quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Prestação de contas

Sinceramente, eu não boto minha mão no fogo pelos Tribunais de Contas — sabidamente, locais onde se concentra a maior quantidade de políticos fracassados por metro quadrado. Para quem não sabe, apesar da nomenclatura tribunal, as Cortes de Contas na verdade pertencem ao Poder Legislativo. Não exercem uma verdadeira função judicante, mas julgam — supostamente de forma técnica — as contas do Executivo, em todos os níveis. O julgamento técnico-político dessas contas é feito pelo Parlamento: as Câmaras Municipais apreciam as contas dos prefeitos, as Assembleias Legislativas apreciam as dos governadores e o Congresso Nacional, as do presidente da República.
Não falarei do Tribunal de Contas da União exclusivamente porque nada sei e não se deve falar do que não se sabe. Isso não significa, contudo, que lá não impere a mesma bandalheira. Aqui no Pará, contudo, os Tribunais de Contas do Estado e o dos Municípios acolhem cofos de caranguejos, aqueles políticos que perderam as eleições e não se vislumbram possibilidades de prosseguirem com as próprias pernas. Então entram em cena as indicações políticas, na base do você-meu-amigo-de-fé-meu-irmão-camarada, já que competência é o critério que menos importa e, quanto ao requisito de conduta ilibada, já conhecemos a cantilena: todos são inocentes até que sejam condenados por sentença transitada em julgado. Além disso, o cargo de Conselheiro de Contas tem status e remuneração equivalente a de um desembargador (anote aí: mais de 20 mil reais por mês). Isso que é um prêmio de consolação!
O que falo agora é público e notório. Se tiver dúvida, procure saber como ocorreram as últimas indicações.
No Pará, desde 2000 existe uma briga, em nível judicial, em torno de quem deve ocupar uma vaga em aberto de conselheiro. Pela redação original da Constituição do Estado, o governador deveria indicar um nome dentre os auditores. Corretíssimo, pois só assim haveria ao menos alguns conselheiros que entendem do riscado. Isso valorizaria os servidores de carreira e permitiria julgamentos mais técnicos.
Ocorre que os nossos briosos deputados alteraram a Constituição para garantir para si essa vaga, que vale como uma rentável moeda de troca para negociatas. E esta semana o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa à Assembleia, infelizmente. Aí veio a reação: os deputados ligados ao PT, PSOL, PCdoB e PMDB, que hoje constituem a oposição, resolveram indicar à vaga o auditor Antônio Erlindo Braga, justamente ele que, há anos, dedica sua vida a garantir essa vaga para os auditores e que, pessoalmente, foi o maior atingido pela decisão do STF.
Parabéns aos deputados proponentes! Vocês fizeram o melhor que podiam fazer. Acho que os servidores efetivos do TCE devem ficar reconhecidos por essa demonstração de apreço e respeito a um de seus melhores nomes: Braga é um homem sério e competente, que daria àquela corte uma face muito menos bisonha.

7 comentários:

Anônimo disse...

Já és leitura diária minha.
Este, sem sombra de dúvidas, foi um dos melhores posts e entabulação crítica sobre o tema que lí.
Cabide vergonhoso de nepostismo e empregos aos que são essas Cortes.
Para o Brasil crescer, penduricalhos como estes têm que ser extintos.
Que essa gente fracassada vá procurar emprego em outro lugar.
Não farão falta alguma essas cortes de apaniguados, salvo, evidentemente, o seu corpo técnico, que poderia ser absolvido pelos poderes a que estão afeitos, como um corpo técnico à moda de uma assessoria complementar.
E fica essa briguinha de vizinho pelas indicações. Indecente! Xô satanás!!

Anônimo disse...

Ah!
Já estás devidamente linkado nos Corredores.
Abs

Yúdice Andrade disse...

Eu, sua leitura diária, caro Val-André? Isso muito me honra! Ganhei meu dia...
Também já coloquei o seu link na minha página.
Muitíssimo obrigado pela avaliação positiva do post. Eu teria mais a dizer, mas tenho me policiado para ser menos prolixo. Um abraço.

Anônimo disse...

Escreva professor, escreva desabridamente. Só a você pertence a auto-crítica. Em nossos blog's não devemos satisfações a ninguém. Aqui, como acolá, são territórios livres da hipocrisia.
Modere os patifes que não gostam da crítica com endereço certo.
Desabe moral nesse sistema arcaico e morfético, bem ao modo de um Brasil Colônia que não cresce, se arrasta. De um Pará que não, é sugado.
Ora por, ora por outro.
Um país cheio de anciões que pintam o cabelo e guardam valores inúteis em seus coldres, dinheiro em seus cofres rés ao penico embaixo da cama, muito próximo do criado mudo onde enterram suas dentaduras amarelas e nossas esperanças de dias melhores.
Cangalha neles professor!

Yúdice Andrade disse...

Fulminante o seu comentário! Não tenho a menor defesa, então tomarei do teclado (já que não usamos mais a pena) e fustigarei os ímpios, os pios e sobretudo a mim mesmo!
Quanto à população a que você se referiu e sua velharia - no mau sentido -, fez-me lembrar aquela canção da Ana Carolina, que para mim é um ótimo ícone da atual cultura pop brasileira: "de que vale o seu cabelo liso e as idéias enroladas dentro da sua cabeça?"
É isso aí.

Bruno Soeiro Vieira disse...

Caro Mestre Yúdice,

Belo e imprescindível tema a ser abordado.
Para as pessoas de bem que lutam para crescerem profissionalmente, a atual sistemática de escolha dos conselheiros das cortes de contas é indecente e imoral.
Quanto a indicação do auditor do TCM, sem dúvida, foi uma atitude acertada por parte dos deputados.
Um amplexo.
Bruno

Anônimo disse...

Yúdice,

Em alguns países as instituições equivalentes aos "Tribunais de Contas" brasileiros são dirigidas pela sociedade civil. Não são subordinadas, portanto, a nenhum dos 3 poderes.

Aqui na América Latina, a Bolívia já caminha nesse sentido.

O que você acha disso?

Elias Tavares