quarta-feira, 9 de julho de 2014

Simples assim

O locutor-e-comentarista-de-todo-e-qualquer-esporte Galvão Bueno é uma das pessoas mais irritantes desse meio. Menos por se comportar como um torcedor alucinado quando, supostamente, pede-se um pouco de compostura para exercer o trabalho e mais porque fala excessivamente, especula, mete-se a filosofar e fala asneiras. Um chato de galocha, para resumir. Quem gosta de programas esportivos normalmente aponta outros nomes como bons profissionais; Bueno é apenas o mala sem alça.

Galvão Bueno foi plenamente Galvão Bueno após o acidente/agressão/tanto faz com Neymar, assumindo um tom funéreo quase como se estivesse fazendo a cobertura do holocausto nazista. E repetiu a dose no inesperado jogo que custou a eliminação da seleção brasileira. Um detalhe curioso: em casa, a TV estava sintonizada na Bandeirantes, em volume moderado e perfeitamente audível. Minha esposa quis sintonizar na Globo, justamente para ver o discurso do cara, e mesmo aumentando o volume, mal dava para escutar o zumbido monocórdico do apresentador enlutado.

Uma das bazófias bostejadas por Galvão Bueno foi um questionamento, claro, pra lá de dramático. Mostrando imagens das crianças que choravam no estádio, quis saber o que seria delas e disse que levariam anos para superar aquele momento.

Obviamente, essa é uma falsa questão, simplesmente porque inexistente. Crianças são mais fortes do que parecem, como aprendi sendo voluntário, durante quatro anos, em uma ala hospitalar que tratava pacientes de câncer. Elas aprendem a conviver com a doença, com o risco de morte, com a perda e com outras mazelas. Claro que doi e pode trazer consequências definitivas, mas a vida nos impõe uma sucessão de pesares e somos forçados a lidar com isso. É uma questão de atitude, o que faz toda a diferença.

A despeito da imensa tolice de Galvão Bueno, que parece ávido por induzir um sentimento de luto nacional ― seja para comungarmos todos de sua angústia pessoal, seja porque tenha interesses econômicos em fomentar essa linha de ação midiática ―, admitamos por um momento, somente para fins de argumentação, que o resultado do jogo de ontem seja mesmo um evento tão grave assim para as crianças brasileiras. Uma situação traumatizante, para recorrer ao modismo argumentativo da atual sociedade dependente de remédios para tudo.

Recorro a um exemplo doméstico. Minha filha adoeceu umas tantas vezes em seus dois primeiros anos de vida. Tivemos que levá-la ao médico diversas vezes, inclusive em serviços de emergência, onde era atendida por quem estivesse de plantão e não por alguém que já conhecesse e em quem confiasse. Nessas ocasiões, exames de sangue, soros e outros medicamentos injetáveis eram rotina. Ela então perguntava se ia doer. Nossa resposta sempre era: Sim, vai doer. Mas precisamos fazer isso para que você fique boa. Você pode chorar, mas não pode puxar o braço, porque isso lhe machucaria mais. Estamos aqui e ficaremos ao seu lado o tempo inteiro.

Recordo que me partia o coração ver aquela menina tão pequena, magrinha, olhando-nos perplexa enquanto uma agulha entrava em sua veia, mas ela mantinha o braço parado e deixava o procedimento ser feito. Um de nós segurava sua mão, o outro lhe fazia um carinho e lhe dizíamos coisas para que tentasse se acalmar. Júlia nunca tentou impedir um procedimento médico. Chorando, sofrendo, ela confiava em nós e isso não tem preço. Se tivéssemos ido pela via do "não vai doer", isto é, a via da mentira, o que ela teria entendido sobre nosso comportamento?

Em todas as copas, o povo brasileiro entra em surto e se permite o clima de já ganhou. Age como se a vitória brasileira fosse direito líquido e certo, um fenômeno natural e inquestionável. Faz isso até quando a seleção está meio desacreditada. Que dirá desta vez, com o campeonato ocorrendo em solo nacional e a seleção em boa fase? E em grande medida esse clima irreal é fomentado por gente como Galvão Bueno. Deveria esse senhor, portanto, em vez de alimentar demônios imaginários, assumir a sua parcela de responsabilidade pelo choro das crianças.

Pais e imprensa, já que se importam tanto com os pequenos, não deveriam ter inculcado em suas mentes a certeza insana de um hexacampeonato, que era apenas uma possibilidade ou até uma probabilidade, se quiserem. Mas não um fato, muito menos um compromisso de Deus com a humanidade. Deveriam ter dito: Vamos torcer para a nossa seleção vencer, mas todas as seleções estão aqui para vencer e só pode haver um campeão. Pode ser o Brasil, mas pode ser outro país. Se os nossos perderem, você pode ficar triste, claro. Mas entenda que é só um jogo. Tudo vai continuar como sempre foi e poderemos torcer de novo na próxima.

Com esse tipo de atitude, poderíamos construir torcedores mais conscientes, emocionalmente equilibrados, do tipo que não queima a bandeira nacional, não promove confusão na rua nem bate em torcedor alemão que comemora gol de sua seleção, ainda dentro do estádio. Cidadãos educados, capazes de compreender que o melhor do esporte, de todo e qualquer esporte, é ensinar a ganhar e a perder, a ter disciplina, a defender uma bandeira e, sobretudo, a se confraternizar com todos, que são nossos iguais.

Onde estarão amanhã as crianças que choraram pelo resultado de Alemanha 7 x 1 Brasil? Segundo Galvão Bueno, em consultórios psiquiátricos, renovando receitas de ansiolíticos, vagando sem rumo pelas ruas ou tornado-se psicopatas. De acordo com a minha proposta, elas estariam um pouco mais velhas, um pouco mais maduras e um pouco mais prontas e construir um país que dê alegrias aos seus filhos. De preferência, em todas as áreas.

Um comentário:

Anônimo disse...

E de preferência sem o babaca do Galvão Bueno .
Kenneth