quarta-feira, 14 de março de 2007

A passos largos para o caos

Muito se fala que Belém vive o caos em seus logradouros públicos, pela progressiva e rápida dominação de todos os espaços por camelôs. Quem pensa assim está enganado. Quando se veem imagens de certas cidades na África ou na Índia, constata-se que ainda temos muito a piorar. Porém, caminhamos a passos largos para um nível de real e total insustentabilidade.
Hoje, meu bom dia nascente foi perturbado pela seguinte notícia, no Repórter Diário:

Camelôs que ocupam áreas próximas ao Castanheira prometem fechar a BR-316, hoje, em protesto contra a construção de uma loja, cujas obras vão atrapalhar o movimento deles.

Já temos que suportar todo tipo de protesto com bloqueio de ruas, inclusive na BR-316, o que significa um engarrafamento gigantesco nos dois sentidos. Já temos que suportar os discursos de só-queremos-trabalhar-e-sustentar-nossas-famílias e se-eu-não-for-camelô-vou-virar-ladrão. Já vemos a absoluta afronta aos poderes públicos, quando anunciam qualquer medida para disciplinar o espaço urbano. Mas esta de hoje foi demais. Agora, até a iniciativa privada só pode exercer uma atividade econômica lícita se for autorizada pelos camelôs? Se eu quiser abrir um empreendimento que possa incomodá-los, serei impedido?
Então é melhor que os empresários em geral comecem a se adequar. Inclusive os da construção civil, porque levantar um prédio pode exigir a liberação de alguma calçada e, nesse caso, os camelôs podem entender que a obra não deve ser feita, já que eles ocupam a dita calçada. Mais um pouco e nem o cidadão comum poderá reformar a sua própria casa, se precisar liberar uma calçada.
Já imagino a nova redação do art. 5º, inciso II, da Constituição Federal:

Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei ou da vontade dos camelôs.
O amigo Fred tinha razão. Eu não devia ter voltado das férias.

4 comentários:

Antonio Carlos Monteiro disse...

São os camelôs na calçada e pontos de táxi em toda esquina. Ta difícil de estacionar hoje em dia, pois em toda esquina existe um ponto de táxi. E ai de quem estacione lá. Não consigo entender o motivo de tantas concessoes. Pra esta ocasião, diria quem além do Inciso II, incluiriamos o Artigo 9 com uma nomenclatura modificada "Art. 9º É assegurado o direito de "protesto", competindo aos trabalhadores formais e informais decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender".
No entanto, graças à trincheira digital, alguns já políticos estão na linha de tiro. Dudu que o diga!

Anônimo disse...

É o velho problema da ocupação da cidade, Yúdice: passa pelo trânsito, pelas calçadas, pelas praças, por todo e qualquer espaço público. Não há discussão sobre o uso deste espaço, que pertence a nós, cidadãos. Qualquer administrador de plantão se arvora no direito de decidir (ou não decidir, ou não fazer) o que quer, a este respeito, sem ouvir os usuários dos espaços. Por isso, a população se arvora também no direito de fazer o que bem entende, para sua satisfação, sem se importar com o uso do mesmo espaço por outros cidadãos.
Agrada-me estacionar meu carro em um posto de gasolina e ouvir a música que só eu gosto no último volume? Então eu faço e dane-se o resto!
Meu carro não cabe na garagem? Avanço minha casa por sobre o passeio público!
Preciso vender minha muamba para dar de comer aos meus filhos? Instalo minha barraca na calçada, no ponto de ônibus e jogo o usuário do transporte urbano para o meio da rua!
É assim que funciona a lógica da grande cidade: predatória, egoísta, anti-democrática e anti-cidadã. Acredito que não basta cobrar das autoridades (se bem que em Belém, nem isso temos). Precisamos fazer uma campanha para tentar pôr fim nestas práticas, ou ao menos envergonhar quem as perpetua.
A respeito dos camelôs, você, bem a propósito, apresentou dois "posts" seguidos sobre temas correlatos: desemprego e camelôs. A permissividade da Administração Pública com o aumento do número de camelôs representa verdadeira política de compensação ao desemprego urbano. Pra você ver como estamos lascados.

Yúdice Andrade disse...

Antônio Carlos, talvez precisemos nos reunir para redigir a nova Constituição, num mundo dominado pelos camelôs e taxistas. Quem sabe eles nos paguem com meio metro quadrado de espaço público para caminharmos (estacionar já é demais!).
Fancisco, você disse tudo: egoísmo. O discurso do brasileiro como um povo bom e do paraense como boa praça e hospitaleiro nos impede de enxergar a verdade: somos terrivelmente egoístas. Um lasca o outro e nos lascamos todos no fim.

Frederico Guerreiro disse...

"Já temos que suportar os discursos de só-queremos-trabalhar-e-sustentar-nossas-famílias e se-eu-não-for-camelô-vou-virar-ladrão". É isso mesmo! É ameaça.
Mas há duas previsões para o futuro desta infeliz cidade. Uma ruim e a outra boa.
A ruim é que, com a atual política urbana, a tendência é piorar e muito.
A boa é que faremos turismo na África, sem sair de casa.
E quem não quiser, favor arrumar um jeito de ficar por Floripa se for por lá.