quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Erros judiciários brasileiros: o maior de todos

Benedito Caetano, o pivô; Joaquim e Sebastião Naves, as vítimas.


O "Caso dos irmãos Naves" é famosíssimo e entrou para a História como o maior erro judiciário brasileiro, como sempre é chamado.

Corria o ano de 1937 e o Brasil vivia sua primeira ditadura, o Estado Novo de Getúlio Vargas, com as inevitáveis restrições às liberdades individuais e recrudescimento do poder estatal, em especial das forças policiais, em um nível irracional. O Congresso Nacional fora fechado, os Estados e Municípios eram administrados por interventores e os ministros dos Tribunais Superiores eram escolhas pessoais do presidente.

Alheios às grandes questões nacionais, viviam os irmãos Joaquim e Sebastião Naves (de 25 e 32 anos, respectivamente) em Araguari, cidadezinha do interior de Minas Gerais. Comerciantes de cereais e pequenos bens de consumo, tinham como sócio um primo, Benedito Pereira Caetano, que na madrugada de 29 de novembro desapareceu sem deixar rastro, de posse de 90 contos de reis (R$ 270 mil, em valores atualizados), provenientes da venda de um grande carregamento de arroz.

Os próprios irmãos comunicaram a polícia local, que começou as investigações, mas não encontrou qualquer pista sobre o paradeiro do desaparecido. Embora não se pudesse ter certeza, sequer, de que houvera um crime, foi pedido um reforço, indo de Belo Horizonte o tenente Francisco Vieira dos Santos, com a incumbência de solucionar o caso, na condição de delegado especial.

Ontem como hoje, o delegado, pressionado para mostrar resultados, e munido de um poder ilimitado na prática, deu vazão às perversões de seu caráter. Ele ou alguém chegou à oportuna conclusão de que Joaquim e Sebastião tinham dado cabo do primo, para ficar com o dinheiro. Eles foram presos, privados de alimentação e submetidos a torturas pavorosas, durante meses, para que confessassem o homicídio e revelassem o esconderijo do dinheiro. Não contente, torturou suas esposas e até sua mãe, inclusive com ameaças de estupro, para que acusassem seus maridos e filho.

Desde que o mundo é mundo, a tortura é utilizada porque dá certo. Alucinados pelo sofrimento, os irmãos confessaram. Levados a júri, tiveram a corajosa defesa do advogado João Alamy Filho, que começou a trazer à tona a verdade, inclusive através de depoimentos de outros presos, comprovando as sevícias sofridas pelos réus. Ao final, seis dos sete jurados votaram pela absolvição. A promotoria recorreu e conseguiu anular o julgamento. Realizado outro, repetiu-se a absolvição pelo mesmo placar. Todavia, naquela época não existia o cânone constitucional da soberania dos vereditos do júri e o Tribunal de Justiça mudou a decisão, condenando os réus a 25 anos e 6 meses de reclusão (pena posteriormente reduzida para 16 anos, em revisão criminal).

Após 8 anos e 3 meses de prisão, os irmãos obtiveram livramento condicional, graças a seu comportamento exemplar (agosto de 1946). Mas Joaquim estava muito doente e morreu como indigente, num asilo de sua cidade, em 28.8.1948. Sebastião não desistiu de provar que eram inocentes e saiu em busca do paradeiro de Benedito, indo encontrá-lo em julho de 1952, por sorte, quando este retornava à casa de seus pais, no Município de Nova Ponte.

O povo — este que sempre vai para onde a onda leva —, que estivera convicto da culpa dos Naves, nesse momento se revoltou e quis linchar Benedito, que jurou não ter ideia do que se passara. Em 1953, uma revisão criminal finalmente inocentou os irmãos Naves. Mas obviamente não apagou suas marcas. Em 1960, o Judiciário concedeu indenização aos herdeiros de Joaquim e Sebastião.

O advogado João Alamy Filho escreveu o livro O caso dos irmãos Naves: um erro judiciário (Belo Horizonte: Del Rey, 3ª ed., 1993), mas você pode ler a respeito também aqui. Finalmente, o caso também ganhou um programa Linha Direta: Justiça, exibido em 18.12.2003.

2 comentários:

Anônimo disse...

O cinema nacional também produziu um belíssimo filme sobre o assunto!
que não consigo dar maiores dados sobre atores, diretores, roteirista etc.

Carlos Barretto  disse...

Puxa! Que coisa!