sábado, 26 de maio de 2007

Perdido

O verdadeiro artista consegue produzir emoções intensas em seu público. Dentre elas, o estresse de separação quando precisamos nos afastar da obra de arte ou quando o espetáculo acaba. Aquela estranha sensação de orfandade, reveladora de que você realmente comprou a ideia. Foi arrebatado.
Nos anos 90, surgiu uma legião de fãs que adotavam até nomenclatura própria: eram os Xers (confesso não ter certeza da grafia desse neologismo), entusiastas de Arquivo X, um dos mais bem sucedidos seriados americanos de todos os tempos. Entre os jovens, reservar um horário sagrado na semana para assistir às aventuras de Mulder e Scully era o que havia de mais autêntico na tribo.
Com um mundo mais globalizado e maior leque de opções de programas, hoje é mais difícil um seriado obter a mesma penetração junto ao público. Fenômeno assemelhado ao de Arquivo X começou a ocorrer há três anos, quando surgiu Lost, que se tornou uma febre da noite para o dia.
Com uma trama de tirar o fôlego, repleta de perigos e mistérios, sem nenhuma explicação, era mais quem dizia que o programa não duraria muito tempo. De fato, aqueles cuja fé era menor ficaram pelo meio do caminho e deixaram de acompanhar a trama, exaustos de não ter respostas para as duas dúvidas.
Acabei de assistir ao último episódio da terceira temporada (sim, eu também aderi à moda de baixar os capítulos pela internet e assistir a eles pouco depois de sua exibição nos Estados Unidos) e posso afiançar-lhes que Lost não é um pipocão para mentes vazias. Trata-se de um belíssimo trabalho de teledramaturgia, maduro, baseado em elementos sólidos e relevantes. Atualmente, especula-se que o nó górdio da trama é a existência de universos paralelos, tema que tem feito a cabeça de alguns dos cérebros mais privilegiados do mundo. E que é de dificílima digestão pelo cidadão comum, como eu, que nem apreciava muito a disciplina Física na escola.
No meu caso, considero que o grande mérito da série é mostrar pessoas comuns vivendo uma situação completamente anormal e, com isso, sendo forçados a atos de coragem, de grande bondade ou de grande perversidade. O perfil psicológico dos personagens e sua evolução no tempo é simplesmente maravilhoso. Já os sinto como membros da minha turma. E, nessa condição, vê-los partir é doloroso.
O perdido do título sou eu. Perdido nessa sensação de incompletude, que perdurará intermináveis meses até a quarta temporada. Sem dúvida, você já gostou de alguma coisa assim — um programa, um filme, um livro, uma espécie de passeio, alguma coisa que tomou realmente a sua vida e que, em algum momento, acabou.
Seres humanos são curiosos. Adoram amar algo e sofrer a perda. Só para arrumar um outro amor e poder sofrer por ele, também. Um sujeito que consegue provocar essas emoções em alguém é um gênio, não?
Que venha a quarta temporada!!!

2 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, eu e a minha mulher também somos lostmaníacos: até ler os livros mencionados pela série nós lemos, na intenção de achar um fio de meada. E olha que eu nunca gostei de séries!
Traduziste bem o vazio que sinto toda vez que termina uma temporada. Mas agora, só esperando a próxima...

Yúdice Andrade disse...

Ontem até vi uns pedacinhos do episódio final, para tentar conter a ansiedade. Fevereiro está tão longe, não? O jeito é nos distrairmos com outras programações. Eu, como tu, também assisto em companhia de minha esposa. Portanto, somos duas famílias órfãs.