terça-feira, 8 de maio de 2007

Vai confiar na imprensa, vai... (2ª gafe)

E já que estamos falando disso, o Bom Dia Brasil, matinal da Rede Globo, aprontou de novo. Esta manhã, nossa incansável e charmosíssima Renata Vasconcellos fechou uma reportagem sobre a juíza carioca Sônia Machado — mais nova integrante do Poder Judiciário acusada de envolvimento com a máfia do jogo investigada na festejada "Operação Hurricane" —, dizendo que se ficar comprovado que a magistrada recebia propina dos bicheiros para beneficiá-la, a perda do cargo dependeria de uma condenação criminal definitiva. Sem esta, a penalidade máxima a ser aplicada seria a aposentadoria, daí que proferiu a pérola: aposentadoria com o contracheque integral intacto. Não é bem assim.
De fato, a Constituição dispõe que a perda do cargo de magistrado vitalício dependerá de sentença judicial transitada em julgado (art. 95, I), o que já prova que o juiz pode ser punido com a dita perda do cargo, mas com severas limitações.
A Lei Complementar n. 35, de 1979 — Lei Orgânica da Magistratura Nacional prevê, em seu art. 42, que penas disciplinares podem ser impostas aos magistrados. A maior delas é a de demissão, caso em que o faltoso seria excluído dos quadros do Judiciário e, como qualquer desempregado, não teria mais renda. A segunda mais grave é a aposentadoria compulsória, porém com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, o que pode ser muito bom para juízes antigos, mas seria altamente penoso para os mais novos.
Mais recentemente, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução n. 30, de 7.3.2007, que "Dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados", levando em consideração que a LOMAN é anterior à Constituição de 1988. Por isso, alguns procedimentos foram revistos, para que não haja problemas de inconstitucionalidade. De acordo com o CNJ, os magistrados vitalícios não podem ser demitidos, mas postos em disponibilidade, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Em bom português, ganha nosso dinheirinho para não fazer nada, como prêmio por suas faltas.
O juiz não vitalício pode ser demitido por: "falta que derive da violação às proibições contidas na Constituição Federal e nas leis; manifesta negligência no cumprimento dos deveres do cargo; procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; escassa ou insuficiente capacidade de trabalho; proceder funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário" (art. 11).
Permanece a aposentadoria compulsória e, a despeito de ser omissa a resolução, entendo que permanecem os vencimentos proporcionais, tanto porque essa é a natureza da aposentadoria quanto porque o diploma faz referências expressas à LOMAN. Os motivos para aposentadoria são: "mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres; proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar proceder funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário" (art. 5º).
A lei é branda, sem dúvida, e merece rápida e drástica revisão. Sob nenhuma hipótese se pode tolerar que um malfeitor do interesse público receba um único centavo dos mesmos cofres que conspurcou. Nem por isso se pode negar que a jornalista faltou com a verdade, talvez com o habitual objetivo da imprensa: induzir a opinião pública às conclusões que a própria imprensa deseja que sejam obtidas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Não Yúdice, é o desconhecimento da informação completa. E olhe que o "juridiquês" já mudou muito. Está mais acessível.
Bjs.

Frederico Guerreiro disse...

Contracheque integral intacto é bom demais.

Yúdice Andrade disse...

Cris, informação incompleta e não buscada, certo? Um abraço.
Fred, não à toa chamei de "pérola".