quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Súmula vinculante — Lei n. 11.417, de 19.12.2006

(Atualizado em 26.1.2007, a partir das 9h28)



Após anos e anos de debates jamais encerrados, na data de ontem o Presidente Lula sancionou o Projeto de Lei n. 6.636, de 2006, que se transformou na Lei n. 11.417, de 19.12.2006, e que disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.
Quando ingressei na faculdade de Direito, em 1992, a discussão em torno do tema já corria acalorada e desde sempre me filiei aos partidários da ideia. Não tentarei sintetizar o pensamento das duas correntes adversárias, porque ambas possuem argumentos valiosos (e defensores de escol), que enveredam por tantas e complexas questões e subquestões, que a postagem viraria uma maçaroca que poucos leriam ou, de outra sorte, a simplificação comprometeria a qualidade do texto. Remeto os interessados ao muito que já se escreveu a respeito.
Minha intenção aqui é tocar em duas feridas e deixá-las ao julgamento do povo:

1. Não acredito que a súmula vinculante, por si só, engesse o Direito, a atividade judicante, a democracia e blá-blá-blá. Mas a ideia de que um sodalício de 11 membros possa cristalizar o pensamento jurídico no país assusta. Não somos norte-americanos que, com todos os seus muitos e extremos defeitos, ao menos respeitam as suas instituições. Se relembramos julgamentos da maior relevância, ocorridos na última década e meia, temos motivos para medo. Afinal, o Supremo Tribunal Federal tem decidido sistematicamente a favor do governo e ainda pesa o fato de os ministros serem indicados pelo Presidente da República, dentre pessoas de "conduta ilibada" e "notório saber jurídico", ou seja, os amigos-de-fé-irmãos-camaradas de alguém influente. A sabatina no Senado é uma firula, já que o que manda nessas horas são as cartas marcadas. E, ao decidir em favor do governo, atrocidades jurídicas foram perpetradas, tais como "ressuscitar" uma lei que já perdera a vigência, para que o governo federal pudesse continuar arrecadando a CPMF — contribuição perpétua sobre movimentação financeira.

2. Por outro lado (os meus colegas podem me tacar pedra, mas não tô nem aí), a verdade é que os advogados — usando o discurso de defender os seus constituintes, que têm direito ao contraditório e à ampla defesa, cânones constitucionais sagrados (e novo blá-blá-blá) —, insistem em empurrar processos com a barriga, defendendo teses totalmente ultrapassadas, muitas delas toscas e até burras, outras tantas contrárias ao pensamento completamente sedimentado na mentalidade jurídica nacional, apenas porque o recebimento de honorários exige que mostrem serviço. Se não se pode vencer a causa, pode-se ao menos postergá-la indefinidamente e essa é uma das razões do emperramento judiciário, dos processos eternos, da impunidade e de tantos outros males, de que os próprios advogados se queixam, quando se fingem de ofendidos.

3. Vale lembrar que o inimigo número 1 do cidadão é o Estado e Estado também tem advogado (os procuradores), que são os maiores usuários das lides inúteis destinadas exclusivamente a evitar o pagamento pelo máximo de tempo possível. Não à toa, a Ministra Ellen Gracie, presidente do Excelso Pretório, presente à solenidade de sanção da lei, estimou que a súmula vinculante reduzirá em 60% ou 80% as lides na Justiça Federal. O que significa isso? Dentre outros exemplos, escolho um que soará familiar a muita gente: aquela desgraça chamada Previdência Social não terá mais condições de deixar à míngua milhares e milhares de velhinhos, que se recusa a aposentar pelos motivos mais cretinos possíveis. Com a súmula, a história morre no nascedouro. Não se trata apenas de melhorar o funcionamento do Judiciário, liberando-o para atuar nas causas mais complexas; trata-se de dar um alento para muita gente humilde, que vai receber seu dinheirinho mais cedo. Quer dizer: espera-se.

Enfim, sejam os maus cidadãos, seja o Estado-algoz, muitos inimigos da Justiça serão inviabilizados pela súmula vinculante, permitindo maior equilíbrio de forças entre os litigantes. Agora é rezar para que o instrumento seja utilizado com responsabilidade, tanto na escolha dos temas a vincular, quanto nos procedimentos formais e eventuais mudanças de pensamento.
O triste deste país é isto: não importa se a ideia é boa. Aqui, tudo acaba sendo usado para o mal.

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