segunda-feira, 12 de março de 2007

Sobre antecedentes criminais

Márcio Almeida, que me brinda com frequentes visitas ao blog e que trabalha numa secretaria judiciária, estranha a conclusão da postagem imediatamente anterior e me pergunta o seguinte:


Yúdice, quer dizer, então, que antecedentes criminais, somente tem a ver com condenação criminal transitada em julgado? Se um réu estiver respondendo a vários processos penais, ainda em tramitação, ele é considerado de ficha limpa? Aqui, nós fornecemos duas certidões: uma de antecedentes (que mostra que o réu responde a processos em tramitação) e outra de primariedade (para saber se o mesmo foi condenado com sentença transitada em julgado). Esse procedimento é correto? Ou deveríamos fornecer apenas uma certidão de "primariedade"?

Respondo. O pensamento dominante (embora não pacífico) no Supremo Tribunal Federal, hoje, é expresso no acórdão abaixo transcrito:
"O princípio constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, LVII, da Carta Política não permite que se formule, contra o réu, juízo negativo de maus antecedentes, fundado na mera instauração de inquéritos policiais em andamento, ou na existência de processos penais em curso, ou, até mesmo, na ocorrência de condenações criminais ainda sujeitas a recurso, revelando-se arbitrária a exacerbação da pena, quando apoiada em situações processuais indefinidas, pois somente títulos penais condenatórios, revestidos da autoridade da coisa julgada, podem legitimar tratamento jurídico desfavorável ao sentenciado. Doutrina. Precedentes." (STF, 2ª Turma - HC 79966/SP - rel. Min. Marco Aurélio - rel. p/ acórdão: Min. Celso de Mello - j. 13.6.2000 - DJ 29.8.2003 PP-00034 EMENT VOL-02121-15 PP-03023)

Como disse, não se trata de pensamento unânime. Para dar um exemplo, Maurício Corrêa, em 2002, aceitava inquéritos e outros procedimentos criminais em andamento. Todavia, a tese prevalecente fica clara quando se veem os julgados mais recentes:

"Ausente o trânsito em julgado em processos-crime não podem ser considerados como antecedentes criminais." (STF, 1ª Turma - HC 89330/SP - rel. Min. Ricardo Lewandowski - j. 29.8.2006 - DJ 22.9.2006 PP-00039 EMENT VOL-02248-03 PP-00498)

A doutrina hoje está sedimentada em torno desse pensamento, que é o único condizente com os princípios reitores do direito penal, especialmente com o princípio constitucional do estado de inocência. Fico até surpreso com a surpresa em torno da afirmação. Se lermos algum autor pós 1988 que ainda defenda o conceito amplo de antecedentes criminais, honestamente, melhor esquecê-lo na estante e procurar coisa melhor, porque se o camarada não adaptou esse ponto ao modelo garantista adotado pela Carta Magna, deve menos ainda se ter adaptado à teoria do crime. Melhor não arriscar.

A praxe judiciária continua a mesma de décadas atrás, com os processos sendo instruídos com as duas certidões mencionadas. Antes de 1988, elas surtiriam efeito. Agora, contudo, a expedição de certidões sobre o currículo criminal do indivíduo, no que tange a procedimentos pendentes, pode ser útil, no máximo, na etapa policial, que não serve para produzir prova. Elas poderiam orientar investigações e, em casos extremos, algo como uma "folha corrida" quilométrica, basear medidas cautelares, como a prisão preventiva. Jamais, porém, influenciar na formação do juízo de culpabilidade ou na dosimetria da pena.

A rigor, bastaria uma só certidão: a de condenações transitadas em julgado. Com base nelas, o juiz saberia se o réu praticou o delito depois de ser definitivamente condenado, caso em que seria reincidente ou, se antes, já foi condenado alguma vez, caso em que permaneceria primário porém teria maus antecedentes.

Ao dizer isso, sei que serei trucidado por 99,9% dos membros da magistratura e do Ministério Público (neste Estado, pelo menos). Afinal, seja por apego a concepções de força, seja por concessões até inconscientes às pressões da imprensa e do público, seja por falta de reciclagem e pouco gosto pelos estudos (sim, isso também existe), dirão que eu estou errado.

Tudo bem. Há gente da melhor qualidade do meu lado. No STF, inclusive.

4 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, obrigado. Foi esclarecedor.

Anônimo disse...

Boa noite;

O senhor poderi me dizer se uma pessoa condenada por injúria (portanto, JECRIM)consta com antecedentes criminais?
Aproveito, ainda, para tirar outra dúvida: qual a peça inicial nesse caso? O TCO ou a petição de queixa-crime?
Muito obrigada, espero ansiosa sua resposta.
At. Raquel Oliveira

Yúdice Andrade disse...

Prezada Raquel:
Sim, uma condenação imposta por Juizado Especial Criminal enseja antecedente criminal. A infração é de menor potencial ofensivo, mas é crime e gera o mesmo efeito. Ocorre que, caso essa informação seja necessária no futuro, o juiz da nova causa deverá ponderar com cuidado o delito pelo qual o réu foi condenado anteriormente. Como exemplo concreto, ofereço-lhe o caso das penas restritivas de direitos. O Código Penal diz que o reincidente em crime doloso, em princípio, não pode ser substituído com a substituição, mas abre uma exceção, caso essa medida seja considerada "socialmente recomendável". Se a condenação anterior houver sido imposta por um delito banal como injúria, por que não aplicar a substituição. Consulte o art. 44 do Código Penal, notadamente o seu § 3º.
Para iniciar uma ação penal por crime de injúria, faz-se necessário constituir advogado para apresentar queixa-crime. O TCO é apenas um procedimento policial, que não irá adiante em se tratando de crime subordinado a ação penal privada.
Um abraço.
Aliás, esta é uma postagem antiga. Como você chegou a ela?

Anônimo disse...

Boa noite,eu fui preso pelo artigo 155,fiquei preso dois dias e paguei para responder em liberdade.Meu processo ainda nao chegou e quero trabalhar,se eu tirar meu atestado de bons atecedentes ira constar algo?Ou corro o risco de ir preso?