domingo, 22 de abril de 2007

507 anos

Mais de três lustros atrás, quando eu fazia o ensino médio (na época, segundo grau), havia a distinção entre áreas — CE, CB, CA e CH, esta última reservada àqueles que não sabiam Física, Química, Matemática ou não entendiam de nada, segundo piadinha em voga àquela altura. Eu costumava rebater, dizendo que era a área daqueles que tinham aptidão, em tese, para qualquer coisa, por isso mesmo que se afinavam com humanidades, em vez de se limitar a uma ou poucas searas do conhecimento.
Enfim, em uma de minhas aulas de História, um professor contou a seguinte anedota: na Idade Média, devido à ausência de banheiros (as casas eram projetadas sem espaços para as necessidades fisiológicas), em Portugal as pessoas defecavam em recipientes que eram posteriormente esgotados em uma lona, enfiada num enorme buraco. No dia em que a lona ficou cheia, foi fechada e atirada ao mar. Em 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral descobriu a lona.
Não me lembro se a anedota fez sucesso. Lembro-me apenas de não ter achado graça. E continuo não achando. Mas a verdade é que ela denuncia como o brasileiro se sente em relação ao seu país. Injuriado e injuriante, é como se o Brasil fosse um mal necessário. Cantam-se suas belezas naturais, seus recursos ambientais, seus issos e aquilos, mas é só acabar a cerveja ou amanhecer a quinta-feira pós-cinzas e quase todo mundo volta à rotina de malhar o país.
Com efeito, a boa gente brasileira só é boa quando quer, pois se permite, com enorme frequência, todo tipo de perversidade. Com fama de amistosa e solidária, sabe ser individualista aos extremos, no dia a dia. E alguém lhe disse que o brasileiro era malandro por natureza e todo mundo acreditou. Deu no que eu. Quem ainda não se deu bem às custas dos outros, está só esperando a oportunidade.
Segundo a certidão de nascimento oficial, que não espelha a verdade dos fatos, o Brasil completa hoje 507 anos e é filho de pais portugueses, apesar de ser índio. Ao longo do tempo, misturou-se com espanhóis, franceses, holandeses e, depois, com todo tipo de povo, etnia e cultura. Virou a salada geral, que todos conhecemos e somos os primeiros a criticar.
Espoliado pelo colonizador português, surrupiado pelos espanhois, franceses e holandeses, mais tarde pelos ingleses e por fim americanos, hoje o Brasil leva rasteira até dos bolivianos. É uma espécie de otário da comunidade internacional. Recebe de braços abertos quem vier, mas vê seus filhos humilhados nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Comunidade Europeia, no Caribe. E pouco ou nada faz a respeito. Compra caro os executivos e exporta mão de obra barata. Adquire bens das indústrias de ponta e se destaca, lá fora, pela indústria do tráfico de seres humanos.
Não pense que este é o desabafo amargo de um daqueles que defende que a saída para o Brasil é o aeroporto. Pelo contrário. Amo o meu país e me considero privilegiado por ter nascido aqui. Sei que, em outros lugares, pode-se ir mais longe, mas em outros...
Acredito num futuro melhor, apesar dos políticos. Para tanto, só precisamos da conscientização desse povo sofrido, que precisa aprender a dar o troco. Acredito que nossos filhos podem ser ensinados a respeitar as leis, odiar a corrupção e ser solidários ao semelhante. Já avançamos. Podemos ir além.
Feliz aniversário, Brasil. Verás que um filho teu não foge à luta é a mais bela promessa que te fizeram e que eu espero veja cumprida um dia.

3 comentários:

Anônimo disse...

Que belo texto, amigo. Seu diário está cada vez melhor. Sinto pelo seu aluno.
Bjs.

Anônimo disse...

Meus Parabéns! Como amigo do Wady sei que você o descreveu com rara precisão.

Ricardo Sefer

Yúdice Andrade disse...

"A gente fazemos o que podemos", Cris.
Ricardo, receba você também um abraço de reconforto.