Ontem comecei a trabalhar, com uma de minhas turmas, sobre os crimes sexuais. Enquanto estudava para preparar a aula, meditava sobre a evolução que a legislação brasileira sobre a matéria teve, nos últimos anos. Apresento algumas informações de caráter objetivo, sem me preocupar com a valoração das normas. Isso pode ficar para outra oportunidade.
1. O Código Penal vigente, que é de 1940, em sua redação original, considerava o estupro um crime mais grave do que o atentado violento ao pudor, o que se podia perceber através das penas cominadas: três a oito anos de reclusão, para o primeiro; dois a sete anos, para o segundo. Foi a Lei de Crimes Hediondos (Lei n. 8.072, de 1990) que aumentou e unificou as sanções, fixando-as em seis a dez anos de reclusão. Isso implica em que, formalmente, os dois delitos são equivalentes quanto à gravidade.
2. O estupro se caracteriza por ser um constrangimento violento para submeter mulher a conjunção carnal (intromissio penis in vaginam). Já o atentado violento ao pudor também é um constrangimento violento, mas para submeter qualquer pessoa a "ato libidinoso diverso da conjunção carnal", ou seja, todo e qualquer ato de conotação sexual. Isso gera um problema sério, pois ações inegavelmente grotescas — como submeter a vítima à cópula anal ou oral — têm a mesma pena prevista para ações claramente mais leves, como toques ou beijos lascivos. Isso viola o princípio da proporcionalidade entre o fato e sua consequência jurídico-penal, ensejando problemas de inconstitucionalidade da norma. Imagine mandar alguém para a cadeia por no mínimo seis anos, na condição de criminoso hediondo, porque ele meteu a mão sob as saias de uma mulher!
3. O ideal seria que o Brasil modificasse os tipos penais hoje existentes, à semelhança do que já fazem alguns países, como a França. Poderíamos definir como estupro os assaltos sexuais invasivos — cópulas vaginal, oral e anal —, definindo para estes uma pena maior (a atual, por exemplo), e como atentado violento ao pudor as agressões destinadas a perpetrar os demais atos libidinosos. A pena seria menor e o delito não seria hediondo, assegurando-se uma reprimenda adequada ao tipo e intensidade da violência cometida.
4. Vale lembrar que o que define o ato como libidinoso é o sentimento de moralidade de uma sociedade e não deste ou daquele indivíduo. Urinar em público, expondo os genitais, constitui o delito do art. 233 do Código Penal (ato obsceno), mesmo que o mal educado não veja nenhum mal nisso. É o sentimento geral da sociedade que repudia esse tipo de comportamento. Assim, esses crimes estão caracterizados quando o agente pratica o ato objetivamente considerado libidinoso, mesmo que sem qualquer intenção de obter satisfação sexual. Não deixa de ser estupro a conjunção carnal forçada que o sujeito pratica por vingança, que por exemplo lhe causasse até repugnância, em vez de prazer.
5. A Lei de Crimes Hediondos criou uma hipótese de aumento de pena, para quando a vítima estivesse em uma das hipóteses de violência presumida do art. 224 do Código Penal. Ocorre que o Estatuto da Criança e do Adolescente previu majorante idêntica, gerando bis in idem: se o delito fosse perpetrado contra menor de 14 anos, haveria dupla majoração. Após anos de discussões acaloradas, a Lei n. 9.281, de 1996, acabou com o problema, revogando o parágrafo único dos arts. 213 e 214.
Pela extensão do assunto e pelo tempo apertado agora, dividirei esta postagem em duas partes. Assim que puder, retomarei.
Acréscimo em 16.9.2011
A descrição aqui feita dizia respeito ao tratamento da matéria antes da Lei n. 12.015, de 2009. Atualmente, todo ato sexual forçado gera o tipo de estupro, não existindo mais, como tipo autônomo, a figura do atentado violento ao pudor nem a regra sobre violência presumida, que restou substituída pelo novo crime de estupro de vulnerável.
Penso que esta postagem é interessante na perspectiva de estudar a evolução normativa sobre a matéria.
2 comentários:
Venho aqui agradecer sua vizita em meu humilde blog, que em suas infitas e insignificantes postagens, relembram coisas do passado que nem sempre foram vividas por mim...mas que relembram coisas boas da vida que se passaram com pessoas que passaram por nossa vida e que ficaram marcadas em seus momentos mais belos.
Escrevi mais coisas, não sei se ficaram boas...gostaria que vc visse...abraços...
Voltarei lá, com certeza, amigo Júlio. Abraços.
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