Decisões evitando impor condenações por crime de violação de direitos autorais, em situação conhecida como "pirataria", não são inéditas. Mas o desembargador Roberto Mortari, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mostrou que seu horizonte não é o do bairro de Higienópolis. Veja a fundamentação de recurso por ele julgado e acompanhado pelo colegiado, à unanimidade, por meio do qual reformou uma sentença condenatória por esse delito:
O caso é de absolvição.
Após o exame dos autos, concluí que os fatos descritos na exordial, embora típicos, foram praticados em verdadeiro estado de necessidade.
Verifique-se, a propósito, que o acusado é pessoa simples e que retira o sustento próprio e da família do arriscado comércio clandestino que exerce, auferindo parcos rendimentos mensais.
E certamente, não por ser essa a sua vontade, mas por ter sido a única forma que encontrou, em nossa sociedade capitalista e preconceituosa, para trabalhar, prover suas necessidades elementares, e sustentar sua casa.
De mais a mais, as autoridades competentes deveriam combater e prender, para fazer processar e condenar, os verdadeiros mantenedores da “pirataria”, cujos nomes e endereços, com pequeno empenho investigatório, certamente descobririam.
Enquanto tal não ocorre, não é justo que se queira responsabilizar e punir o pobre vendedor ambulante que, sem outra opção de trabalho, expõe à venda, em sua banca improvisada, alguns produtos “pirateados”, sabidamente, com margem de lucro irrisória, suficiente apenas para a subsistência.
De tudo, forçoso recordar antigo quadro do humorista Jô Soares, em que, em situações assemelhadas, que ofendem a equidade, perguntava: “Só eu, e os outros?”.
Bom lembrar, também, que rigor excessivo na aplicação da lei acaba transmutando-se em injustiça. Daí a vetusta máxima SUMMUM JUS, SUMMA INJURIA (Cícero).
Destarte, afigurando-se iníqua, a meu ver, a solução condenatória adotada, entendo melhor, mais prudente, que seja proclamada a absolvição do réu.
Asim, por tais fundamentos, dá-se provimento ao apelo, a fim de absolver Robson Ferreira Mota da acusação de ter violado o artigo 184, § 2º, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal.
Simples assim, sem maiores embromações. Ainda há juízes em São Paulo.
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