segunda-feira, 7 de maio de 2007

Quebra de patente

Na semana que passou, o Presidente Lula tomou uma medida polêmica: determinou o licenciamento compulsório de um medicamento antirretroviral chamado Efavirenz, produzido pela Merck Sharp & Dohme. O motivo alegado foi o preço excessivo cobrado pela empresa ao governo brasileiro (US$ 1,59), muito superior ao exigido de outros países (p. ex. a Tailândia, que paga apenas 65 centavos de dólar), levando-se em conta, ainda, que o Brasil é um grande consumidor. A medida pode representar uma economia de até 60 milhões de reais aos cofres brasileiros, até o final deste ano. Isso para os desgraçados que só sabem falar economês. Para mim, significativo mesmo é dar acesso a um medicamento essencial aos portadores de HIV, em sua maioria pobres o bastante para não poder adquiri-lo diretamente.
Fiquei com a impressão de que a imprensa nacional deu pouquíssimo destaque ao acontecimento, frente a sua magnitude. Deve ser porque a cobertura dos resultados dos campeonatos estaduais de futebol não permitiu que se concedesse mais tempo a essas bobagens de saúde...
O fato é que a decisão é altamente auspiciosa para os brasileiros, especialmente os que se beneficiarão da medida e seus familiares. No entanto, o país pode sofrer enormes retaliações e isso também é mais importante que qualquer futebol. Afinal, a indústria farmacêutica é uma das mais poderosas do mundo. E criminosas também, colocando a saúde da humanidade como item secundário de sua contabilidade. Não posso deixar de mencionar o livro de John Le Carré, O jardineiro fiel, que virou o maravilhoso filme de Fernando Meirelles. Trata-se de uma história de ficção, mas que mostra com dura veracidade do que essa gente é capaz.
Juridicamente, a questão é bastante complicada, até porque a área do Direito Industrial é explorada por uma pequena parcela de juristas. Começa pela própria nomenclatura: licenciamento compulsório é diferente de "quebra de patente", pois a licença não permite a produção para revenda ou o uso comercial do produto. A produção licenciada terá como destinatário o Ministério da Justiça. Seja como for, isso implica em autorizar a produção, no caso, do medicamento por empresa que não a titular do direito de propriedade sobre essa tecnologia. Ela deixa de lucrar milhões ou bilhões, ao passo que alguém que não teve o mérito de desenvolver tal tecnologia lucrará com as vendas. Motivo mais do que suficiente para uma guerra.
Desde 1994 o Brasil é signatário do Acordo sobre Aspectos de Direito de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, conhecido pela sigla TRIPS (em inglês, Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights), cujo art. 31 prevê a possibilidade de licenciamento, de acordo com a legislação nacional. Aplica-se, então, a Lei n. 9.279, de 1996, cujo art. 68 dispõe que "O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial". São esses os fundamentos adotados pelo governo brasileiro, que chegou a negociar com a Merck, rejeitando entretanto a proposta feita por ela.
As primeiras reações da indústria farmacêutica foram raivosas e ameaçadoras. Falou-se em empresas desistindo de investir no Brasil para tecnologias de ponta, falou-se em punições diretas, à semelhança de embargos. Coisa muito grave, sem dúvida, principalmente para um país que, tradicionalmente, em relação ao mercado ou à comunidade internacional pede a bênção e vai dormir.
Aguardemos os desdobramentos dessa controvérsia. Só espero que, ao final, os portadores de HIV/AIDS possam ser realmente beneficiados.

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