quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Certezas imbecis

Julgamento dos embargos infringentes na Ação Penal n. 470, o caso "mensalão", no Supremo Tribunal Federal. Os primeiros resultados devem sair hoje e existe uma razoável possibilidade de os réus-embargantes serem absolvidos do crime de quadrilha ou bando (hoje, chamado associação criminosa). Afinal, quatro ministros já votaram pelo provimento dos embargos (Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia); a ministra Rosa Weber já se posicionara pela improcedência dessa acusação e o voto ainda desconhecido, de Teori Zavascki, se for pela absolvição, será o sexto. Numa corte com onze ministros, é o que basta.

O julgamento traz de volta a irracionalidade. Além dos destemperos do presidente da casa — que chegou ao ponto de atrapalhar a leitura do voto do ministro Barroso, cerceando-lhe o próprio exercício da função judicante, como se estivesse diante de um funcionário, não de um igual —, desde ontem as redes sociais estão tomadas pelos donos da verdade, pelos cérebros geniais que asseguram, pelo fio do bigode, a dicotomia: quem é a favor dos réus é bandido, podre, vendido e demente; quem brada pela condenação está do lado do bem.

Curiosamente, nos últimos dois dias, tratando com meus alunos sobre o tema do concurso de pessoas, recordei o dito processo, no particular em que se discute se a teoria do domínio do fato, usada para justificar a condenação, p. ex., de José Dirceu, teria sido bem aplicada ao caso ou não. Para a defesa, alguns réus foram condenados apenas porque exerciam funções de liderança no PT, configurando caso de responsabilidade objetiva. Mas eu deixei muito claro aos meus alunos: jamais tive acesso a qualquer peça do processo em questão, por isso não posso formular juízos conclusivos sobre nada. Limitei-me a comentar o que disseram acusação e defesa, mas saber mesmo, eu não sei. Como regra, não comento processos reais, por uma questão de bom senso e ética.

Causa-me perplexidade que uma pessoa se irrogue o direito, ou mesmo a capacidade, de proclamar a culpa ou a inocência de algum dos réus sem conhecer absolutamente nada do processo, senão aquilo que foi dito pela imprensa — conteúdo esse comprometido desde o nascedouro. O que se diz, portanto, não vai além da convicção pessoal do juiz de fato, do intelectual de folha de jornal, tornando-se mera questão passional tratada como verdade absoluta e indiscutível.

Acho incrível como uma pessoa possa dar um recibo de imbecilidade dessas, tão publicamente. O mais triste, ainda, é que essa atitude tem sido tomada por profissionais do direito, pessoas de quem se poderia exigir um mínimo de razoabilidade por serem ao menos iniciados na matéria. Mas a paixão cega, de fato. E no caso em apreço, ninguém quer raciocinar, apenas bradar aos quatro ventos. Ainda mais porque estamos em ano eleitoral e o processo em questão terá seus custos.

Ah, Deus, por que os brasileiros gostam tanto de viver fora do prumo?

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