Um erro comumente cometido por pessoas que começam a conviver com o universo do Direito é a crença de que ele, ou as leis especificamente, tem uma função de pacificação social, ou seja, que o Direito ou as leis têm efetivamente o poder de resolver as mazelas sociais. Ledo engano. As normas que mandam pagar pensão alimentícia e até autorizam a prisão civil do pai (ou mãe) inadimplente, o qual também pode incorrer em crime, são completamente inaptas para resolver o drama da desagregação familiar, do desamor e da indiferença interparental.
Vide o caso do tal Pelé, para quem todo mundo se ajoelha só porque bateu bem a sua bolinha, mas que nunca me enganou. Sempre vi nele e em seus discursos de "vamos ajudar as criancinhas" demagogia cínica. Dito e feito. Chamado a reconhecer a paternidade de Sandra Arantes (nome dado após o novo registro civil), ele atrapalhou o que pode e, quando finalmente foi condenado, declarou publicamente que a moça poderia ter seu nome e recebeu seu dinheiro, mas jamais seria sua filha. Atitude calhorda, claro. E ela prometera renunciar aos direitos patrimoniais se ele decidisse aceitá-la como filha.
De algum modo beneficiada pela exploração midiática de seu caso, Sandra se tornou vereadora em Santos. Morreu em 17 de outubro de 2006, vítima de câncer de mama. Pelé não compareceu ao velório, limitando-se a mandar uma coroa de flores com a inscrição "Homenagem da Família Arantes do Nascimento". Ou seja, ela não fazia parte da família. Crápula até na hora da morte. Tenho nojo desse cara.
Esse caso é emblemático para ilustrar o tema desta postagem. Poderia dizer, ainda, especificamente quanto à matéria criminal, que a condenação do réu não apaga as marcas do seu delito. Mortos não voltam, estupros não se dissipam nem nada assim.
Mas eventualmente pode ocorrer de a lei cumprir uma função desejada de conformar as condutas dos indivíduos. Se não se emendam por bem, hão de se precaver na marra.
Há cerca de uma hora, entrei num supermercado e, na passagem, escutei uma voz de mulher. Não olhei para ela nem vi com quem falava. Apenas escutei a seguinte declaração: "Eu disse para ele se acalmar. Falei que não quero que nada de mal aconteça com ele, porque agora são três anos. Não são três dias, nem três meses, nem três semanas. São três anos!"
Caminhando apressado, segui meu rumo, mas entendi na hora de que a palestrante falava: da "Lei Maria da Penha". Em vigor desde setembro do ano passado, foi amplamente explorada pela imprensa, de modo que o cidadão comum, o leigo, teve a possibilidade de conhecer um pouco do seu conteúdo. Não à toa, estatísticas criminais do início deste ano, aqui em Belém, apontaram uma queda no número de ocorrências policiais por delitos relacionados à violência doméstica contra a mulher.
Por força da Lei n. 11.340, que ganhou o apelido acima, a pena da violência doméstica foi aumentada, variando agora de 3 meses a 3 anos de detenção, além de uma série de medidas cautelares enérgicas que podem ser tomadas contra o agressor, p. ex. o afastamento compulsório do lar.
A sociedade está se adaptando à "Lei Maria da Penha". Os homens começam a conter, na marra, os seus impulsos violentos. Muito mais importante e eficiente, as mulheres começam a ter consciência de seus direitos. Finalmente, efeitos auspiciosos de uma alteração legislativa penal. E olha que é uma lei com muitos senões a serem resolvidos.
6 comentários:
Isso não é um caso de lei...mas estou de casa própria...
Apareça.
Um beijo.
Cris Moreno, de blog? Que maravilha! Pode me esperar! Bem vinda a este lado. Sucesso!
O tema principal do blog foi abordado por voce, com muita maestria, como sempre em seus comentários. Parabéns.
Porém, quero também manifestar o meu desprezo pelo Pelé, por este ato descrito em seu comentário. Não se pode endeusar, chamar de rei, um homem que age desta maneira em relação a um filho. Até que enfim encontrei alguem que também acha este cidadão é um crápula.
Homem que bate em mulher não é homem.E um homem doente.
Ana Laura, que bom tê-la de volta nestas paragens. Eu é que me sinto muito aliviado de encontrar alguém no mundo que não se deixe enganar por esse facínora. Agradeço não apenas o comentário (que venham outros), mas a gentileza de suas palavras.
Juvêncio, procuro não ser tão cartesiano, pois é claro que alguém pode cometer uma agressão em momento de irreflexão, sem maldade, e depois se arrepender sinceramente. Todavia, se considerarmos as estatísticas e a tradição, é melhor mesmo dizer como tu disseste. Neste momento, é melhor manter a mão firme, em defesa das mulheres que, na prática, continuam sendo altamente discriminadas.
E viva as mulheres. Poxa, mas devia ter uma lei dessa para os homens também (apesar de não saber se essa é genérica ou voltada ao público feminino), tipo uma lei Ivan Lauzid (um amigo meu que apanha da namorada)
hehehehe. Aqui no prédio, por exemplo, tem uma mulher com uns 6 centímetros a menos que eu, ela deve ter lá por 1,80 e é fortona, uns 100kg. O marido dela deve ter 1,70 e é magrinho. Olhando pra esse casal, além de pensar nesse tipo de pena, eu passei a cogitar o estupro masculino. uahuahUAhUAHUAHUA
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