Não me lembro desde quando a conheço, nem em que situação. Só sei que foi na Universidade Federal do Pará. Tenho a impressão que foi na condição de minha orientanda no Mestrado em Direito.
Lembro que, de quando em vez, faltava a compromissos acadêmicos por que seu marido tinha enfermidade renal, necessitava de cuidados especiais, inclusive se submetia a sessões de hemodiálise. Ela tinha sua vida dividida entre o marido enfermo, seus filhos crianças, suas árduas tarefas acadêmicas e, ainda, seu trabalho.
Contudo, a perseverança e a força de vontade levaram-na a concluir a pesquisa e chegar ao momento áureo: a defesa da dissertação de Mestrado.
Na Ufpa, abre-se concurso para professor de Direito Ambiental – sua área de atuação. Ela se inscreve e passa. Já professora, nossa colega, é aprovada em curso de Doutorado na Universidade de Santiago, no Chile, juntamente com o marido, pois ele também é professor e pesquisador, na área de Letras. Viajaram, cursaram as disciplinas do pós e retornaram a Belém para o quotidiano de suas vidas, com o ônus de concluírem a pesquisa para defesa da tese de doutorado no Chile.
Já de volta à sala de aula, a professora teve que se ausentar algumas vezes, devido à gravidade da doença do esposo exigir que o acompanhasse a um centro médico melhor que Belém – o de São Paulo. Entre as idas-e-vindas, ela comentava, a nós professores, a probabilidade de seu marido ter que fazer transplante de rim, caso a doença agravasse ainda mais. Neste ínterim, a professora é eleita coordenadora do nosso Curso de Direito, demonstrando franca ascensão na carreira universitária.
É clarividente que essa angústia doméstica que ela vivia afetava o andar da pesquisa de sua tese. Numa das viagens para São Paulo, os médicos deram a sentença definitiva – tinha de haver o transplante renal para sobrevivência do marido.
Passou-se a averiguar entre os parentes quem seria compatível. Eis que a única pessoa de vínculo próximo compatível pra doar o rim era ela mesma, a esposa que, a rigor da lei, nem parente é, mas havia a necessária compatibilidade.
Sem titubear, concordou à primeira hora. Chega o dia da viagem para a salvação do pobre marido enfermo. A cirurgia foi feita com sucesso, graças a Deus. Ao retornar para a docência jurídica e para sua pesquisa, ela se vê na possibilidade de perder todo o curso de doutorado do Chile, por que pode ser que os cuidados que o transplante inspira não a deixem regressar àquela universidade chilena pra defesa da tese.
Nesse drama todo, o que salta aos olhos e merece ser enaltecido é o exemplo de solidariedade da professora Socorro Flores. É mais do que isto : é a exemplar doação de parte de seu corpo ao marido Cláudio. Aliás, doar o rim é mera conseqüência da doação de seu coração e de seu amor ao marido.
Quando vemos a realidade lá fora em que cônjuges são egoístas entre si; que há casos de disputa entre marido e mulher, em que cada qual só enxerga seu próprio projeto de vida, essa atitude de doação faz a gente ainda acreditar na humanidade.
Por isso, homenageio o universo feminino em torno do exemplar ato humanitário da Professora Socorro Flores.
Publico esta homenagem porque Socorro e Cláudio são meus amigos e sua história me emociona muito, já que conheço de longa data seus personagens. A eles e seus filhos, Tamara, Rafael e Maurício, abraços apertados. As bênçãos de Deus? Já foram concedidas, quando vocês se tornaram uma família. Que tais bênção sejam renovadas diariamente.
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