Estou orientando uma monografia de conclusão de curso sobre a "Lei Maria da Penha". Esta manhã, quando conversava com meus orientandos sobre o assunto, fiz-lhes algumas ponderações que levaram à seguinte observação: a lei em questão tenta punir os abusos físicos, psicológicos e morais em âmbito doméstico, tendo a mulher como vítima, mesmo numa relação homoafetiva (como agora se chamam as relações homossexuais). Portanto, abusos numa relação homoafetiva entre dois homens não sofrem a tutela dessa norma e de nenhuma outra específica, restando apenas as previsões do Código Penal, que não necessariamente puniriam, p. ex., o assédio moral familiar. Em síntese, homens não gozam de tratamento específico, para casos que, na prática, se equivalem.
Isto levanta muitas vozes contra a "Lei Maria da Penha", que promoveria uma cruenta violação ao princípio constitucional da isonomia.
Falando sobre isso, observei que as crianças e adolescentes têm um regramento protetivo próprio, desde 1990 (o incompreendido Estatuto da Criança e do Adolescente). Desde 2003, os idosos possuem a sua tutela particular. O que me levou a concluir que o Direito Penal esfacelou a família, seja porque não a protege em sua integralidade, seja porque alcança seus personagens sob enfoques diferentes e estanques.
Pus-me então a devanear sobre um Estatuto da Família, uma lei que procurasse regulamentar as relações parentais e/ou domésticas, de modo mais pleno e com maior visão de conjunto. Uma lei inspirada pelos mesmos princípios e que, ao prever medidas punitivas, realmente pensasse nos impactos efetivos, inclusive emocionais, que adviriam da medida. Naturalmente, não poderia ser uma lei penal, e sim tutelar, como são todos os diplomas aqui citados. Porém, é ingênuo pensar que não possuiria um capítulo para a famigerada ultima ratio. No mínimo, unificar a regulamentação da família resolveria a diferença superior a uma década existente entre essas leis, que certamente denuncia diferenças de mentalidade. Até porque o mundo se transformou muito mais de 1990 para cá do que nas décadas anteriores.
Faço questão de destacar a palavra devaneio, porque eu mesmo não faço ideia, agora, do que poderia ser essa lei. Só quero ressaltar, à guisa de diagnóstico, que essa superposição de leis, especialmente as penais, atingindo a família, há de fazer muito mal a todos nós.
2 comentários:
Yúdice,
há um livro fabuloso sobre a dependência entre os constituintes da raça humana: "O mêdo à liberdade".
Lá está que o ser humano é o único ser vivo que tem uma dependência natural, ao nascer, dos seus pais, que se estende por muitos anos... apesar da individualidade das pessoas exigirem plena autonomia, para existirem com liberdade.
Assim é que ao longo dessa dependência natural, as crianças, depois os púberes, depois os adolecentes vão avançando na conquista da sua liberdade e autonomia, capengando, batendo pelas tabelas, culminando nas famosas crises da adolescência.
Aí, na sua fase adulta partem para a sua total independência e vão ser felizes para sempre e deixam os país felizes (muitas mães, nem tanto), também, para sempre!
O drama é quando, por milhares de razões não conseguem manter a independência e... voltam a ser dependentes.
Aí, já não serão mais dependentes naturais, mas, pior, dependentes forçados/vexatórios, antinaturais. Muitas mulheres, por motivos culturais, ou por diversos outros motivos, não conquistam a independência e, ao invés de voltarem a ser dependentes dos pais, novamente, resolvem a questão através do casamento, com alto grau de dependência/submissão em relação ao parceiro. Há então os casamentos entre dependentes e opressores, entre submetidos e algozes, entre masoquistas e sádicos!
Como usar a lei, quando do extravasamento desses casos mal resolvidos, que são os mais comuns e gerais, ou melhor, os mais naturais, na nossa sociedade paternalista/capitalista?
O conteúdo desse livro, que não conheço, tem a ver com algumas noções iniciais de Antropologia, que estudei por conta própria, dada a minha afinidade. Muito pertinente.
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