A 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acabou de proferir decisão, em julgamento de habeas corpus, concluindo que não existe justa causa para a deflagração de uma ação penal quando o único elemento contra o acusado é a palavra da suposta vítima.
Dada a extrema gravidade de uma ação penal, até mesmo o seu começo tem que ser legitimado pela existência de um conjunto indiciário mínimo, seguro, do contrário estaríamos submetendo o cidadão ao constrangimento de se tornar réu — sabe-se lá com quantas implicações disso — para que, somente depois disso, averigue-se a plausibilidade da imputação. Apesar de ser uma situação aberrante, essa é a rotina dos fóruns criminais por todo o país. Se alguém acusa, polícia, Ministério Público e Judiciário normalmente acreditam que a acusação tem lá o seu fundo de verdade. O acusado é que dê o seu jeito de provar a própria inocência (outra rematada sandice).
Há alguns anos, vi uma audiência em um Juizado Especial Criminal, aqui em Belém, onde a juíza coagiu o réu, um moleque de no máximo 20 anos, a aceitar um acordo para indenizar a "vítima". Seu crime: dano. Ele teria quebrado algumas telhas da casa do queixoso, ao subir no telhado para pegar um papagaio (vocábulo paraense oficial para o brinquedo que também se conhece por "pipa"), mesmo já tendo sido advertido pelo prejudicado. Incrível como a juíza lhe apontava o dedo, dando-lhe uma verdadeira lição de moral por ter feito o que fizera (ela obviamente tomou a acusação como uma verdade indiscutível e nem deixou o garoto falar). A briguinha de vizinhos virou ocorrência criminal e, obviamente, entrou na produtividade da magistrada como "feitos conciliados".
Vale a pena ler a decisão do Judiciário carioca, ponderando entretanto que a imputação era de apropriação indébita. Quero ver decisão semelhante em delitos sexuais, cuja natureza levou os tribunais pátrios a sedimentar a ideia de que tais crimes, por sua natureza clandestina, admitem a palavra da vítima como meio de prova para a condenação, ainda que sem outros elementos ratificadores. Esse é um grande nó porque, de fato, não são crimes cometidos às vistas de ninguém. Como então provar? Mas como fazê-lo confiando apenas na afirmação de alguém que pode ter incontáveis motivos ocultos para acusar?
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