por populares indignados. Foram acusados os proprietários, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, seus funcionários Maurício e Paula Monteiro de Alvarenga, e um casal de pais, Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França.
Supostamente, o motorista Maurício levaria crianças na Kombi da escola para a casa de Saulo e Mara, onde ocorreriam os abusos, com direito a filmagem. Os proprietários da escola seriam fornecedores de crianças.
Todos foram execrados e acabaram presos, tendo corrido risco real de linchamento. Após as investigações, constatou-se que as acusações eram infundadas. O delegado Edélcio Lemos, talvez para mostrar serviço, mesmo diante da fragilidade de elementos, vivia dizendo aos repórteres que os crimes eram certos, tanto que ele também foi condenado pelo judiciário paulista ao pagamento de indenização por danos morais, em favor das vítimas.O caso teve enorme repercussão, inclusive internacional, tornando-se ícone do linchamento moral que pessoas inocentes podem sofrer devido à conduta irresponsável e mesmo dolosa das autoridades e da imprensa.
Quando o processo de indenização chegou, em grau de recurso, ao Superior Tribunal de Justiça, a relatora, Ministra Eliana Calmon, sustentou que o delegado conduziu o processo de forma irresponsável, eis que, sem concluir as investigações e carente de qualquer prova, fez anúncios sensacionalistas à imprensa. A primeira divulgação dos fatos se deu em 29.3.1994, pela Rede Globo de Televisão, para a qual o delegado gravou entrevista afirmando, "com todas as letras", que houvera violência sexual contra os estudantes da Escola Base, concluindo que estava provada a materialidade da violência sexual, faltando apurar apenas a autoria, embora já houvesse elementos para pedir a prisão dos acusados.
A mídia fez o resto. Tecnicamente, este não é um caso de erro judiciário, já que o pecado foi cometido pela polícia e pela imprensa. Mas ele contém o espírito daquilo que se conhece mais popularmente como erro judiciário, que aqui entendo como um erro de persecução criminal, em qualquer nível.
Desconheço o destino da maioria dos acusados neste caso. Consta que alguns deles sumiram no mundo, desejando apenas ser esquecidos. O dono da escola passou a viver de tirar fotocópias e sua esposa morreu, segundo ele por causa de doenças adquiridas após passar pelo olho do furacão.
Em todo caso, suas vidas foram destroçadas. É por essas e outras que ensino a meus alunos: prender e arrebentar nem sempre é a melhor solução. Cautela não faz mal a ninguém.
Leia uma crítica jurídica bem interessante sobre o caso e a atuação da imprensa aqui.
(Texto revisado em 10.9.2011)
2 comentários:
Desejo uma óptima semana
Tanto a impunidade como o linchamento, terminam por nos remeter a época medieval. Os dois extremos de velhas doenças do chamado estado de direito. Sorte termos cidadãos dispostos vez por outra a botar o dedo nas feridas.
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