Em 2004, Belo Horizonte assistiu à montagem de minha ópera favorita, Turandot, obra monumental e inacabada de Giacomo Puccini, que fora montada poucos anos antes no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro. Já se apresentaram no Brasil grandes nomes da música pop, como Michael Jackson, Madonna e U2. O papa (o anterior, que também era pop), veio três vezes e andou por estas bandas em 1980, mas não passou nem perto nas incursões de 1991 e 1997. São Paulo — que leva a maior fatia de qualquer manifestação cultural — acabou de usufruir das exposições sobre a obra de Leonardo da Vinci e sobre o corpo humano, que eu daria um dia da vida para visitar.
A vida cultural de Belém é pobre. Dizer isso não é faltar ao respeito com a infinidade de artistas talentosos e sérios que se esfalfam por um espaço, mas não vão além da performance em barzinho, da gravação de um CD que não terá maior divulgação, da peça que não viaja nem para Ananindeua e tem poucas apresentações, do livro de tímida tiragem que será lido pelos parentes e uns poucos amigos. Não falo de talento ou capacidade: falo de oportunidades e de compromisso. E excluo de minha abordagem, naturalmente, as manifestações culturalescas de caráter popularíssimo, que rendem fortunas aos envolvidos exatamente porque não têm valor artístico e apenas exploram o lado selvagem da vida.
Belém está separada dos grandes centros culturais por imensidões geográficas. Isso naturalmente pesa. Basta pensar que os custos de produção de um espetáculo qualquer aumentam consideravelmente, para que ele ganhe vida a milhares de quilômetros de seu local de origem. Calculam-se as despesas com deslocamento de pessoas (passagens aéreas), de cargas (caríssimos fretes rodoviários), despesas com seguro (já que as estradas são perigosas, tanto por acidentes quanto por assaltos) e tantas outras e, lá no fim, a relação custo-benefício se revela inviabilizadora. Daí nos resta pegar um avião para ver o espetáculo que nos interessa ou acompanhar pela televisão, mesmo.
As duas únicas tentativas de inserir Belém num contexto nacional de produções culturais ocorreram no campo musical, através do Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão e dos festivais de ópera, que o governo do Estado manteve até 2006 e que não se sabe, por enquanto, que rumos tomarão; e no campo do cinema, por meio da iniciativa diletante de Dira Paes com o Festival de Belém do Cinema Brasileiro, com duas modestas edições nessa roupagem.
Não tratarei aqui dos méritos e dos pecados da iniciativa governamental (entre aqueles, permitir eventos valiosos a preços acessíveis e, entre estes, ser elitista e privilegiar somente os membros da panelinha), nem tentarei avaliar os resultados obtidos pela querida atriz abaetetubense, em reconhecimento ao fato de que nada entendo de música, de cinema nem da organização de eventos.
Meu interesse é destacar que a distância que realmente mata Belém não é geográfica. Estamos a anos-luz de políticas culturais e dos empresários que movimentam o setor. Não existem, em nossa cidade, verdadeiros empreendedores culturais. O que existem são grupos econômicos polivalentes que, dentre outras atividades econômicas, promovem aqui e ali eventos de apelo popular, que lhes renderão lucros pela grande vendagem de ingressos. Porém, dá-se o evento, o promotor recolhe o vil metal e a cidade mergulha novamente no marasmo de sempre. Além do fato de que as famigeradas micaretas e o show da banda teen RBD nada acrescentam ao caráter de quem quer que seja, a maior constatação é que a cultura ou a arte, nesses casos, quando existem, não são o fim perseguido pelos promotores; são apenas uma forma a mais de ganhar dinheiro, em meio às outras atividades que fizeram suas fortunas, tais como comércio supermercadista, imprensa, construção civil e/ou envolvimentos de todo tipo com o poder público.
Faltam em Belém empreendedores que pensem na cultura pela cultura, com consciência de sua relevância para o ser humano; que invistam em grandes eventos com o propósito de médio a longo prazo de inserir a cidade, definitivamente, nos calendários do gênero. Empreendedores que se esforcem, p. ex., para trazer uma grande exposição para cá contando que, se ela for um sucesso de público, talvez adiante seus curadores queiram voltar e outros tenham interesse em vir também, não apenas a convite, mas tendo a iniciativa de oferecer o seu produto, por reconhecer que vale a pena pôr, em seus currículos, “expus em Belém do Pará, aquela aprazível cidade amazônica cujo povo dá grande valor à arte”.
Muitos dirão que de nada adianta fazer investimentos se o belenense gosta mesmo é de festa de aparelhagem e da periquita, periquita, periquita. Discordo. Belém tem um público cativo para a arte, especialmente para a música. Não há uma só apresentação erudita em que a casa não fique cheia, mesmo que não lote. E é interessante ver gente de todas as idades assistindo. Quando vou a exposições, p. ex., vejo pelos livros de assinaturas que houve público. Estive nas exposições das fotografias de Pierre Verger (no Palácio Antônio Lemos) e de reconstituição dos campos de concentração nazista (no Palácio Lauro Sodré), uma seguida da outra na mesma manhã de domingo há mais de dois anos, e ambas estavam movimentadas. É como o anúncio profético de uma voz ao fazendeiro Ray Kinsella (Kevin Costner), no filme Campo dos sonhos (de Phil Alden Robinson, 1989), para que ele construísse um campo de beisebol em seu milharal: “se você construir, ele virá”.
Se alguém construir espetáculos em Belém, o público virá, com certeza. Precisamos encher nossos teatros, levar a música aos coretos das praças, projetar filmes ao ar livre, como fazem várias cidades, inclusive umas bem pequenas. Ou transformar uma celebração de Natal numa festa para os olhos dos habitantes e dos turistas. Sempre que iniciativas assim acontecem, a imprensa nacional está lá para registrar e louvar. Já era tempo de nos inserirmos nesse contexto.
Já era tempo de possuirmos uma agenda de eventos — populares, eruditos, étnicos — de todas as manifestações culturais, pensados como obras para ficar não apenas em memórias felizes, mas principalmente para formarem um sistema que se retroalimenta e que cada vez mais produz mais, aparece mais e cresce mais.
A vida cultural de Belém é pobre. Dizer isso não é faltar ao respeito com a infinidade de artistas talentosos e sérios que se esfalfam por um espaço, mas não vão além da performance em barzinho, da gravação de um CD que não terá maior divulgação, da peça que não viaja nem para Ananindeua e tem poucas apresentações, do livro de tímida tiragem que será lido pelos parentes e uns poucos amigos. Não falo de talento ou capacidade: falo de oportunidades e de compromisso. E excluo de minha abordagem, naturalmente, as manifestações culturalescas de caráter popularíssimo, que rendem fortunas aos envolvidos exatamente porque não têm valor artístico e apenas exploram o lado selvagem da vida.
Belém está separada dos grandes centros culturais por imensidões geográficas. Isso naturalmente pesa. Basta pensar que os custos de produção de um espetáculo qualquer aumentam consideravelmente, para que ele ganhe vida a milhares de quilômetros de seu local de origem. Calculam-se as despesas com deslocamento de pessoas (passagens aéreas), de cargas (caríssimos fretes rodoviários), despesas com seguro (já que as estradas são perigosas, tanto por acidentes quanto por assaltos) e tantas outras e, lá no fim, a relação custo-benefício se revela inviabilizadora. Daí nos resta pegar um avião para ver o espetáculo que nos interessa ou acompanhar pela televisão, mesmo.
As duas únicas tentativas de inserir Belém num contexto nacional de produções culturais ocorreram no campo musical, através do Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão e dos festivais de ópera, que o governo do Estado manteve até 2006 e que não se sabe, por enquanto, que rumos tomarão; e no campo do cinema, por meio da iniciativa diletante de Dira Paes com o Festival de Belém do Cinema Brasileiro, com duas modestas edições nessa roupagem.
Não tratarei aqui dos méritos e dos pecados da iniciativa governamental (entre aqueles, permitir eventos valiosos a preços acessíveis e, entre estes, ser elitista e privilegiar somente os membros da panelinha), nem tentarei avaliar os resultados obtidos pela querida atriz abaetetubense, em reconhecimento ao fato de que nada entendo de música, de cinema nem da organização de eventos.
Meu interesse é destacar que a distância que realmente mata Belém não é geográfica. Estamos a anos-luz de políticas culturais e dos empresários que movimentam o setor. Não existem, em nossa cidade, verdadeiros empreendedores culturais. O que existem são grupos econômicos polivalentes que, dentre outras atividades econômicas, promovem aqui e ali eventos de apelo popular, que lhes renderão lucros pela grande vendagem de ingressos. Porém, dá-se o evento, o promotor recolhe o vil metal e a cidade mergulha novamente no marasmo de sempre. Além do fato de que as famigeradas micaretas e o show da banda teen RBD nada acrescentam ao caráter de quem quer que seja, a maior constatação é que a cultura ou a arte, nesses casos, quando existem, não são o fim perseguido pelos promotores; são apenas uma forma a mais de ganhar dinheiro, em meio às outras atividades que fizeram suas fortunas, tais como comércio supermercadista, imprensa, construção civil e/ou envolvimentos de todo tipo com o poder público.
Faltam em Belém empreendedores que pensem na cultura pela cultura, com consciência de sua relevância para o ser humano; que invistam em grandes eventos com o propósito de médio a longo prazo de inserir a cidade, definitivamente, nos calendários do gênero. Empreendedores que se esforcem, p. ex., para trazer uma grande exposição para cá contando que, se ela for um sucesso de público, talvez adiante seus curadores queiram voltar e outros tenham interesse em vir também, não apenas a convite, mas tendo a iniciativa de oferecer o seu produto, por reconhecer que vale a pena pôr, em seus currículos, “expus em Belém do Pará, aquela aprazível cidade amazônica cujo povo dá grande valor à arte”.
Muitos dirão que de nada adianta fazer investimentos se o belenense gosta mesmo é de festa de aparelhagem e da periquita, periquita, periquita. Discordo. Belém tem um público cativo para a arte, especialmente para a música. Não há uma só apresentação erudita em que a casa não fique cheia, mesmo que não lote. E é interessante ver gente de todas as idades assistindo. Quando vou a exposições, p. ex., vejo pelos livros de assinaturas que houve público. Estive nas exposições das fotografias de Pierre Verger (no Palácio Antônio Lemos) e de reconstituição dos campos de concentração nazista (no Palácio Lauro Sodré), uma seguida da outra na mesma manhã de domingo há mais de dois anos, e ambas estavam movimentadas. É como o anúncio profético de uma voz ao fazendeiro Ray Kinsella (Kevin Costner), no filme Campo dos sonhos (de Phil Alden Robinson, 1989), para que ele construísse um campo de beisebol em seu milharal: “se você construir, ele virá”.
Se alguém construir espetáculos em Belém, o público virá, com certeza. Precisamos encher nossos teatros, levar a música aos coretos das praças, projetar filmes ao ar livre, como fazem várias cidades, inclusive umas bem pequenas. Ou transformar uma celebração de Natal numa festa para os olhos dos habitantes e dos turistas. Sempre que iniciativas assim acontecem, a imprensa nacional está lá para registrar e louvar. Já era tempo de nos inserirmos nesse contexto.
Já era tempo de possuirmos uma agenda de eventos — populares, eruditos, étnicos — de todas as manifestações culturais, pensados como obras para ficar não apenas em memórias felizes, mas principalmente para formarem um sistema que se retroalimenta e que cada vez mais produz mais, aparece mais e cresce mais.
Um comentário:
E eis que pesquisando sobre o Festival de Ópera no Theatro da Paz, me deparo com essa postagem. Há muito tempo que não parava para pensar em programas culturais. E, sem dúvida, há esses programas. Poucos, é verdade. Temos que ficar "caçando" alguma coisa diferente para se fazer. O grande problema aqui em Belém é a pouca divulgação desses eventos. Quase ninguém sabe quando ocorrem e nem se ocorrem...
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