O Comando da Polícia Militar deste Estado instaurou sindicância para apurar irregularidades no Batalhão de Polícia Ambiental. Um dos investigados alegou que o comandante da unidade e alguns apadrinhados abasteciam seus automóveis particulares com o combustível destinado às lanchas, carros e roçadeiras do quartel. Surgiu assim uma acusação de peculato. Ao final da sindicância, 54 castrenses haviam sido ouvidos. Apenas um fazia a tal acusação. Os demais ou não sabiam absolutamente nada a respeito, ou negavam a ocorrência. Os mapas de consumo de combustível nada indicavam de anormal. A autoridade sindicante concluiu pela inexistência de provas do fato.
Os autos da sindicância então chegaram às mãos do Promotor de Justiça Militar, que resolveu denunciar vários militares por crimes diversos. Um dos denunciados foi um tenente de carreira elogiada, que na época se encontrava licenciado, para fazer um curso em tempo integral na UFPA. Ou seja, nem ia regularmente ao BPA. A única acusação que pairava contra ele eram as palavras do sargento investigado que, segundo consta, estava inconformado com o comandante do quartel por ter sido transferido contra a sua vontade.
O denunciado teve impetrado em seu favor um habeas corpus para trancamento da ação penal, em cujos autos o Ministério Público defendeu que fora correto denunciá-lo já que havia "indícios mínimos de materialidade e autoria do crime". Na sessão de julgamento, o órgão ministerial fez questão de sustentar suas razões oralmente, dizendo que o colega tivera que denunciar, sob pena de incorrer em delito de prevaricação.
Lamentável, detestável mesmo que no ano de 2007 o Ministério Público continue menosprezando tanto a liberdade e a honra dos cidadãos. Reedita-se, assim, o antiquíssimo mito de que o papel do órgão é acusar, o que autoriza acusar por acusar, fazendo interpretações forçadas e tecnicistas da lei, sem qualquer preocupação com as consequências do ato sobre a vida das pessoas. É o dominus litis, o senhor da lide, que faz e acontece.
Felizmente, à unanimidade de votos, as Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça excluíram o acusado da ação penal, por constatar que não havia elementos mínimos a justificar o constrangimento de ser processado. Destaque para as duas desembargadoras oriundas do Ministério Público, que bateram firme no colega.
Embora a titularidade da ação penal pública seja a primeira atribuição do Ministério Público citada pelo art. 129 da Constituição de 1988, sabemos hoje que ele é, antes de tudo, defensor dos interesses da sociedade e, para isso, deve exigir o cumprimento das leis, não apenas pelos cidadãos, mas pelas próprias instituições públicas. As exigências para a propositura da ação penal também constam da lei; logo, compete ao MP assegurar que uma pessoa somente seja processada quando haja elementos honestos a justificar a acusação que sofre. Afinal, o processo penal é instrumento de garantia dos direitos do cidadão.
A atuação do MP nesse caso foi integralmente centrada na ideia de que uma simples acusação, sabe-se lá com qual motivação, autoriza o processo penal. O que mais me revolta nisso é que o mesmo raciocínio não se aplica a todos indistintamente. Frequentemente, são feitas acusações contra juízes, promotores de justiça, políticos e ricos empresários. Às vezes, elas vêm acompanhadas de farta documentação. Mas os acusados não são denunciados ou, se o são, os processos não andam. Se andam, ninguém é condenado. Se há condenação, ela não é cumprida. E assim vamos até que ninguém mais tenha fé nas instituições brasileiras. São acusados privilegiados, de costas larguíssimas, acima do bem e do mal, que ganham beijos da juíza diretora do fórum quando chegam para depor. Protestam, protegem a si mesmos e processam o acusador por calúnia, tornando-se vítimas. O acusador se torna o criminoso.
A regra de que basta uma alegação verbal, infirmada por todos os demais fatos, para processar um indivíduo só se aplica aos indivíduos de ombros estreitos, que chegam às prisões muitas vezes sem ter quem fale por eles. Prova-se, assim, que justiça e lei, no Brasil, são artigos interpretados, valorados e aplicados conforme a cara do freguês.
O personagem desta história tinha condições financeiras e advogados na família, que zelaram por sua situação. E o brasileirinho comum, que não dispõe disso?
Nenhum comentário:
Postar um comentário