quarta-feira, 16 de maio de 2007

Condenação de mandante

O brasileiro não é muito dado a abstrações e costuma fazer a maior bagunça quando se tenta discutir algum assunto. Por isso, tentarei ser o mais objetivo possível. Vamos abstrair a figura de Dorothy Stang e de cada um dos demais envolvidos em suas atividades ou em seu homicídio. Vamos abstrair também as ações do Movimento dos Sem Terra.
Minha afirmação se resume ao seguinte: no Pará, notabilizado mundo afora pela violência no campo, a condenação de um fazendeiro acusado de ser o mandante de um crime inserido nesse contexto é, inegavelmente, um marco histórico. Tem a capacidade de modificar tudo aquilo que sempre se pensou sobre poder, sobre coronelismo e sobre impunidade.
Não tenho mais idade para acreditar que um fato isolado (e que está longe do fim) possa tornar o mundo um lugar melhor para se viver. Todavia, acredito que, hoje, todo criminoso fundiário acordou se sentindo diferente. Pode até permanecer convicto no cometimento de seus crimes, mas sabe que o clima é outro. Já sabe que a impunidade não é absoluta. Já sabe que não pode confiar apenas em seu dinheiro, na corrupção e inércia das autoridades, ou mesmo no terror que espalha, pela brutalidade de suas armas e capangas. Percebe que a sociedade tem menos tolerância a esses abusos, está mais organizada; que a imprensa manipula a opinião pública para obter a condenação do réu; que o Ministério Público e o Judiciário, seja por senso de dever ou para dar as famosas respostas à sociedade, estão mais predispostos a ser impiedosos com esses delinquentes.
Mesmo numa terra tradicionalmente sem lei como o Pará, alguma coisa começou a acontecer. E é um caminho sem volta. Muitos ainda tombarão, vítimas da ganância e da crueldade. Mas será cada vez mais difícil que esses cadáveres caiam no esquecimento. Antigamente, os latifundiários sequer eram molestados pelas autoridades ou os processos não davam em nada. Hoje, mesmo desembolsando uma pequena fortuna para custear nada menos que quatro grandes e caros advogados, o fazendeiro é condenado. E pega trinta anos. E respondeu ao processo preso, como permanece (até ser solto pelo STJ ou pelo STF, em breve).
As coisas mudaram. Mesmo um pessimista há de admitir.

2 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Seria melhor ainda se a impunidade acabasse também para o outro lado da "moeda". Quero dizer: O crime se traveste de movimento social, assim como assassinos se travestem de fazendeiros.

Yúdice Andrade disse...

De fato. Isso acontece.