quinta-feira, 31 de julho de 2014

Senzala do Murutucu

Reproduzo na íntegra a matéria do Diário do Pará pelo grande interesse que tenho no assunto e na pesquisa do Prof. Diogo Costa. O Murutucu (que eu saiba, esta é a grafia correta) é pauta este blog.

Senzala do Murucutu pode ter sido encontrada

Quinta-Feira, 31/07/2014, 06:17:02 - Atualizado em 31/07/2014, 06:18:21


Senzala do Murucutu pode ter sido encontrada (Foto: Alzyr Quaresma)
Pesquisadores podem ter localizado a senzala do histórico engenho do Murucutu (Foto: Alzyr Quaresma)
















Ao acordar todos os dias você nem se percebe que está escrevendo a história. O que hoje é algo comum do cotidiano pode se tornar peça rara para entender o modo de vida de um povo. As descobertas realizadas nas ruínas do engenho do Murucutu, em Belém, mostram que itens como um cachimbo, uma moeda, pedaços de objetos de metais e vidro e que parecem simplórios aos olhos leigos são tesouros que, muito mais do que o valor econômico que carregam, são fragmentos de uma história que alguém não contou e que clama por uma preservação responsável do passado.
Após quatro semanas de escavações durante o mês de julho, a equipe de Diogo Costa, arqueólogo e professor da pós-graduação em Antropologia da UFPA, conseguiu mapear o local onde seria a possível senzala do engenho, também de uma lixeira que haveria no local e itens variados que agora serão estudados em laboratório. “Todo o material encontrado como louças, vidros, peças em metal a gente usa para investigar o cotidiano das pessoas que moravam aqui. Com eles talvez possamos entender melhor questões sobre as práticas de alimentação da época, através da análise do talher, ou os vidros podem nos ajudar a identificar práticas de higiene. Os objetos de metal podem ser o caminho para verificar os tipos de usos medicinais que eram feitos. No caso da louça podemos ver se era de valor alto ou baixo, e qual era o status econômico das pessoas que moravam aqui. Este cotidiano não fica registrado em documentos históricos, porque faziam parte de um cotidiano. Hoje mesmo, se você olhar o lixo de uma pessoa pode descobrir o que ela fez o dia todo. É esse princípio que a gente usa na arqueologia”, esclarece o pesquisador.
O projeto dele partiu de um objetivo - encontrar o que seria a senzala do engenho - e felizmente há muitas evidências de que o local realmente tenha sido localizado. De brinde, os pesquisadores encontraram a lixeira e outros itens. Com uma foto de 1860 nas mãos e estudos que indicavam o que seria esse espaço, ele partiu para a escavação.
“Houve então a confirmação de que existia um prédio em uma área próxima de onde fica a capela. A princípio não sabemos qual era a função dele dentro do engenho, mas depois do laboratório é que vamos confirmar se era realmente a senzala ou não. A ideia agora é analisar este material e tentar descobrir se pertencia só aos escravos indígenas, ou aos africanos, ou a ambos, além de responder seeles moravam juntos, o que eles faziam no dia a dia”, detalha o arqueólogo.
“O material encontrado ainda vai ser analisado em laboratório e isso pode trazer resultados que nem imaginamos, mas ainda vai demorar no mínimo mais seis meses de estudos. O que podemos adiantar agora, com o encerramento desta etapa de campo, que corresponde a apenas 10% do trabalho que fazemos na arqueologia, é a atenção que estamos conseguindo a respeito deste sítio.
Queremos provocar as pessoas a manter esse espaço para ser usado como estudo, porque o uso do espaço ajuda na preservação. Manter simplesmente uma coisa preservada, mas fechada e longe das pessoas, não faz com que ela se torne parte da vida delas”, explica o professor que levou para as escavações de sua pesquisas os acadêmicos envolvidos no projeto, outros pesquisadores e os graduandos e pós-graduandos de Antropologia da UFPA em Arqueologia Histórica, transformando a iniciativa em um sítio-escola para treinamento dos alunos no método que trabalha as descobertas em sítios pós-coloniais, após a chegada dos europeus.
O projeto continua e a proposta é que se perdure por mais dois anos e com mais escavações. “Vamos usar esse espaço como estação científica para muitos alunos não só da arqueologia, mas de outras áreas. A arquitetura pode trabalhar com as ruínas, o pessoal da geologia com o material que está sendo extraído daqui, os biólogos poderiam trabalhar com o manejo da área, já que esse lugar foi usado a partir de 1930 como campo de estudo da Embrapa, então isso é uma história ambiental do cultivo de alimentos também”, planeja Diogo.

Pesquisa terá mapa preciso da área

Em parceria com a equipe de pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, o projeto de pesquisa arqueológica nas ruínas do Murucutu ganhou equipamentos que ajudaram na realização do levantamento topográfico da área e mapeamento das estruturas que ainda estão erguidas. “Com isso vamos ter um mapa bem preciso dessas evidências. Tudo que foi descoberto nas escavações já vai estar relacionado com esse mapeamento, o que é um avanço fantástico na documentação do sítio do engenho do Murucutu”, comemora Fernando Marques, pesquisador em arqueologia do Museu Emílio Goeldi, e que há 31 anos tem contatos com pesquisas naquelas ruínas.
“Experimentamos equipamentos da geofísica para não utilizar escavação, um GPR, que é uma espécie de radar que passa e identifica as anomalias na terra. Percebemos uma área que apresentou bastante anomalia e que indicou a necessidade de escavação neste setor.
Outro equipamento chamado magnetrômeto também indicou as anomalias na área. Além disso, a fotografia que foi feita por Felipe Fidanza, que se estabeleceu em Belém no século 19, documenta o aspecto do engenho neste período e mostra a casa grande (que fica atrás da capela e que depois foi demolida em um acidente em 1995), a própria capela e um prédio que supostamente seria a senzala, praticamente neste local, compatível com as anomalias registradas. A fotografia é uma fonte fiel, pois, na época, não era manipulada e por isso é muito fidedigna. Ainda bem que Fidanza fez várias fotos de Belém desta época e felizmente esteve no engenho”, acrescenta o arqueólogo.
“As fotos mostram coisas interessantes, como o traço da casa grande, bem característico de um dos seus proprietários, o arquiteto italiano Antônio Landi. Ele comprou este lugar em 1776 e morreu aqui em 1791. Por isso aqui também tem este aspecto arquitetônico a ser destacado e que contribui mais ainda para a valorização deste lugar. Existe até uma hipótese de que o corpo dele possa estar aqui, mas também há notícias de que ele estaria enterrado na igreja de Sant’Ana, que era a igreja de sua predileção, mas isso são coisas ainda a serem investigadas e que a história pode responder e subsidiar para a pesquisa da arqueologia poder comprovar futuramente”, projeta o arqueólogo.

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