quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Plano de fuga

A notícia (vista em http://noticias.band.uol.com.br/brasil/noticia/100000719442/assassino-pedofilo-neozelandes-foge-da-prisao-e-se-esconde-no-brasil.html):

Assassino pedófilo neozelandês se esconde no Brasil

Philip John Smith, de 40 anos, aproveitou indulto para escapar do país

A Polícia Federal e a Interpol tentam capturar um criminoso da Nova Zelândia que fugiu para o Brasil. Ele foi condenado à prisão perpétua por abusar sexualmente de um menino e matar o pai da criança.

Philip John Smith, de 40 anos, cometeu o crime em 1995. Na semana passada, ele recebeu o direito de deixar a cadeia por três dias para visitar parentes e aproveitou o benefício para fugir.

O passaporte do assassino foi renovado enquanto ele estava na cadeia, contrariando as leis neozelandesas. Investigadores acreditam que outras pessoas tenham dado apoio na fugado criminoso, que de Auckland pegou um voo na quinta-feira passada para Santiago, no Chile, e embarcou para o Brasil na sequência.

O assassino chegou ao país aqui pelo aeroporto internacional de Guarulhos, onde ficou por três horas e meia antes de seguir num voo doméstico para o Rio de Janeiro.

O Brasil já foi usado como refúgio de vários bandidos estrangeiros, entre eles o narcotraficante colombiano Juan Carlos Abadia e o britânico Ronald Biggs, conhecido como o ladrão do século 20, que viveram no país às custas do dinheiro de seus crimes.

O caso de Philip Smith é ainda mais complicado, porque o Brasil não tem acordo de extradição com a Nova Zelândia. Se ele for preso aqui, pode até ser enviado para o país de origem, mas sua pena será reduzida.

Além do desconforto pelo fato em si de termos um pedófilo-homicida sofisticado, com a maior cara de estrangeiro, solto nas ruas do Rio de Janeiro, há o incômodo de saber que o Brasil sempre foi um país considerado por criminosos, em face de particularidades de nossa legislação (sobretudo a inexistência de pena de morte para crimes comuns ou mesmo de prisão perpétua) e também, não se pode negar, pela baixa de credibilidade de nossas instituições.

A matéria cita Abadia, preso no Brasil em 7.8.2007 e extraditado para os Estados Unidos em março de 2008, a pedido do próprio criminoso. Não sei qual era o esquema que ele possuía, mas tendo uma pena centenária para cumprir, decorrente de diferentes processos, não se sabe ao certo por onde anda.

Cita também Biggs, carpinteiro inglês que teve uma participação secundária no célebre assalto a um trem postal (Buckinghamshire, 1963), protagonizando depois uma cinematográfica fuga da prisão, com direito a atravessar o Oceano Atlântico e fazer um filho no Brasil, para ter como dependente um cidadão brasileiro e, com isso, ganhar o direito de permanecer por aqui, como de fato aconteceu. Retornou à Inglaterra em 2001, por vontade própria, banzo talvez. Passou oito anos na prisão e ganhou a liberdade devido a suas más condições de saúde. Morreu em dezembro de 2013.

Mas a condição do Brasil de destino dos grandes criminosos é mais antiga. Não podemos nos esquecer do criminoso nazista Josef Mengele, o Todesengel, "anjo da morte" do campo de concentração de Birkenau, onde atuava como oficial médico e desempenhava pesquisas crudelíssimas com seres humanos vivos. Esteve em nosso país desde a década de 1960, exercendo ilegalmente a medicina, e morreu absolutamente impune em 1979, ao se afogar quando nadava nas hoje valorizadas águas de Bertioga.

No que diz respeito a Philip John Smith, ainda jovem e saudável, dá para viver um longo tempo por estas bandas, mas sempre terá sobre si a pressão de regularizar a sua permanência, já que é um estrangeiro. É nesse ponto que talvez ele esteja considerando a ausência de tratado de extradição entre Brasil e Nova Zelândia, seu país de origem.

Lembremos, contudo, que o tratado de extradição não é uma condição indispensável, pois essa forma de saída compulsória pode ser autorizada pelo Brasil sob o fundamento da promessa de reciprocidade. É o que dispõe o art. 76 da Lei n. 6.815, de 1980 (Estatuto do Estrangeiro). O extraditando pode ficar preso enquanto perdurar o processo de extradição, que tramita perante o Supremo Tribunal Federal (EE, art. 84, parágrafo único).

E aqui está o pulo do gato pedófilo, que pode explicar o último parágrafo da reportagem: a comutação da pena.

O EE não permite a extradição para um país que possa aplicar a pena de morte sobre o extraditando, já que a pena capital é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ocorre que o STF acabou ampliando os efeitos dessa regra e passou a decidir que nenhum estrangeiro será entregue a país se isso implicar em sofrer pena superior ao que seria permitido pela lei de nosso país, ou seja, um máximo de 30 anos de reclusão.

Em julgado recente, de 29.10.2013, a Suprema Corte voltou a decidir que "a entrega do extraditando fica condicionada à formalização de compromisso, pelo Estado requerente, de comutar em pena não superior a 30 (trinta) anos, as penas de prisão perpétua eventualmente impostas ao extraditando e a observância da detração em relação ao período de prisão preventiva no Brasil" (STF, 2ª Turma, Ext 1306/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski).

Em suma, se Smith chegar a ser objeto de um processo de extradição em nosso país, ele somente será entregue às autoridades da Nova Zelândia se sua pena for comutada para um máximo de 30 anos de prisão. Não sei se ele está preso desde que seus crimes vieram a público, em dezembro de 1995. Se estiver, seriam quase 19 anos de encarceramento. Neste momento, restariam pouco mais de 11 anos de cárcere pela frente. Vale dizer, na pior das hipóteses para ele, se for preso no Brasil e extraditado, ele troca uma pena perpétua por uma data certa de liberdade. Um grande negócio, sem dúvida.

O objetivo desta postagem, claro, não é dar margem aos previsíveis ataques à suposta brandura da legislação brasileira, mas tão somente explicar mais ou menos como funcionaria o caso concreto, se houver mesmo um processo de extradição. Juízos de valor deixo a quem quiser, inclusive o próprio pai do criminoso foragido, que declarou à imprensa de seu país: "Letting him out... that was absolute stupidity. (...) The Parole Board still had doubts about him [earlier this year], his risk to public safety. Why they did actually release him is beyond me. Obviously he is a person who is going to be a menace to society whenever he is released."

Acréscimo importante: ontem mesmo (dia 12) o foragido foi preso no Rio de Janeiro, graças a uma cidadã brasileira que soube do caso pela imprensa e avisou a Polícia Federal. Parabéns para ela.

Fontes:

  • http://noticias.terra.com.br/retrospectiva2007/interna/0,,OI2121900-EI10676,00.html
  • http://pt.wikipedia.org/wiki/Juan_Carlos_Ram%C3%ADrez_Abad%C3%ADa
  • http://pt.wikipedia.org/wiki/Ronald_Biggs
  • http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Mengele
  • http://www.stuff.co.nz/national/10731785/Fugitive-Phillip-John-Smith-carried-cash
  • http://www.nzherald.co.nz/nz/news/article.cfm?c_id=1&objectid=11356339

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