terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Um Globo de Ouro para as mulheres

[Não me responsabilizo por spoilers.]

Dois dos personagens mais queridos do maravilhoso seriado Downton Abbey (exibido no Brasil pela GNT, ora na 5ª temporada) são John Bates (Brendan Coyle) e sua esposa Anna (Joanne Froggatt). Eles conquistaram o público logo de início, vivendo uma delicada paixão que evoluiu para um casamento, marcado entretanto por graves sofrimentos. Tudo isso serviu para mostrar a força da relação entre eles, que aparentemente não poderia ser abalada. Exceto por um estupro.

No terceiro episódio da 4ª temporada, durante uma festa no fabuloso castelo da família Crawley, Anna é estuprada pelo lacaio de um dos hóspedes. A cena, embora sem excessos de violência visual, choca a começar pelo fato de que não se esperava algo do gênero. E em uma sociedade marcada por imensos pudores, em que fatos constrangedores não são comentados nem sequer no círculo mais íntimo, doi ver a desesperada Anna, varrida por uma culpa devastadora, pedir socorro à governanta, Sra. Hughes (Phyllis Logan), com o adendo de que seu marido não poderia saber do ocorrido. Bates é um bom homem, mas tem um passado sombrio e escapou de uma condenação por homicídio, contra a primeira esposa. Se soubesse do caso, certamente mataria o estuprador e acabaria condenado à forca.

Para poupar o amado, Anna mergulha em silêncio, mas se sente suja e por isso se afasta do marido, que sofre por não saber o que fez para ser tratado daquela forma. Enfim, o objetivo aqui não é comentar o episódio ou a série. Digo apenas que, após graves acontecimentos, a reconciliação do casal Bates é daqueles momentos em que a TV pode ser inspiradora e provocar sorrisos suspirosos.

Sucesso de crítica e detentora de um público fiel, Downton Abbey já recebeu alguns prêmios, inclusive o Screen Actors Guild de melhor elenco em série dramática, o que é facílimo de entender. No entanto, comenta-se que as premiações são menos frequentes do que o seriado merece, pela qualidade de sua trama, pelas interpretações e pela primorosa reconstituição de época. Há dois dias, as láureas aumentaram quando a adorável Joanne Froggatt recebeu o Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante em série/minissérie/telefilme.

Em seu discurso de agradecimento, a atriz comentou ter recebido algumas cartas de mulheres agradecendo a ela pela dignidade com que interpretou a personagem, dando credibilidade ao tumulto sentimental vivido por quem sofreu violência sexual. Classificando essas mulheres como sobreviventes, a atriz desejou que, de algum modo, aquela publicidade pudesse dar a elas a sensação de, finalmente, terem sido ouvidas.

Considerado um dos momentos mais impactantes da cerimônia, o discurso de Froggatt rapidamente ganhou muitos elogios nas redes sociais e foi assunto em diversas reportagens. Recomendo esta aqui, do Daily Mail (em inglês), por ser muito detalhada e conter inclusive o vídeo do belo discurso, mostrando as reações do público presente.

No mais, se você não vê Downton Abbey, não sabe o que está perdendo. Conhecendo a trama e os personagens, fica mais fácil entender porque Joanne Froggatt é uma excelente porta-voz para a luta contra a violência sexual contra a mulher.

A noite teve mais para as mulheres, contudo.

Ao ser premiada como melhor atriz em minissérie ou telefilme, por The honorable woman, a também adorável Maggie Gyllenhaal desmistificou a ideia de personagens classificáveis como "mulheres poderosas". Para ela, as mulheres atuais, podem ou não ser fortes, sensuais ou tantas outras coisas. O importante é que se está abrindo espaço a uma visão menos idealizada da mulher na sociedade (ver matéria aqui).

Ela tem razão. Muitas mulheres sofrem pela imposição de serem heroicas, dotadas de superpoderes e capazes dos maiores sacrifícios e abnegação, quando na verdade são apenas seres humanos, com seus medos, desejos e mesmo mesquinharias. A pressão social é tão forte para adequação a esse ideal inalcançável que as próprias mulheres o assumem e muitas vezes adoecem, de culpa ou até fisicamente, por não conseguirem (ou acharem que não conseguem) fazer o bastante.

E para terminar, a dupla de apresentadoras, Tina Fey e Amy Poehler, foi extremamente feliz ao inverter a lógica previsível e não falar na mulher de George Clooney: elas sintetizaram o impressionante currículo de Amal Clooney como advogada internacional de direitos humanos e disseram que ela fora ao evento acompanhada "de seu marido, George". Conhecido pelo tipo bonitão e cafajeste, solteirão convicto até um dia desses, Clooney vale muito mais por suas preocupações humanitárias, que se revelam não apenas em seus trabalhos no cinema, mas também em ativismo pessoal (chegou a ser preso e algemado em seu próprio país, em 2012, durante protesto contra o genocídio no Sudão).

Clooney escolheu uma mulher não exatamente à altura: ela está acima dele. Conheça um pouco dessa advogada libanesa lendo este perfil.

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