"Quando um cientista pode considerar um paradigma como certo, não tem mais necessidade, nos seus trabalhos mais importantes, de tentar construir seu campo de estudos começando pelos primeiros princípios e justificando o uso de cada conceito introduzido. Isso pode ser deixado para os autores de manuais. Mas, dado o manual, o cientista criador pode começar sua pesquisa onde o manual a interrompe e desse modo concentrar-se exclusivamente nos aspectos mais sutis e esotéricos dos fenômenos naturais que preocupam o grupo. Na medida em que fizer isso, seus relatórios de pesquisa começarão a mudar, seguindo tipos de evolução que têm sido muito pouco estudados, mas cujos resultados modernos são óbvios para todos e opressivos para muitos. Suas pesquisas já não serão (...) [dirigidas] a todos os possíveis interessados no objeto de estudo do campo examinado. Em vez disso, aparecerão sob a forma de artigos breves, dirigidos apenas aos colegas de profissão, homens que certamente conhecem o paradigma partilhado e que demonstram ser os únicos capazes de ler os escritos a eles endereçados."
KHUN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 12ª edição, São Paulo: Perspectiva, 2013 (Debates, 115).
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Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) |
À medida que avanço na leitura de
A estrutura das revoluções científicas, torna-se claro por que se trata de um dos livros mais importantes já escritos, na área do conhecimento científico. A obra confirma, usando argumentos seguros, que o conhecimento se desenvolve mais graças às dúvidas do que às certezas.
As certezas têm mais a ver com o que chama de
ciência normal, aquela que depende de consensos acerca de conhecimentos já produzidos (de onde surge o conceito de "paradigma", tão deturpado). Mas são as investigações sobre o que é desconhecido ou incerto que transforma ou elimina as certezas, elevando a ciência a um novo patamar.
No excerto acima, Kuhn distingue os conceitos objeto de consensos, os quais constam da literatura mais geral, dos compêndios e tratados, e orientam pesquisas cada vez mais específicas, cuja compreensão plena se restringe aos iniciados, na medida em que são apresentadas em artigos que pressupõem a familiaridade com aqueles consensos.
Eis aí mais uma razão para que, hoje, artigos especializados sejam referência teóricas mais valorizadas do que os livros.
Lembremos que Kuhn, ele mesmo um físico, construiu sua obra pensando nas ciências naturais, mas a todo momento ele se questiona sobre as relações com as ciências sociais. Até aqui, suas afirmações mais gerais me parecem passíveis de relacionar tanto às ciências naturais quanto sociais. E, sem dúvida, isso abre as nossas mentes. Vale a pena experimentar.
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