O caso não é novo, e sim de 2003. Porém, tomei conhecimento dele esta semana e não podia deixar de publicá-lo, excelente que é. Saiba como 21 abóboras trouxeram à tona antigas animosidades entre o Judiciário e o Ministério Público.
Dois homens foram condenados pelo delito de furto qualificado, por terem pulado a cerca de uma pequena propriedade rural e afanado 21 abóboras. No entanto, recorreram da decisão e o tribunal decidiu inocentá-los. Veja o que decidiram os desembargadores gaúchos:
Fonte: http://www.espacovital.com.br/acordaoabobora.htm
Dois homens foram condenados pelo delito de furto qualificado, por terem pulado a cerca de uma pequena propriedade rural e afanado 21 abóboras. No entanto, recorreram da decisão e o tribunal decidiu inocentá-los. Veja o que decidiram os desembargadores gaúchos:
FURTO. VALOR IRRISÓRIO DOS BENS. INSIGNIFICÂNCIA DA AÇÃO DELITUOSA. ABSOLVIÇÃO. Impõe-se a absolvição do apelante (e também do não apelante), tendo em vista a insignificância da ação delituosa, não só através dos atos dos agentes – pular uma cerca para furtar abóboras – como o valor deste produto, quinze reais. Trata-se, assim, de crime de bagatela, diante da irrelevância social do fato, até porque a vítima recuperou suas frutas e não teve prejuízo. Apelo provido, para absolver o recorrente, estendendo a decisão ao não-apelante. Unânime.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam, os Desembargadores da Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso e absolver o apelante com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal. E, na forma do artigo 580 do mesmo diploma legal, estenderam a decisão ao não apelante L., também o absolvendo, conforme os votos que seguem. Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes desembargadores Roque Miguel Fank, presidente, e Marco Antônio Ribeiro de Oliveira.
Porto Alegre, 22 de outubro de 2003.
Sylvio Baptista - Relator
RELATÓRIO
Des. Sylvio Baptista (Relator):
1. M.O.L. foi denunciado nas sanções do art. 155, § 4º, IV, do Código Penal, (denúncia recebida em 15 de agosto de 2001), e, após o trâmite do procedimento, condenado por furto qualificado privilegiado às penas de um ano de reclusão, regime aberto, e multa. No dia 4 de fevereiro de 2001, na companhia do outro denunciado, furtaram vinte e uma abóboras da propriedade rural de Valter Rivarola, avaliadas em R$ 15,00.
Inconformada com a decisão, a Defesa apelou. Em suas razões, o Defensor pediu, em preliminar, a nulidade do processo, porque o réu foi interrogado sem a assistência de advogado. No mérito, a absolvição, tendo em vista a irrelevância do fato criminoso: a res furtiva foi avaliada em R$ 15,00 e restituída à vítima. Em contra-razões, a Promotora de Justiça se manifestou pela manutenção da sentença condenatória.
Nesta instância, em parecer escrito, o Procurador de Justiça opinou pela rejeição da preliminar e não provimento da apelação.
VOTOS
Des. Sylvio Baptista (Relator):
2. Deixo de examinar a preliminar de nulidade, porque vou dar provimento ao apelo. Trata-se de ação de irrelevantíssima repercussão que não merecia tanto trabalho e custo do Estado, praticados pelos seus órgãos. O apelante e seu comparsa furtaram algumas abóboras que foram avaliadas em quinze reais. E, para completar, foram detidos e o bem devolvido à vítima.
A situação em tela se enquadra bem nas decisões dos Tribunais pátrios que já declararam:
“...Revestindo-se a ação de ínfima gravidade, não lesionando nem ameaçando o bem jurídico de valor irrisório, de forma a justificar a necessidade de invocar proteção penal, cabível a aplicação do princípio da insignificância. Recurso improvido, pelo reconhecimento do crime de bagatela. (TJAP, Rel. Juiz Mello Castro...). Não deve o aparelho punitivo do Estado ocupar-se com lesões de pouca importância, insignificantes e sem adequação social. ... Aplicação da teoria da insignificância. Precedentes da 3ª e 4ª Turmas... (TRF 1ª R., Rel. Juiz Olindo Menezes...). A tendência generalizada da política criminal moderna é reduzir ao máximo a área de incidência do Direito Penal. O fato penalmente insignificante deve ser excluído da tipicidade penal e receber tratamento adequado (como ilícito civil, administrativo, fiscal, etc.). O Estado só deve intervir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico.” (TRF 1ª R., Rel. Juiz Mário César Ribeiro...).” (ementas extraídas do CD Juris Síntese, nº 28).
Ainda, como exemplos: “Furto. Pequeno valor da res, avaliada em pouco mais de dois por cento do salário mínimo. Irrelevância social do fato. Crime de Bagatela. Conduta atípica. Absolvição decretada. Apelo provido. Sentença reformada.” (Apelação 296030976, Rel. Des. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira). “Princípio da Insignificância - Furto pequeno valor da coisa furtada – Atipicidade do fato ante a ausência da lesividade ou danosidade social – A lei penal jamais deve ser invocada para atuar em casos menores, de pouca ou escassa gravidade. E o princípio da insignificância surge justamente para evitar situações desta espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crime sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.” (TASP, Rel. Márcio Bártoli).
Eu mesmo já tive oportunidade de examinar hipóteses semelhantes à destes autos, decidindo:
“Além dos argumentos do julgador de primeiro grau para absolver a apelada da prática de tentativa de furto, a sua absolvição também se impõe face à insignificância de sua ação delituosa. Trata-se de crime de bagatela, diante da irrelevância social daquele fato, até porque o estabelecimento vítima recuperou os objetos e seu prejuízo foi nenhum.” (Apelação 70005388939 etc.).
Finalmente, destaco lição de Luiz Luisi que escreve:
“Claus Roxin, recorrendo à máxima romana minima non curat proetor, e ajustando-a a moderna concepção técnico-jurídica do crime, formulou, na década de 60, o princípio da insignificância (Das Gerinfügigkeits Prinzip). Através desse princípio, sustenta textualmente o ilustre penalista alemão, 'permite-se na maioria dos tipos, excluir desde logo danos de pequena importância' (in Política Criminal e Sistema de Derecho Penal, Ed. Espanhola, 1972, p. 52). Este entendimento, ou seja, a insignificância da lesão ao bem jurídico tutelado como excludente da tipicidade, tem sido acolhido pela doutrina penal, e endossado em decisões dos tribunais de diversos países, inclusive entre nós. ... O princípio da insignificância embasa-se na ausência de uma lesão (dano ou perigo) relevante do bem jurídico protegido pela norma incriminadora. Ou melhor: em ser tão inexpressiva a lesão ao bem jurídico, de forma a não constituir uma efetiva ofensa. E por carência de tal ofensa ao bem jurídico tutelado, não se caracteriza a tipicidade. E inexistindo esta, não há crime. ... E permitimo-nos a ousadia, pois em um País onde se somam a muitos milhares de mandados de prisão não cumpridos, algumas centenas de delitos de bagatela e uma criminalização desvairada, não despiciendo é preconizar que na aplicação da lei penal se tenha presente a norma do art. 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de agosto de 1789, ou seja: as penas devem ser apenas as 'estrita e evidentemente necessárias'.” (O Princípio da Insignificância e o Pretório Excelso, IBCCrim, fevereiro de 1998).
3. Responder ao processo criminal, para o tipo de delito cometido, furto de abóboras, já serviu de castigo ao recorrente, não precisando outra pena. Com inteligência e propriedade, ensina Weber Martins Batista.
“O processo existe como garantia do acusado, para evitar que o mesmo seja condenado por crime que não cometeu, ou que seja punido por crime que cometeu, mais severamente do que merece. Ocorre que não é menor sua expressão como sofrimento imposto ao mesmo, seja ele culpado ou inocente. “Desgraçadamente - brada Carnelutti - o castigo não começa com a condenação, mas, muito antes, com o debate, a instrução, com os atos preliminares. Não se pode castigar sem julgar, nem julgar sem castigar”.” (Juizado Especial Criminal, e Suspensão Condicional de Processo Penal, ed. Forense, 1996, pág. 381).
4. Assim, nos termos supra, dou provimento ao recurso e absolvo o apelante com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal. E, na forma do artigo 580 do mesmo diploma legal, estendo a decisão ao não apelante L., também o absolvendo.
Sylvio Baptista, Relator
Des. Roque Miguel Fank (Revisor): Acompanho o Relator em seu voto.
Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira (Vogal): Também acompanho o Relator.
Julgadora de 1º grau: dra. Juliana Neves Capiotti
Fonte: http://www.espacovital.com.br/acordaoabobora.htm
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