A Justiça de São Paulo declarou o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra responsável pela tortura de Maria Amélia de Almeida Teles, seu marido César Augusto Teles e sua irmã Criméia Schmidt de Almeida. Ustra é ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), o centro de repressão da ditadura militar. A decisão, desta quinta-feira (9/10), é do juiz da 23ª Vara Cível de São Paulo.
A ação tem caráter exclusivamente declaratório, ou seja, pede apenas o reconhecimento pela Justiça de que Ustra é responsável pelas torturas. O juiz Gustavo Santini baseou sua sentença na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas excluiu os filhos do casal Teles, Janaína e Edson, do processo, que eram crianças à época e também foram detidos. As informações são do Estadão.
Em 23 de setembro, o Tribunal de Justiça de São Paulo extinguiu o processo que lá tramitava contra Ustra. Por dois votos a um, a 1ª Câmara de Direito Privado aceitou o recurso da defesa contra ação que buscava responsabilizar o oficial por torturas e pela morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino, em 19 de julho de 1971.
A ação havia sido movida pela família de Luiz Eduardo Merlino, que integrava o Partido Operário Comunista e tinha 23 anos quando foi preso. A professora aposentada Angela Mendes de Almeida, que era companheira do jornalista, e a irmã dele, Regina Merlino Dias de Almeida, são as autoras do processo. Elas não pedem indenização em dinheiro. Ustra ainda é réu em outra ação na Justiça Federal, que apura seu suposto envolvimento em seqüestros e espancamento de militantes de organizações clandestinas.
O advogado e professor da PUC-SP, Pedro Estevam Serrano, disse à revista Consultor Jurídico, que a decisão é correta. De acordo com a sua interpretação, tortura não é crime político. Por isso, Ustra não está entre os beneficiários da Lei de Anistia (Lei 6.683/79).
O parágrafo 2º, do artigo 1º, da lei exclui do rol de beneficiários da anistia “os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”. É com base neste dispositivo que o advogado afirma que o crime de tortura não é abrangido pela Lei de Anistia.
Ruy Barbosa já dizia que justiça que tarda não é justiça. Neste caso, a sentença do grande jurista assume um relevo ainda maior, já que os inomináveis crimes perpetrados durante a ditadura prescreveram. Os bárbaros odiosos que os cometeram conquistaram, por diversos motivos, o direito a uma oficial e sagrada impunidade e, hoje, posam como homens de bem, cumpridores de seus deveres como cidadãos e outras falácias do gênero. Gostam de dizer que esses assuntos são uma página virada, que deveria ser esquecida, simplesmente. E o que é ainda mais revoltante: tem uma legião de apoiadores, entre os cidadãos comuns. Gente que, obviamente, não tem a menor ideia do que está falando.
O coronel Brilhante Ustra não será punido, como seus pares também não serão. Contudo, é imperioso, não apenas para as famílias, mas para a História, que a verdade venha à tona. Parabéns ao Judiciário.
No sítio do Consultor Jurídico, de onde transcrevi o trecho acima, é possível ler a decisão.
4 comentários:
Eu acho correto considerar a tortura como excessão da lei de anistia. Concordo que os militares que relizaram tal ato sejam repudiados. Mas eu me pergunto, não querendo defender os militares ou tomar partidos por eles, porque os revolucinários daquela época, que praticaram sequestros, assaltos e assassinatos, não são em nenhum momento repudiados, e pelo contrário, são sempre citados pela mídia e por parcela da sociedade, como heróis e vítimas. Será que a justiça está sendo feito, utilizando dois pesos e duas medidas, será que ela está sendo imparcial? Este é o meu questionamento.
O seu questionamento é recorrente, meu caro. A execração aos torturadores sempre se faz acompanhar, se não de alguma defesa aos militares, ao menos de uma cobrança em relação aos outros "criminosos". Sobre isso - e não tendo nenhum autoridade para falar sobre o assunto -, penso que:
1. É o caso de questionar se os perseguidos e presos políticos eram mesmo criminosos. Que os militares eram, não há dúvida. Tanto é verdade que insistem em negar, contra todos os fatos, que tenha havido tortura. Porque sabem que não poderiam justificá-la. Logo, demonstram reconhecer a gravidade dos seus atos. Como sabemos que houve tortura, houve os crimes.
2. Já no outro lado pende a controvérsia sobre se os atos dos subversivos, apesar de constituírem crimes, no sentido formal, deveriam ser assim reconhecidos moralmente falando. Porque o motivo alegado era o resgate do país. Não entrarei nesse mérito, porque o tema é explosivo e não creio que ninguém consiga convencer o lado oposto.
3. Pessoalmente, penso que muitos crimes foram cometidos por quem afrontou a ditadura, merecendo reprimenda. E que muitos outros deveriam ser sumariamente anistiados, porque derrubar o regime de exceção era da mais absoluta necessidade. Seja como for, o Estado de Direito foi ignorado. Ninguém podia ser torturado e foi. Isso merece repúdio absoluto.
4. No mais, afrontar a ordem constituída de uma nação não me causa indignação. A tortura, sim, venha de onde vier.
5. Lembre, ainda, que nem todo "subversivo" praticou seqüestros, assaltos e assassinatos. Apontar apenas os fatos mais graves é um recurso retórico para negativar a imagem do retratado. Muitos foram criminalizados apenas por suas opiniões e simpatias filosóficas. Ou por suas amizades pessoais. Muitos foram torturados porque estavam no lugar errado na hora errada, mas eram inocentes.
De bom grado, podemos levar adiante esta conversa, mas deixo estas reflexões para um começo de assunto.
Yudice, o comentário em tela me fez lembrar do Batismo de Sangue do Frei Betto, livro que deu origem ao belíssimo filme ganhador de vários prêmios de crítica.
Não há como mudar o passado, mas jamais podemos pensar em enterrá-lo como o Governo Alemão tentou fazer com o holocauto. Ratificar para sociedade as mazelas produzidas em nome de uma sociedade recheada de hipocrisia é o mínimo que o judiciário poderia fazer.
Oswaldo Chaves
Administrador e Analista Judiciário
Tens toda razão, Oswaldo. Daí espero que essa sentença não seja reformada em grau de recurso e que surjam outras, do mesmo teor. É o único modo de reparar, um pouco, as feridas jamais saradas daqueles tempos odiosos. Um abraço.
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