quarta-feira, 28 de março de 2007

Sobre a decisão do TSE

Direito Eleitoral não é minha especialidade. Isso fica para os colegas mais afortunados que ganham muito dindim com causas eleitorais. Todavia, baseando-me numa interpretação da Constituição e em alguns fatos que me parecem óbvios, posso afirmar que a decisão do TSE está correta pelos seguintes argumentos, dentre outros:

1. A fidelidade partidária é o único meio de dar racionalidade a um sistema político representativo. Afinal, afronta a lógica mais elementar que uma função pública possa ser privatizada, que o indivíduo eleito aja como se fosse dono de um mandato que, por definição, é popular. Isso contraria a própria ideia de "representação". Um diplomata também é um representante — de seu país. Todas as prerrogativas da função diplomática, dentre elas a imunidade penal, pertencem ao cargo e estão sob a ingerência do país a que o diplomata serve. Ele cumpre regras, não as dita.

2. O único motivo pelo qual essa discussão é tão polêmica é que a Constituição não contém norma dizendo que o parlamentar perderá o mandato, se deixar o partido por qualquer motivo. Aqui, incorre-se numa das mais irritantes "interpretações" jurídicas: aquela que nega um princípio simplesmente porque não há lei expressa. Uma certa concessão à preguiça mental. No Direito, pouca coisa me enfurece tanto quanto alguém cruzar os braços diante de um problema grave sob a alegação de que não há lei regulamentadora, embora uma solução possa ser extraída do sistema.

3. A prova de que o mandato pertence ao partido se extrai dos diversos dispositivos legais citados no voto, que deixam isso bem claro. Se isso não basta, lembre-se que a filiação partidária é pré-requisito para qualquer candidatura; que o candidato, ao menos em tese, se elege favorecido pelos recursos que a sua agremiação recebe junto ao Fundo Partidário ou, seja lá qual for a fonte, por uma captação financeira que o partido conseguiu; que o candidato se promove no horário eleitoral concedido pela Justiça Eleitoral não a ele, por ser candidato, mas ao partido, a fim de que este resolva como distribuir tal tempo entre seus candidatos.

Como não existe norma clara sobre fidelidade partidária no Brasil, os Ministros do TSE usaram um jogo de palavras, dizendo que a decisão não se pautava nisto, mas numa "fidelidade ao eleitor". Chamem do que quiserem, essa deliberação — que ainda não é definitiva e dará fábricas e fábricas de pano para manga — é a única chance de este país de ter futuro, livrando-se dos mercadores de mandato, dos prostitutos que vendem a mãe e os filhos por regalias pessoais.
Os partidos, no Brasil, não possuem uma verdadeira ideologia. Porém, ainda que grosseiramente, espelham algum tipo de convicção segmentada. Por isso, quem se filia ao partido deve defender o ideário do grupo e cumprir as suas determinações. Ou então cair fora, sem nada.
Peço a Deus que o Supremo Tribunal Federal sustente o mesmo entendimento.

3 comentários:

Anônimo disse...

Caro Yudice, penso que fidelidade partidária é um assunto que não deveria nem ser discutido. Porque deveria ser um atributo natural de nossos políticos. Mas, como estamos no Brasil, sou obrigado a voltar à realidade. Se um político não consegue ser fiel a seu partido, vai ser fiel ao povo? O que a gente vê, em todos os parlamentos do Brasil, é o troca-troca indiscriminado.Tem parlamentar, Yúdice, que já passou por cinco partidos. Isto é um absurdo. A imprensa mostra que o emblemático PR, via Palácio do Planalto, vem se anabolizando cada vez mais com novas adesões. Seria um mensalão II ?
O que, também faz uma democracia forte, são partidos políticos consistentes. O Brasil precisa de partidos políticos de verdade, com programas bem definidos, seja de esquerda, centro, direita, mas definidos, e não legendas de aluguel.
A decisão do TSE merece aplausos. O mandato eletivo, que na verdade, pertence ao povo, é apenas eu diria "emprestado" a um partido, que é personificado na figura do político. O mandato é um instrumento de representação de idéias, no caso o partido, que recebeu a votação do povo.
Agora, é preciso também, modificar sériamente a estrutura interna dos partidos. O que temos são verdadeiras capitanias hereditárias.

Anônimo disse...

Oláa primo!!!

Foi de grande valia a visita a seu blog, pois era uma decisão que ainda não tinha conhecimento!!!

Fico feliz ao ver que ainda existe um certo grau de lucidez nas decisões.
Assim como você, também me irrita o fato de existir magistrados que atuem tal qual um rábula ou um simples técinico do Direito, sem analisar questões sociais, políticas, econômicas... enfim, tudo que envolve a Ciência do Direito.
Quanto a fidelidade partidária, vejo com bons olhos, face a ausência de identidade ideológica sólida por parte dos "representantes".E também vejo este "troca-troca" fruto da consciência política do brasileiro em não votar numa ideologia (ainda que quase nula) partidária, preferindo satisfazer vontades privadas, elegendo o presidente de um partido com ideologia completamente contrária aos senadores, deputados...; causando assim entraves na criaçãod e leis, por choque de interesses. E esta falta de consciência se deve (não somente mas) inclusive pela ignorância que a grande maioria tem sobre a criação de projetos.

Eu gosto muito, primo, da forma crítica que te posicionas face as questões do cotidiano e confesso não ler muito acerca de assuntos ligados ao Estado do Pará, mas também procurarei criar uma cultura de leitura, afinal foi onde nasci.

Um Grande abraço!!!

Yúdice Andrade disse...

Primo, já conheces os tipos de temas que apresento aqui. Fica à vontade para comentar fatos daí de Floripa. Terei prazer em utilizá-los. Assim, poderemos fazer um bom contraponto entre as minhas duas cidades. Um abraço.