sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Acadêmicos, tremei!

Pelo amor de Deus, queridos acadêmicos que lerem esta postagem: jamais cometam um desatino como este que mostro abaixo.

Trecho de uma peça de contrarrazões a uma apelação criminal, subscrita por uma promotora de justiça (o réu foi condenado por roubo):
"Em se tratando de crime contra o patrimônio, a apreensão da res furtiva em poder de pessoa sobre quem recaem suspeitas de autoria, invertendo o ônus da prova, impõe-lhe justificativa inequívoca, sem a qual a presunção se transmuda em certeza, autorizando o decreto condenatório."

A nobre promotora não devia estar muito bem no dia em que escreveu isso. Os absurdos desse pequeno trecho são tantos e tão evidentes que não me alongarei. Ressalto apenas alguns aspectos que me parecem óbvios, para advertência dos acadêmicos de Direito, a fim de que não se formem e pratiquem esse tipo de atrocidade jurídica:

1. Não existe inversão do ônus da prova no processo penal. É sempre dever do autor da ação penal (Ministério Público ou ofendido, conforme o caso) comprovar a imputação. Sem dúvida, há alegações pontuais que, uma vez feitas, trazem para o réu o dever de comprová-las. Se alegar um álibi, p. ex., deverá comprová-lo. Caso não o faça, não se pode concluir que seja culpado só por isso. Considerando que haja uma imputação e algum elemento probatório a confirmá-la, o réu poderá ser condenado, mas porque esse seria um caso em que o acusador conseguiu provar a tese acusatória.

2. Em nenhuma situação o réu ganha o dever de apresentar "justificativa inequívoca". O réu nunca tem o dever de provar a sua inocência. Quem diz isso é o Supremo Tribunal Federal.

3. O Direito Penal não admite presunções de culpa. E uma "presunção que se transmuda em certeza"... Sem comentários.

4. Note que a tese não é geral, tendo sido cunhada para crimes contra o patrimônio. Prova-se, assim, como a defesa do patrimônio costuma ser eficiente em nosso sistema de justiça criminal. Para isso, inova-se, tritura-se o Direito Penal e o próprio bom senso, em nome de argumentos de força.

Povos, tremei. Meninos, jamais repitam isso.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá primo,

Riquíssimas, como tem sido costumeiro, as visitas ao seu blog.

Confesso que reli umas 10 vezes para entender as contra-razões da promotora. Fiquei imaginando se o que aprendi na faculdade estava errado.

Entretanto suas colocações pontuais cessaram minha desconfiança.

No entanto a presunção de inocência é relativizada quando vem a baila o princípio do "in dubio pro sicietate". Um exemplo disto é o art.312 do CPP que acoberta a prisão cautelar caso haja indícios fortes de autoria.

Gostaria de sua opinião...

Abraços

Yúdice Andrade disse...

Meu caro acadêmico de Direito, saiba que o "in dubio pro societate" há tempos vem sendo questionado, sob o argumento de que é um absurdo o cidadão ter que suportar a incapacidade do Estado de provar-lhe minimamente a culpa. Ou seja, ele sofre o constrangimento da ação penal, às vezes por anos, e só depois, na sentença, é que lhe tiram a corda do pescoço? Um acinte, com certeza.
Hoje, há decisões rejeitando esse malsinado princípio. Sem dúvida, porém, que nossas briosas autoridades se insurgem contra isso. E as nossas leis não estão organizadas sob essa premissa, particularmente as processuais.
Abraço, primo.