O Liberal de hoje noticia, mais uma vez, a inépcia da Câmara Municipal de Belém em votar a reforma da Lei Orgânica do Município. A coisa já está tão feia que os próprios edis começam a admitir a falha. Dentre eles há quem defenda, tanto na situação quanto na oposição, a necessidade de maiores discussões, inclusive por meio de audiências públicas. Como se vê, até os adversários andam concordando sobre não saber o que fazer. Aí me vem o vereador Carlos Augusto Barbosa, relator do projeto, fazer a seguinte afirmação: "Abrimos por quatro vezes a prorrogação do prazo para receber emenda e agora tem o discurso de que tem que parar para ouvir a população. Nós representamos a população, fomos eleitos para isso."
Parabéns, vereador. Vossa Excelência mostrou a que veio. Permita que eu lhe dê algumas informações que o senhor, na condição de parlamentar, deveria conhecer.
Em primeiro lugar, a efetiva participação popular no processo decisório é uma conquista da civilização, que não pode ser suprida pelo sistema representativo — adotado pelo mundo afora porque é inevitável, mas não por ser o melhor. Como foi dito, houve quatro prazos para apresentação de emendas, portanto para atuação dos parlamentares, sem qualquer consulta aos destinatários da lei.
A Constituição Federal de 1988, que costuma ser reproduzida nas Cartas estaduais e leis orgânicas, prevê, no capítulo dos direitos políticos, que a soberania popular será exercida "pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto (...) e, "nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular" (art. 14). O destaque dado à conjunção "e" foi para que o senhor entenda que as duas formas são legítimas: tanto a representativa, quanto a direta.
Mais adiante, tratando dos Municípios, a Lex Mater determina que seja assegurada a "iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado" (art. 29, XIII). Quem pode o mais, pode o menos: se o munícipe pode elaborar o projeto de lei, com muito mais razão pode opinar sobre o que foi engendrado dentro dos gabinetes parlamentares.
Eu poderia citar muitas outras normas constitucionais, a começar pelo princípio da moralidade e da publicidade, obrigatórios na Administração Pública, da qual o Poder Legislativo faz parte. Todavia, a questão central é que o parlamentar representa o cidadão, mas não esgota o cidadão. Se o ínclito edil acha que, só por deter um mandato legítimo, não precisa mais ouvir o eleitorado, cometeu um erro primário. Até porque não possui a ciência de todas as coisas. Um parlamentar não ganha poderes místicos para entender de tudo e saber com perfeição o que exatamente o povo quer. Eu, por exemplo, sou advogado. Como tal, represento o meu constituinte. Eu também exerço um mandato legítimo. Mas nem por isso a parte deixa de ser ouvida. Algumas atuações, como petições de divórcio, devem ser assinadas pelo advogado e pelo constituinte, que sempre poderá manifestar-se e, em última análise, destituir o seu patrono.
Se o jornal foi fiel às palavras do vereador, a expressão "e agora tem o discurso de que tem que parar para ouvir a população" soa não apenas antidemocrática, mas desrespeitosa ao cidadão, sugerindo um certo desprezo àquele a quem se serve.
Não me deterei na doutrina constitucionalista, que deixo para os estudiosos dessa temática. Mas ficaria feliz se alguém dissesse ao vereador em questão que repense a sua função legislativa. E aprenda o elementar: hoje em dia, cada vez mais temas são objeto de consultas populares e alguns simplesmente não podem ser decididos sem audiências públicas.
A idéia de que os vereadores, só porque representam o povo, podem decidir tudo entre si não é apenas uma afronta ao bom senso. Ela é uma ameaça aos cidadãos.
PS — Se alguém conhecer o vereador, indique-lhe a leitura deste texto. Humildemente, é uma crítica construtiva.
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