No curso de Medicina, o professor se dirige ao aluno e pergunta:
— Quantos rins nós temos?
— Quatro! — responde o aluno.
— Quatro? — exclama o professor, arrogante, daqueles que se sentem felizes em tripudiar sobre os erros dos alunos. Ordena a seu auxiliar: — Traga um feixe de capim, pois temos um asno na sala!— E para mim um cafezinho! — replicou o aluno ao auxiliar do mestre.
O professor ficou irado e expulsou o aluno da sala. O aluno era, entretanto, o humorista Aparício Torelly Aporelly (1895-1971), mais conhecido como o "Barão de Itararé". Ao sair da sala, o aluno ainda teve a audácia de corrigir o furioso mestre:
— O senhor me perguntou quantos rins "nós temos". "Nós" temos quatro: dois meus e dois teus. Tenha um bom apetite e delicie-se com o capim.
A anedota acima, que me chegou através da amiga Camila Tschá Arrais, a quem agradeço, revela um aspecto importante da educação, que normalmente nos passa despercebido: o professor tem que saber perguntar.
Sendo essa a minha rotina há sete anos e meio, posso assegurar que, quando elaboramos um trabalho ou uma prova, temos em mente um certo conteúdo a avaliar. E acreditamos que a aferição do conhecimento do aluno poderá ser feita se ele nos passar certas informações. Por isso, criamos uma pergunta ou propomos uma situação que, se adequadamente respondida, conterá as tais informações. Em nível pra lá de raso, é isso. Ocorre que, se formularmos a proposição incorretamente, o aluno pode acabar fornecendo uma resposta diferente do que esperávamos, ou que não aborde o conteúdo que desejávamos. E mesmo assim, a resposta pode estar correta. Ou seja, ele não disse o que queríamos, mas disse o que perguntamos.
Quando mais inexperiente, isso me aconteceu diversas vezes e confesso que muito me aborrecia quando o aluno me dizia "mas o senhor não perguntou isso". Agastava-me, porque me parecia óbvio que a resposta deveria conter tal e qual afirmação. Com o tempo, percebi que o errado era eu. Não podemos supor que o aluno compreenderá a tarefa com a mesma amplitude que nós, mais calejados, já percebemos. O que nos parece óbvio, para ele ainda pode ser novidade ou um subtema obscuro. E também há uma boa dose de cinismo em olvidar que elaboramos nossas provas em condições por vezes ideais, enquanto o aluno estará em sala de aula, quem sabe nervoso, quem sabe cansado, quem sabe sem ter tido acesso a bons livros e, ainda por cima, com um relógio como seu inimigo.
Para dar um exemplo, se peço a um aluno que me fale sobre dolo, não posso censurá-lo por não escrever uma só linha sobre culpa. Se considero relevante abordar também este aspecto, é meu dever informar, no comando da atividade, que ele deve comparar dolo e culpa. Nessa hipótese, a omissão poderia ser penalizada com a perda de pontos. Mas se não pedi a comparação, o erro foi meu e devo arcar com ele, aceitando a resposta que me foi ofertada.
Este é um tema que exige maior atenção do que estas curtas linhas. Minha intenção, aqui, é fazer um registro breve, ponderando que muitas vezes falta humildade ao professor, ao não perceber suas próprias falhas e transferir os ônus ao aluno. E mais ainda quando não aceita ser confrontado com essas falhas.
Ao longo dos anos, muito modifiquei o meu estilo de provas. Por isso hoje elas são tão extensas: para não faltarem informações que, a meu juízo, precisam ser enfrentadas. E peço aos meus alunos que me apontem tudo aquilo que pareça confuso ou até mesmo errado. Lecionar pode ser como cozinhar: é mudando um tempero aqui e ali que se pode fazer um prato delicioso. E, por segurança, é melhor pedir ao destinatário da refeição que prove a iguaria e dê seu parecer.
Só assim o banquete deixará a todos felizes.
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