segunda-feira, 28 de abril de 2014

Autopista praiana

Foto de Rodolfo Oliveira (Ag. Pará)
Não é de hoje que se discute sobre a situação das praias de Salinas, dominadas pela burguesia aristocrática e egocêntrica de Belém, que lhes impõe a condição de maior beach parking do mundo (como diria o Frederico Guerreiro), além de terreiro onde se confrontam incontáveis aparelhagens automotivas, disputando quem toca a música mais escrota no maior volume.

As desculpas estão na ponta da língua: a praia é distante; não há lugar para todos estacionarem; carros que ficam na estrada são arrombados, etc. Mas a verdade é uma só: o malandro quer chegar com seu carrão, parar na areia, instalar sua infraestrutura bem ao lado (para poder curtir o sonzão) e não ter trabalho caso queira desfilar ao longo da praia com o seu possante.

Foto de Carlos Sodré (Ag. Pará)
Naturalmente, o espaço precisa ser compartilhado com as motocicletas e com os quadriciclos, brinquedos caros que são particularmente interessantes, pois os feladiputas colocam pessoas não habilitadas, inclusive crianças, para pilotá-los.

Foi essa mistura de egocentrismo, arrogância e desrespeito que me fez passar vários anos sem pisar em Salinas, por livre escolha. Apliquei a regra segundo a qual os incomodados que se retirem. E o incomodado era eu. Só voltei lá em janeiro do ano passado, mas fiquei em um hotel um pouco afastado e só visitei a praia uma única vez. Devido ao período em que estávamos, reinava a tranquilidade no local.

Mas eis que um gravíssimo acidente ocorrido durante o feriado prolongado de Páscoa, no qual uma jovem de 24 anos teve uma das pernas parcialmente amputada, trouxe à tona a velha discussão. Para minha grande surpresa, enquete realizada pelo site do jornal Diário do Pará trouxe um resultado inesperado: nada menos do que 72,2% dos internautas votantes se manifestaram contrários à circulação de veículos na praia. 19,80% propuseram circulação em áreas restritas e somente 8% querem manter a esculhambação como sempre foi.

Partindo-se do pressuposto de que quem vota pela internet costuma ter maior nível de renda, causou-me surpresa real esse inusitado senso cívico dos leitores do portal. Eu só me pergunto se eles, quando vão a Salinas, estacionam os carros na areia. E se vão esperar uma proibição para mudar atitude ou se, independentemente de qualquer coisa, vão evitar o abuso, por convicção. Quanto a isso, duvido. Por aqui, ninguém gosta de ser pioneiro em boas ações.

Qualquer desculpa que seja dada para permitir o acesso de veículos à praia é sem-vergonhice. A prova disso pode ser vista no modo como se gere o espaço em outras praias, seja no encantador Município de Bragança, seja na sofisticadíssima Jurerê Internacional, um dos metros quadrados mais caros do país.

O que se espera de uma praia é que ela seja um cenário como esse da última imagem: um espaço frequentado tão somente por pessoas e os animais que habitam esse ecossistema (não os seus animais domésticos, débil mental!). Um lugar limpo, onde famílias podem se sentar despreocupadamente, crianças podem brincar e todos podem se divertir, comer, tomar banho e esquecer os problemas da vida por algumas horas. E não se aborrecer, viver dramas pessoais ou, até mesmo, sair morto de lá.

Eu me pergunto por que bom senso é uma condição tão difícil de assumir.

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