terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Cada vez menos luz nessa escuridão

Estamos perdendo a liberdade. Este deve ser o maior paradoxo do mundo.
Li, uns quinze anos atrás, que a tecnologia e crescente informatização de todos os serviços conduziria a uma economia de papel, com enormes benefícios ambientais. Hoje tudo é informatizado (menos alguns serviços públicos) e o gasto de papel é muito maior do que o de quinze anos atrás. Deve ser porque imprimimos tudo, para servir de comprovante daquilo que fizemos através do computador. Precisamos de provas materiais: as de antigamente; não as eletrônicas.
Eu, que ingenuamente achava que esse era um dois maiores problemas da humanidade, ainda não me atentara para aspectos mais sombrios.
Tanta gente lutou tanto para que os excluídos da instrução formal tivessem acesso à informação, para poder cobrar seus direitos, defendendo-se do arbítrio do Estado, dos maus empregadores, dos maus devedores, dos maus cônjuges, etc. E hoje a informação serve para que golpistas ganhem dinheiro na Justiça do Trabalho, imerecidamente; para que na conta do "erro médico" entrem quaisquer resultados insatisfatórios, por mais fortuitos que sejam; para que a ameaça de processo seja a bandeira primeira dos descontentes; para que o princípio da isonomia seja invocado por quem não está em situação semelhante à do direito reivindicado.
Tantos morreram na luta por terras e hoje elas são invadidas por pessoas que só querem revendê-las.
Tanto se combateu o preconceito e a discriminação e, hoje, os grupos ditos minoritários discriminam a si mesmos, para obter as benesses de sua condição minoritária.
E no mundo globalizado as pessoas estão cada vez mais distantes...
Estas elucubrações bobas e dispersas são reflexo de um acontecimento infeliz que me mostrou que estamos perdendo a liberdade. Falamos tanto em deixar as formalidades de lado, para investir mais no humano, mas a cada dia percebo que somos obrigados a fazer tudo por escrito, em várias vias, pedir assinaturas, confirmações, ratificações... Se não estiver "preto no branco", estamos à mercê de acusações; somos injustos, preconceituosos, negligentes.
Tudo deve estar absolutamente às claras. Porque há cada vez menos luz na escuridão. Duvido que alguém consiga estar de prontidão o tempo inteiro. Duvido que alguém consiga tornar evidentes todas as suas ações e até seus pensamentos. Seremos cada vez mais cobrados pelo que é implícito e pelo que é pressuposto. Seremos cada vez mais cobrados pelo que pertence aos outros e não a nós.
Perdoem o desabafo. Acho que só a minha terapeuta entenderia. E num tudo. Porque não deixei tudo às claras para ela também. Que negligente eu sou!

6 comentários:

Eduardo André Risuenho Lauande disse...

apesar de não concordar com tudo, mas gostei do teu texto. muito bom.

Frederico Guerreiro disse...

Eu entendi. Dispense sua terapeuta. Você é livre. Coloque agora o CD do Pink Floyd "Momentary Lapse of Reason". Relaxe. Deixe que a brasa queime... respire fundo... Você é livre...

Yúdice Andrade disse...

Lauande, acho que nem eu mesmo concordo com tudo. Meu dia foi difícil, ontem.
Fred, não conheço o tema musical em questão, mas procurarei conhecê-lo. Afinal, uma indicação sua merece atenção.

Eduardo André Risuenho Lauande disse...

Essa foi boa: "acho que nem eu mesmo concordo com tudo. Meu dia foi difícil, ontem"...ahahahaha

Anônimo disse...

Yudice,
Quando você tiver outro dia difícel avise aqui no blog mesmo, por favor.
Valeu pelo riso...

Yúdice Andrade disse...

Não esperava que meu entorpecimento moral fosse dar pano para manga, mas agradeço a solidariedade e informo que, após um encontro com minha superterapeuta - que chamo de "a mulher mais importante de minha vida", com vênias à mãe e à esposa, ambas ciumentas -, estou bem melhor e pronto para outra. Afinal, como disse o grande Fernando Pessoa, "nunca conheci alguém que não tivesse levado porrada".