sábado, 5 de maio de 2007

Ainda sobre os delitos sexuais

Vamos à parte final deste assunto.

11. Em 2001, atendendo a uma antiga reivindicação da sociedade, em especial dos movimentos de defesa da mulher, a Lei n. 10.224 criou o tipo de assédio sexual, para reprimir abusos cometidos por pessoas de qualquer sexo contra vítimas também de qualquer sexo, que fossem submetidas aos agressores por relações de poder ou autoridade. Pune-se, portanto, quem pretende obter favores sexuais abusando da influência que exerce sobre a vítima. Todavia, a lei em questão é uma catástrofe jurídica, tão mal feita que acabou esvaziando a intenção original da sociedade e do próprio legislador. O assédio sexual ficou restrito às relações profissionais, na iniciativa privada ou no setor público, deixando de fora abusos análogos praticados, por exemplo, por professores ou por ministros de fé religiosa — campo este em que a criminalização faz a maior falta. Em outra oportunidade podemos conversar sobre os problemas deste tipo penal.

12. Em 2005, tivemos mudanças significativas na legislação, por meio da Lei n. 11.106. Foi ela que aboliu os crimes de sedução e de rapto (além do adultério, classificado como crime contra a família). A sedução consistia, basicamente, em tirar a virgindade de uma mulher, fora do casamento, alegadamente abusando de sua inocência ou inexperiência. Creio que não preciso dizer uma só linha sobre o porquê de ter havido a abolição penal nesse caso. Quanto ao rapto, ele consistia em uma espécie de sequestro, só que qualificado pela intenção de realizar atos libidinosos com a vítima. Tal delito tinha mais relevância na sua forma consensual, quando a garota fugia com o namorado para viver a sua história de amor, que sofria o repúdio da família.
Muitas histórias românticas foram embaladas por esse mote shakespeariano, mas evidentemente, com o tempo, ele perdeu força. Com o desaparecimento do rapto, hoje a privação da liberdade de uma pessoa é punida como sequestro — mas, nesse caso, é preciso provar que o fato não foi consentido pela suposta vítima, hipótese em que inexistiria delito, se o consentimento for válido.

13. A Lei n. 11.106 também aumentou as penas dos delitos sexuais nos casos em que cometidos por duas ou mais pessoas (dificulta a defesa da vítima) e em que o agressor é "ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por qualquer outro título tenha autoridade sobre ela" (art. 226, I e II, do Código Penal). Esta última medida, muito bem vinda, por sinal, tem endereço certo. Afinal, as estatísticas criminais apontam que a esmagadora maioria dos delitos sexuais que chegam ao conhecimento das autoridades é praticada contra crianças e os agressores são pessoas próximas, familiares ou "amigos", que abusam da influência, da autoridade ou do chamado temor reverencial, o que explica os terríveis casos de meninas abusadas ao longo de muitos anos, sem jamais ter coragem de revelar o tormento que vivem.

14. Finalmente, a Lei n. 11.106, também em boa hora, revogou as normas que permitiam a extinção da punibilidade nos casos em que a vítima se casasse com o próprio agressor ou com terceiro, neste caso sem pedir expressamente o prosseguimento do inquérito ou da ação penal. Tais normas, expressivas da pudicícia sexual dos anos 1930, permitiam a impunidade de muita gente que, de má fé, casava com a vítima de estupro, por exemplo, só para escapar do crime. Depois abandonava a esposa e usufruía de um crime perfeito, com respaldo legal.
Se alguém achou estranha a ideia de a vítima se casar com o próprio estuprador, lembre-se que, entre os nossos avós, tal casamento era uma reparação para o mal causado. Muitas mulheres foram obrigadas a casar com homens que odiavam, em nome da honra da família. E umas tantas tiveram suas vidas destruídas por isso (inclusive literalmente, assassinadas).

Fiz uma síntese apertadíssima da evolução normativa dos últimos anos quanto aos delitos sexuais. Há mil coisas mais para dizer. Isto fica apenas para aguçar a curiosidade de quem se interessar pelo assunto. No geral, porém, posso fazer uma afirmação: ao contrário do que costuma acontecer, as inovações legislativas recentes, neste campo, são benéficas. A lei mudou para melhor, em suma.
Quisera eu que isso acontecesse também nas demais áreas.

Acréscimo em 16.9.2011
Esta parte da abordagem não sofreu alterações por causa da Lei n. 12.015, de 2009.

2 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Obrigado pela aula, MESTRE! Não tenho o que comentar. Seria muita pretensão minha. Disseste tudo. Irretocável.
Só me assutou o fato de o sujeito meter a mão por debaixo da saia da minha mulher ou minha filha(primeiro post acerca do assunto) e pegar somente seis anos.

Yúdice Andrade disse...

Pretensão, nada. Todos podemos debater. Mas fico satisfeito se minhas rápidas elucubrações ajudaram a formar alguma idéia sobre o tema - para irmos além do simples conhecimento do tipo penal, aquela coisa que fazemos em sala de aula. Afinal, é importante acompanhar a evolução da mentalidade social e do legislador.