sábado, 18 de outubro de 2008

Polícia sob julgamento

Em diversas reportagens, a polícia paulista tem procurado evidenciar os acertos da condução que deu ao caso do sequestro de quatro dias, em Santo André. Não fala em erros, mas em um "teatro difícil". Se o caso teve um desfecho trágico, isso é porque todo sequestro desse tipo pode acabar assim. Não se tomou nenhuma outra medida porque isso implicaria em riscos às reféns, caso o sequestrador percebesse a intenção dos policiais. A jovem Nayara entrou no apartamento de novo por iniciativa própria, contrariando a recomendação de se manter a certa distância. Etc.
Será impossível convencer a sociedade brasileira dessa versão mitigada da atuação policial. Eu também pensei em dar sonífero para o sequestrador, mas me convenci da explicação dada pelo especialista, de que o Lindemberg poderia perceber a manobra e romper com a negociação. De fato, por ter compleição física mais avantajada, é provável que o sonífero demorasse mais a fazer efeito nele do que nas meninas. Quando ele as visse sonolentas, provavelmente entenderia. Concordo que foi melhor não usar tal tática. Por outro lado, jamais concordarei que era razoável expor Nayara novamente. Não se expõe uma vida, ainda mais de uma menina de 15 anos, quiçá se aproveitando da aflição dela diante da sorte da grande amiga. Será que nenhum policial pensou que a menina poderia acabar entrando no apartamento? Deixá-la retornar ao local foi uma insanidade, permito-me dizer.
Toda tragédia traz à baila algum tipo de absurdo. Com essa não foi diferente. Veja só: Lindemberg foi preso e chegou ileso à cela em que agora se encontra isolado, por medida de proteção. O imenso estardalhaço da imprensa com o caso (que não chega à abordagem alucinante do caso Isabella Nardoni, mas é maciço) é mais uma garantia de proteção para ele, pois nenhum policial se exporá ao risco de ser visto como justiceiro. Ou seja, o criminoso tem a garantia, legal e factual, de sua integridade física. As vítimas, contudo, não tiveram e não têm nenhuma — sobretudo Eloá, já declarada em estado de coma irreversível.
Não é à toa que a sociedade clama por vingança e sangue. Não posso concordar com isso jamais, em nome da razão e da minha própria humanidade. Mas sou forçado a entender o ódio disseminado entre os brasileiros. Ele é a consequência previsível da loucura kafkiana que esse drama todo representa.

5 comentários:

Anônimo disse...

A mídia brasileira precisava desviar a atenção de outros assuntos. Um exemplo é a tal crise econômica mundial, que parece ter desaparecido, afinal não vimos mais nada na imprensa. Ora, e o crime que será cometido, com a medida do governo, de "socializar a dívida", ou seja, nós pagamos para que os bancos continuem 'vivos'. Sem problemas, que tal socializarmos os lucros dos bancos?

Estive, netes últimos dias, tentando não me envolver no caso da menina, o que confesso ser difícil, e ver a atitude da imprensa perante o caso. O portal da Globo conseguiu, em menos de 1 dia, exibir quase 15 matérias sobre o caso e ainda fez um "esquema" em flash para demonstrar como foi a negociação. Sem contar o papel que teve a imprensa durante o desenrolar do caso, afinal será que ninguém pensou que o rapaz poderia estar assistindo a televisão?

Abraços primo.

Anônimo disse...

Olá Primo,

Fiquei sabendo que o "Fantástico" fez uma entrevista com um brasileiro que tem ligação com a SWAT (não tenho maiores informações).

Mas então, acho isto no mínimo ridículo, como se a polícia de lá fosse infalível. Basta lembrarmos do caso de 200 no qual um policial matou, acidentalmente, um menino de 11 anos de idade.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u8364.shtml

Abraços

Rober disse...

Caro Yúdice,
Tenho a honra de dizer que não vi um único segundo de cobertura televisiva de BBB macabro.
Espanta-me o espírito carniceiro do jornalismo. As emissoras conseguiram um BBB gratuito, apenas faturando a publicidade.
Elas agem como verdadeiros traficantes de medo. Alimentam o pavor da população para depois vender mais medo a pessoas viciadas em insegurança.

Rober disse...

O pior, é que é muito melhor deixar do jeito que está do que tentar impor uma solução mágica censurando a imprensa.
Será que teríamos meio de combater isso através da educação?
Quem sabe alguma disciplina do tipo "Manipulação de Massas, Técnicas e Defesa"..
Mas é terrível ver casos como o de Maringá no natal de 2009. Embora seja a cidade grande mais segura do país, comparável a Amsterdã, pois teve que ter um corva duma jornalista desesperada por projeção para fazer uma matéria na tv local sobre como as pessoas devem se defender de assaltos..
Se existe uma cidade para se viver em paz, é Maringá. Mas sossego não dá lucro á ninguem.. Será que daria pra processar a abutra por atentar contra o sossego público? =)
Abraços.

Yúdice Andrade disse...

A exploração do medo coletivo pela imprensa, Rober, é um tema recorrente aqui no blog. E procuro abordá-lo em minhas aulas, para prevenir os meus alunos. Para orientá-los. Não chega a ser o curso que você propôs, até porque não tenho preparo suficiente para tanto, mas ao menos é uma advertência.
Abraços.