domingo, 26 de novembro de 2006

E agora, adequar-nos ao mal

Após passar por uma experiência assim — e mesmo considerando que tivemos muita sorte, o que já me parece ridículo dizer —, mudanças comportamentais são imediatas e inevitáveis. Ou seja, nós começamos a mudar nossas vidas para nos adequarmos ao mal que os criminosos representam. Eu concluí, qual se fosse uma revelação divina, que não devo mais andar com a chave do carro pendurada no cós das calças e que aquele papo de e-mails terroristas sobre nunca por, na agenda do celular, identificações de parentesco é verdadeira. Nosso maior medo após o crime era que ligassem para nossos familiares com aquele papo de estou-com-fulano-e-o-mataremos-se-não-nos-pagarem-x-dentro-de-duas-horas.
Também não frequentarei mais esses ambientes descolados. Aliás, passarei uma temporada recolhido em casa, como convém a um bom brasileiro, e quando me sentir bem para sair, só irei a locais com infraestrutura de segurança mais ilusória, situados em locais mais movimentados.
É isso.
Como professor de Penal, tenho responsabilidades com os seres humanos que ajudo a formar. Ensino-os a não perder a racionalidade por conta desse discurso de prender e arrebentar. Falo a eles dos direitos humanos como realmente são, não como essas ONG malucas fazem o povo pensar que são. Falo a eles de respeito pelo ser humano. Por isso, o que mais me revolta nisso tudo é o que roubaram do meu patrimônio espiritual: minha tolerância, minha sensibilidade.
Não mudei tanto, mas tenho impulsos vingativos, que afloram principalmente ao me lembrar do momento do tiroteio, segurando a mão de meu irmão, abraçado a minha esposa e com uma moça desconhecida apertada contra nós, buscando apoio.
De tudo há de se tirar uma lição. Eu, agora, mais do que nunca, só quero paz.

6 comentários:

Ivan Daniel disse...

Vivemos entre grades, privados de liberdade, numa falsa idéia de proteção... muros são erguidos pra evitar um mal criado por nós mesmos... é um absurdo mas temos que viver assim. Nunca fui assaltado dessa maneira, só de "puxa-cordão", nem dá pra comparar.
Adequar-se não é a saída, mas é o jeito...

Anônimo disse...

Acho que sobre este e no post anterior, faço das suas as minhas palavras. Sabes o quanto essa experiência me afetou, física e psicologicamente, e eu, sem saber quando esse sentimento irá passar, só posso rezar. Mas graças a Deus e nosso anjos da guarda sobrevivemos, e todos os envolvidos também. Que Deus nos dê também a graça de não passar por isto novamente.

Anônimo disse...

Não posso imaginar o que você sentiu. Sente.
Fui assaltada duas vezes na rua, com facão. Levaram minha bolsa, mas corri atrás nos dois casos, a pé e de táxi. Peguei os dois e ainda salvei um deles de um possível massacre popular: como agradecimento, recebi deste menor (com quase 18 anos) um "deveria ter era furado teu olho". Ele falou isso na frente dos policiais. Ele se livrou da arma do crime quando viu que eu reagi; este assalto foi num dia de feriado, umas duas horas da tarde.
Me marcou ainda a longa espera na delegacia, o ambiente e o fato de ter que olhar para a cara do "fura-olho" por um tempo, dentro da delegacia.
Como foram próximos, os assaltos me deixaram traumatizada com bolsas. Em um deles, o menino cortou tão rápido a alça que a impressão que tive foi que ele ia enfiar o facão em mim. Passei um tempo sem sair de bolsa, até o dia que perdi meus documentos, que cairam do meu bolso. Consegui recuperá-los, mas ainda não recuperei a minha paz.
Espero que você e sua família superem da melhor forma este episódio, que felizmente não teve conseqüências ainda mais graves.
Um abraço, muita luz para você, com esperança, mesmo que mínima, de ver a nossa sociedade um dia evoluir.
Luciane.

Carlos Barretto  disse...

É isso aí, amigo. Melhor deixar a poeira sentar um pouco. Mas aguentar os procedimentos pós assalto é de matar realmente.
Abraços e nossa solidariedade.

Yúdice Andrade disse...

Agradeço a solidariedade, claro. E lhes envio calorosos abraços.

Jubal Cabral Filho disse...

Oi, camarada.
Recebi sua manifestação.
Agora, navegando pela net e por meus blogs fui até o teu (através do Flanar)para ler notas desagradáveis e desculpas mal formuladas por político "que fez a sua parte".
Lamento o ocorrido e espero que a sua paz interior volte aos poucos.
O email do edibal é edibalcabral@hotmail.com.
Grande abraço.