quinta-feira, 27 de março de 2014

Os dois pesos e as duas medidas, novamente

Há muito que se consolidou uma regra segundo a qual uma pessoa não pode ser processada por crime tributário se o valor sonegado for inferior ao que a Fazenda Pública considera o mínimo para ajuizamento de execução fiscal. A ideia é que se o titular do crédito não se motiva a persegui-lo em juízo, não existe justa causa para a ação penal. Trata-se de uma aplicação do controverso princípio da insignificância, de tão incipiente aplicação no Brasil, porque aqui ninguém gosta de passar a mão na cabeça de ladrão vagabundo, malandro, safado.

Assim, embora o brasileiro médio considere perfeitamente natural e desejável mandar para a cadeia um fulano que furte (delito cometido sem violência contra pessoa, faço questão de ressaltar) a vítima, dela subtraindo, digamos, 50 reais, o próprio poder público se exime de cobrar valores devidos, porém sonegados, em montante bem superior. Não por generosidade, decerto, mas porque os ônus decorrentes do ajuizamento da execução fiscal, nesses casos, não seriam compensados pelo proveito obtido, se obtido. E como me explicou, certa vez, uma ex-aluna que é auditora da Receita Federal, esta regra existe porque o prejuízo provocado pelos (chamemos assim) pequenos sonegadores é superado com folga pelos grandes sonegadores. Assim, o que a Receita quer é acertar os grandes. Reavendo esses ativos, os débitos menores nem fariam falta.

A questão que chega a surpreender é o valor adotado como parâmetro pela Fazenda Pública. Até recentemente, a Lei n. 10.522, de 2002, estabelecia um teto de 10 mil reais. Achou muito? Pois saiba que as Portarias 75/2012 e 130/2012, do Ministério da Fazenda, subiram para 20 mil reais o valor mínimo para ajuizamento de execuções fiscais.

Seguem-se as consequências penais: o Supremo Tribunal Federal já concedeu ordens de habeas corpus sob o argumento de insignificância da conduta, nestes moldes, a mais recente em favor de acusado de descaminho (trouxe muamba do exterior, sem pagar os impostos devidos), em valor abaixo desse montante.

Enfim, não sou contra esta regra. Sou contra a desproporção: a rejeição a parâmetros de razoabilidade para reagir à criminalidade menor, porque nestes casos vigora um discurso moralizador abusivo que, para piorar, nem sempre corresponde ao senso ético que os críticos empregam em suas vidas pessoais.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-mar-27/declaracao-insignificancia-vale-debitos-fiscais-20-mil

Um comentário:

Anônimo disse...

Pobre deve R$ 20 mil ao fisco? Deve R$ 5 mil de tributos? NAO, não deve!!!! No máximo, deve um ou dois anos de IPTU para a municipalidade. Portanto, a intenção é beneficiar os mais privilegiados, os mais ricos. A Procuradoria da Fazenda Nacional tem um quadro razoável de procuradores. Por que abrir mão de R$ 20 mil reais?
Se ao menos usassem seu tempo e a inteligência para ir ao encalço dos grandes devedores da Receita, do INSS, do Tesouro, poderia até entender. Entretanto, quedam-se inertes.
Sabe qual o percentual de pagamento das multas aplicadas pelo TCU aos gestores dos dinheiros públicos penalizados? Apenas 1%. Sim, só unzinho.
Kenneth