Quando um indivíduo não se dá ao respeito, as pessoas que lhe são próximas acabam por sofrer as consequências do mau passo. Antigamente, se uma jovem aparecia grávida, toda a família era lançada ao opróbrio da vizinhança. Não raros foram os que se mudaram de cidade, por incapazes de erguer os olhos do chão. Como eles possuíam os mesmos parâmetros morais, interiorizavam a condição de culpados e expiavam essa culpa, muitas vezes através de castigos auto-impostos.
Naturalmente, ninguém há de sentir falta de tempos em que uma mulher era desprezada apenas por ser separada, mas eu sinto saudade dos tempos em que as pessoas consideravam importante ter vergonha na cara. Bons tempos, aqueles de minha infância, em que a mulher de César, além de parecer séria, queria ser séria!
A imprensa hoje noticia a cada vez maior batalha judicial em torno das vagas nos Tribunais de Contas do Estado e dos Municípios. Noticia, também, a resistência dos Tribunais de Justiça em cortar os supersalários de magistrados, para limitá-los ao teto. Em ambas as guerras, o campo de batalha é a Administração Pública e o objeto pretendido pelos contendores é o vil metal. Dinheiro todo mundo quer, especialmente o meu, o seu, o nosso. A coisa pública está cada vez mais relegada ao atendimento dos mais espúrios interesses pessoais. Res publica é um conceito histórico, hoje de valor meramente retórico.
As duas guerras expõem os flancos da imoralidade desbragada, da sujeira pútrida, da sanha irracional de poder, do descompromisso absoluto com o interesse público, da abdicação ostensiva à ética, do destemor à punição, do mau exemplo aos filhos (que aprendem desde cedo que o certo é trapacear e persistir na safadeza), condenando as gerações futuras à ignorância de valores.
Vivemos uma era de imoralidade. A manter-se a tendência, migraremos para uma era de amoralidade, o que pode ser muito pior, na medida em que os indivíduos passem a duvidar que, um dia, a sociedade já exigiu de seus membros educação, honestidade e respeito ao semelhante.
Os aquinhoados do poder não têm mais vergonha da censura alheia. Vergonha - o que esse monturo todo é - é justamente o que falta a essa canalha. E, privilegiados que são também quanto à instrução formal, não lhes faltam grandes argumentos para justificar suas pretensões iníquas. E uma enorme estrutura de apoio.
A célebre e sempre lembrada exortação de Ruy Barbosa — "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto" — não é coisa recente; já caminha para os cem anos.
Especulo que, se ele imaginasse que as coisas chegariam a ser como são hoje, teria descido aos mesmos pântanos morais de Santos Dumont.
Será esse o destino dos bons?
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