quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Moralidade: só para os outros

Em princípio, defendo que toda pessoa seja punida pelas faltas que cometer. A impunidade é perniciosa e estimula novos vícios, generalizadamente. Naturalmente, esta máxima não exclui a possibilidade do perdão, que é um valor moral importante e pode representar a segunda chance de que todos, mais cedo ou mais tarde, acabamos por precisar. Também não exclui as lições da Psicologia, quando ensina que a punição pode produzir efeitos diametralmente opostos ao esperado.
Em todo caso, por punição não se pode entender sanção penal, que nos últimos anos vem sendo banalizada, como se devesse ser utilizada em todo e qualquer caso — o famoso discurso de "lei e ordem" ou "tolerância zero", como é mais conhecido nestas pastagens.
Meus alunos escutam, logo na primeira aula de Direito Penal I, e voltam a escutar repetidas vezes durante todo o nosso curso, que a pena criminal é a mais drástica das punições jurídicas. Logo, somente deve ser aplicada quando estritamente necessário. Para faltas menores, deve-se adotar outras penalidades jurídicas e, em certos casos, a reprimenda, se houver, deve cingir-se a outros planos, como o moral, o familiar, o de grupo, etc., por sinal muitas vezes bem mais eficientes.
Sem meias palavras, irrita-me profundamente o discurso punitivo-penal largamente empregado hoje. Para tudo se quer uma dose de cadeia. A par da total ausência de senso de proporcionalidade, tal discurso em geral mascara a incomensurável hipocrisia do povo brasileiro, que adora se considerar bom e solidário. Balela. O brasileiro médio tem muito dessas características, mas não está imerso nelas e frequentemente age assim por conveniência. Sem falar que, a meu ver, são predicados em declínio.
Quando está fora do problema, o indivíduo sabe exigir conduta irrepreensível. Dos outros. Alguém afanou um pacote de macarrão de um supermercado? Cadeia. Disse um palavrão para uma autoridade? Cadeia. Mas, a bem da verdade, as pessoas reagem dessa forma sobretudo em relação aos ataques patrimoniais. Sinal dos tempos. Agem assim porque são ou temem ser vítimas. Reagem dessa forma por medo ou raiva — dois sentimentos que embotam o senso crítico.
Mas pense comigo: que moral tem, para conclamar punições a rodo, mesmo para as pequenas faltas cotidianas, aquele que:
  •  insere todo ano informações falsas em sua declaração de imposto de renda? (sonegação tributária)
  •  arranca páginas do livro que pertence à biblioteca do seu local de estudo? (dano)
  •  dirige embriagado? (perigo para a vida alheia)
  •  apresenta atestado médico falso no trabalho ou no local de estudo? (falsidade ideológica)
  •  ofende as pessoas na internet? (afetação à honra)
  •  transforma a própria casa ou automóvel num trio elétrico? (poluição sonora)
  •  humilha a empregada doméstica? (constrangimento, ameaça, etc.)
  •  fornece bebidas alcoólicas ou cigarro para menores? (perigo à saúde de adolescentes)
  •  consome entorpecentes, nas boates da vida? (estímulo ao tráfico) — e outras milhares de condutas cotidianas.

  
Para esses casos, não se pede punição. O débil mental que arrebenta o som no carro está apenas curtindo a vida. Não é um criminoso. Som tonitruante? Que que tem? Atestado médico falso para fazer prova de segunda chamada? Que que tem? Gritar com aquela pobre que me serve em casa? Que que tem? Beber, fumar ou consumir as outras drogas, ilícitas? Ora, sou livre e tenho dinheiro para comprar!! Que que tem?
Mas se o sujeito tirou 10 reais da minha carteira, aí todos os ensinamentos morais de nossos antepassados são resgatados. Temos que pensar no exemplo! Temos que desestimular o ilícito! Temos que coibir a safadeza! Aí eu entro no meu carro estacionado em fila dupla, jogo um papel pela janela e saio de alma lavada, porque sou um cidadão de bem!
Não estou do lado dos criminosos. Também sou vítima, concretamente falando. Só acho que, p. ex., o militar que se apropria indevidamente de 75 reais sofre uma punição exemplar e pesadíssima ao ser expulso da corporação. Não precisamos de cadeia, como precisaríamos se ele tivesse afanado 100 mil — ou então o que os políticos nos levam diariamente.
Foi largamente noticiado, há poucos dias, o caso dos jovens cariocas que agrediram uma prostituta e foram obrigados a trabalhar como garis (prestação de serviços à comunidade). Para mim, está ótimo.
Passei há anos da fase de me considerar a palmatória do mundo. Não sou modelo de conduta para ninguém. Quando digo que falta moral a quem perpetra suas vilezas cotidianas, reconheço as minhas e por isso mesmo evito botar o dedo na cara dos outros. Adoraria que o mundo fosse melhor. E até acho que ele pode vir a ser. Mas enquanto não for, continuarei reconhecendo que há erros que merecem veemência e outros que pedem condescendência.
Essa está longe de ser uma opinião fácil. Aceito as críticas que receber.

4 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Muito bem, amigo! Vejo que alguém te afetou profundamente e que isso fez o bem de te fazer expressar com propriedade, a qual já tens de sobra.
Irretocável.
Parabéns!

Anônimo disse...

Yúdice, você me fez lembrar de quando eu postei um tópico intitulado "Povo imundo, mal-educado e sem moral", no orkut.

Transcrevo, abaixo, alguns trechos do referido tópico:

PALAVRAS MINHAS: "Povo imundo, mal-educado e sem moral.
Muitos podem se revoltar com o título deste tópico, mas a verdade é que a Doca amanheceu imunda hoje. Era tudo quanto é tipo de lixo, em função da comemoração remista de ontem à noite.
Porra, pra comemorar precisa sujar?!
Depois "a culpa é do prefeito que não manda limpar".
Culpa do prefeito o cacete! Vamos acordar! Sem a colaboração do povo é impossível manter a cidade limpa. "

CRÍTICAS QUE RECEBI:

"eu acho que ele é paysandu e tá doído!"

"viajou pesado...
é claro que a população tem que colaborar com a limpeza. Mas ontem foi um caso a parte, querias que as latinhas fossem jogadas onde? será q em um tumulto e uma multidão tem como procurar lixeiras? Se em dias assim se joga o lixo no chão, é porque sabe-se que no outro dia vai haver equipes de limpeza. Imaginem se no círio as garrafas de água tivessem que ser jogadas na lixeira... :P"

"Meu caro Adelino, você cometeu dois equívocos. O primeiro é ser Paysandu, claro, principalmente porque AdeLINO combina mais com azuLINO...
O segundo foi chamar o povo de "sem moral". Pode até chamar de imundo, é ofensivo, porém a cidade está mesmo suja demais... Mas "sem moral"? Aí parece despeito! Pega leve, Lino."

MAIS PALAVRAS MINHAS:
"Mentalidade lamentável... tsc, tsc...
Sou Paysandu, sim!
Mas eu condenaria aquela sujeira da mesma forma, caso fosse a torcida do Papão comemorando um título. Não estou com "ciúmes" por causa do título conquistado pelo Remo, já que foi uma vitória justa e merecida.
A questão aqui, caros amigos, não é futebolística, embora vocês queiram reduzir a discussão ao caráter meramente esportivo. O que proponho é uma mudança de mentalidade que vá muito além das paixões suscitadas por "Leão" e "Papão".
Proponho o resgate do amor por Belém, a cidade onde moramos e cujas ruas são as extensões de nossos lares. Assim como não sujamos nossa casa, não podemos sair emporcalhando as ruas da cidade. Sob nenhum pretexto.
Sujar as ruas é uma atitude repulsiva que acaba até mesmo justificando o preconceito que os sulistas têm por nós, quando nos chamam de "índios" e outras coisas piores.
E digo mais. Quem suja num dia "especial" como o de ontem, suja sempre. Todo dia. O lixo de ontem foi mais visível apenas por conta da concentração de pessoas dispostas a sujar num único local, no caso a Doca.
Gente, é hora de torcer. Mas torcer por Belém. Vamos cuidar da nossa cidade, demonstrar respeito e carinho por esta terra. Vamos valorizar o local onde moramos. Cada colaboração individual tem um grande impacto na evolução ou no retrocesso da cidade. Portanto, é preciso abandonar pensamentos ultrapassados, para que Belém cresça e mereça novamente o título de Metrópole da Amazônia.
Se cada um fizer sua parte, a cidade vai melhorar - e muito!
Não se pode atribuir os problemas apenas à ausência da prefeitura.
Paysandu, Remo ou Tuna? Isso nada importa. Temos que torcer é por Belém."

E por aí vai. Isso foi em 2005. De lá pra cá, nada mudou. Estamos perdidos, meu caro Yúdice.

Um abraço!

Adelino Neto
COISAS DE BELÉM
http://www.coisasdebelem.blogspot.com/

Sergio Lopes disse...

A moral é mutavel e altera-se conforme camimnha a vida em sociedade , o que era imoral a decadas passadas, hoje é visto como coisa natural. Isso é reflexo do mundo me que vivemos , antigamente pedia-se benção a pai e mãoe e isso era sinal de respeito, hoje mal se cumprimenta pai e mãoe quando não houve-se um E AI VELHO!.

Yúdice Andrade disse...

Não me afetou, Fred. Apenas quis ser mais contundente no ponto de vista. E esclarecer a gravidade da pena criminal.

Lembro-me de ter lido esse tópico no Orkut, Adelino. Naquela época, eu já nem acessava mais a comunidade Belém, da qual me afastei por ver que era inútil tentar emitir qualquer opinião ali. Foi por acaso que passei e li o tópico. Lembro-me das ofensas e da incapacidade do povo de entender o sentido da crítica. Por outro lado, os termos são meio pesados, sim, a despeito de eu concordar no mérito.
Quando criei o blog, a comunidade em questão perdeu totalmente o interesse para mim. Aqui as manifestações têm nível e, em caso de problemas, posso moderar.

Quando não é um "me arruma uma grana aí, coroa!", Sérgio. Que mundinho...