sexta-feira, 3 de outubro de 2008

I haven't see, I haven't like

Ô povinho. O mesmo país que fomenta o porte indiscriminado de armas pelos cidadãos, devido a ilusões de segurança vendidas pela indústria armamentista, e que produz uma miríade de filmes retratando os jovens como idiotas, preguiçosos e promíscuos — sugerindo uma verdadeira obrigação de possuir vários parceiros sexuais ainda na adolescência —, costuma fazer uns protestos dos mais esquisitos, inclusive por falso moralismo sexual. Eles mandaram tapar com um plástico vermelho opaco a capa do CD Barulhinho bom, de Marisa Monte, pois ela mostrava uma mulher com os seios desnudos, num desenho rudimentar do famoso desenhista brasileiro Carlos Zéfiro (à esquerda). Em agosto de 2006, a revista BabyTalk publicou matéria sobre amamentação e pôs na capa uma mulher dando de mamar para o seu bebê. Causou furor no país, porque a tal capa foi considerada de mau gosto, imoral e, por alguns, repugnante. Veja aí à direita a imagem "repugnante".
Em mais uma gracinha dos americanos, a Federação Nacional de Cegos (NFB) — sim, existe uma! — está conclamando a sociedade a boicotar o filme Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles, além de realizar protestos nas portas das salas de exibição, sob a alegação de que a película retrata os cegos como "incompetentes" e "depravados".
Faltam palavras para descrever como é burra a ira santa dos ativistas em questão. Seria exigir demais que fossem capazes de entender que a obra de José Saramago, que baseia o filme, é uma metáfora sobre a natureza humana, apostando que em uma situação onde a civilização é substituída por necessidades primárias, instintos bestiais originários viriam à tona. Eu esperaria que eles pudessem entender, ao menos, o objetivo: o livro e o filme retratam pessoas que enxergam e, subitamente, se descobrem cegas, numa cidade em que todos ficam cegos sem qualquer explicação, sendo segregados devido ao medo do contágio dessa misteriosa doença. Como poderiam pessoas se adaptar tão rapidamente a uma nova situação tão drástica, sem se mostrarem incompetentes para tudo, mormente considerando que não dispunham de ajuda?
É o próprio Saramago quem está fazendo uma defesa pública do filme. "Isto não é uma polêmica, pois para que esta exista são necessários dois interlocutores. Neste caso, trata-se de uma associação de cegos que decide ter uma opinião sobre um filme que não viu" [porque "infelizmente não pôde ver", baseando-se na opinião de terceiros], disse o escritor.
Não dá para aguentar esses malucos. Enquanto isso, fico aqui indignado, pois pela terceira semana consecutiva, após o lançamento do filme no Brasil, ele ainda não chegou aqui na província.

Nenhum comentário: