É provável que o dia em que mais senti raiva de Lula na minha vida tenho sido aquele em que vi sua imagem, na TV, como sempre se ufanando da economia nacional, mas usando um argumento que me enojou: os bancos e os grandes empresários nunca lucraram tanto como em seu governo. Ah, tá.
Ao que parece, Dilma Rousseff não foi tão pródiga com o setor bancário. Afinal, dizem por aí que o mesmo está interessado em financiar a campanha de Aécio Never. Se é verdade, não sei, mas o Santander andou tomando uma atitude estapafúrdia, que ganhou as redes sociais: enviar a seus clientes uma suposta análise de mercado, relacionando o eventual crescimento da presidente nas intenções de voto à desaceleração da economia nacional.
Examinando melhor o caso, tomei conhecimento de que não se trata de uma publicidade enviada aos clientes de modo geral, e sim de uma espécie de orientação econômica prestada tão somente aos correntistas Select, ou seja, aqueles com renda mensal superior a 10 mil reais. O texto foi enviado nos extratos do mês de julho.
Divulgado o caso, o banco se apressou em se desculpar pelo que considera um mal entendido. Alegadamente, sua atitude não teve qualquer viés político-partidário, sendo apenas a expressão de analistas financeiros, que realmente pensam dessa forma. Publicar esse tipo de análise seria uma cortesia do banco aos seus clientes de nível acima da superfície. Um desmentido foi parar no site da empresa.
Não me darei ao desfrute de transformar isso numa luta do bem contra o mal. Para isso, já existe gente mais do que suficiente. Quando soube do caso, minha cabeça penalista logo se perguntou: isso pode ser considerado crime? Então fui ao Código Eleitoral (Lei n. 4.737, de 1965) fazer uma busca e o máximo que encontrei foi isto:
Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado:
Pena - detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.
Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela imprensa, rádio ou televisão.
O tipo penal acima não se aplica ao caso, pela razão singela de que a conduta não foi praticada na propaganda eleitoral, uma atividade pública disciplinada em lei. Tratou-se de uma ação privada, de uma empresa em relação a um segmento restrito de seus clientes. Como argumentos de defesa, ainda se poderia alegar (a) que não se sabe se os fatos em apreço são inverídicos; (b) que a especulação é plausível, de acordo com as lições de especialistas; (c) que não houve dolo de influenciar no processo eleitoral e, em se tratando de crime exclusivamente doloso, a ausência de elemento subjetivo afasta qualquer possibilidade de incriminação.
A Lei n. 9.504, de 1997, apesar de disciplinar a propaganda eleitoral à exaustão, nada prevê que possa ser relacionado. Por conseguinte, os bancos podem continuar "instruindo" seus correntistas como queiram, inclusive com certa dose de terrorismo, prática por sinal nada inédita. E por incrível que pareça, há algo de benéfico nisso. A ausência de leis tolhendo esse tipo de manifestação é o que permite a nós, cidadãos comuns que escrevem na internet, produzir as nossas críticas contundentes, se quisermos, respondendo naturalmente por eventuais excessos.
Suspeito que esse episódio terminará por aqui mesmo. Uns tantos esbravejarão contra o Santander e, por extensão, contra o sistema bancário, ideologizando a questão e sugerindo conspirações. A turma anti-PT, que está para a política mais ou menos como os argentinos estão para o futebol, tentarão tirar a sua casquinha, também. Mas suspeito que ambos os lados farão papel de bobos.
A minha questão era de natureza penal e ela não leva a lugar nenhum. Então, para mim, fim de papo.
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/radar-politico/2014/07/25/santander-avisa-a-clientes-que-economia-pode-piorar-se-dilma-subir-nas-pesquisas/
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