quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Santa criminalização secundária, Batman!

Criminalização secundária é um conceito da Criminologia, mormente na linha da chamada Criminologia Crítica, segundo o qual o Direito Penal estabelece normas para alcançar destinatários pré-determinados, selecionados por características consideradas inconvenientes não à sociedade como um todo, mas aos titulares do poder decisório. Em sistemas onde prevalece o caráter repressivo, verificam-se os fenômenos de estereotipização e estigmatização, por meio dos quais se presume que dada pessoa é perigosa e potencialmente criminosa, tão somente porque apresenta as tais características tidas por inconvenientes.
Esclarecido isto, comento a notícia abaixo:

Homem fantasiado de Batman é preso nos EUA por uso de máscara
da Efe, em Miami

Um homem que costumava ir a boates fantasiado como o personagem Batman foi detido por usar máscara em público, o que é proibido no Estado da Flórida graças a uma lei dos anos 50 que visava combater os integrantes da Ku Klux Klan. (1)
Walsh Ian Nichols, 21, ia a bares e boates de Tampa, no litoral oeste da Flórida, vestindo a fantasia e posava para fotos com as asas dobradas ao lado de mulheres, informou o jornal "St. Petersburg Times" nesta quarta-feira, em sua edição digital.
Policiais de Tampa afirmaram que, em várias ocasiões, alertaram Nichols de que não devia usar a máscara. Nichols foi liberado depois de pagar fiança de US$ 500.
Andrea Davis, porta-voz da polícia do Estado, disse que a lei que proíbe o uso de máscaras em público não é aplicada com freqüência. (2) Mas "você tem que se perguntar por que alguém escolhe esconder seu rosto", acrescentou. (3)
Nichols, técnico de biomedicina, começou a usar o disfarce de Batman há dois anos e chegou a ter uma Batgirl, relatou o jornal local. Depois, arranjou um trabalho de noite como promotor de um clube noturno e usava a roupa nesse emprego. Questionado sobre os motivos para se vestir de Batman, disse que preferia mantê-los em segredo.
(4)
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u456631.shtml

(1) Não está claro se usar máscara é crime ou se, apenas, é proibido, ensejando uma penalidade sem maiores consequências penais. Contudo, caracterizado está um Estado policial, que cerceia a liberdade individual mesmo em relação a comportamentos aparentemente banais, o que causa espanto no cidadão comum. Pelo menos, neste caso, há uma explicação plausível (ainda que não seja uma justificativa): coibir a ação da Ku Klux Klan, a odiosa organização racista americana, que já teve muito poder (e ainda existe) e causou enormes danos à história daquele país. Esta é outra característica dos Estados policiais: o discurso de necessidade (os fins justificam os meios).

(2) Temos que nos perguntar por que a lei "não é aplicada com frequência". Descaso das autoridades? Falta de suporte social para uma medida tão estranha? Mudança de mentalidade? A falta de critério — ou o uso de critérios implícitos e iníquos — na definição de quem sofre e de quem escapa dos efeitos da lei é outra característica de um Estado policial, onde todos são iguais perante a lei, mas uns são mais iguais que os outros.

(3) A suspeição! Eu desconfio de você, por isso penalizo, antes que você tenha tempo de fazer algum mal concreto. Viu? Os meios foram justificados.

(4) Provavelmente, o cara se veste de Batman apenas para faturar uma graninha em sua atividade profissional. Nada demais. Contudo, resolveu fazer segredo. Num país como os Estados Unidos. Creio que não pode queixar-se de ser suspeito, preso e enquadrado. Enfim, o segredinho talvez custe uma ficha criminal.

PS — Será um fetiche?

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