No começo deste ano, em uma de minhas habituais devassas por livrarias, deparei-me com um livro do escritor peruano Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura em 2010. Estava na sessão infantil. Pensando de imediato em minha filha, passei a mão no volume e li a sinopse aposta à contracapa:
Da janela de casa, Fonchito observa um solitário homem que contempla o oceano. A cena se repete todos os dias até que, não se aguentando de curiosidade, vai ao encontro do velho senhor e pergunta o que ele procura com tanta insistência.
Com um sorriso nos lábios, o velhinho promete lhe contar uma história. A cada manhã, antes que o ônibus da escola chegue, Fonchito ouve um novo capítulo das aventuras de um barco cheio de crianças que, desde o século XII, singra os mares do mundo.
Encantado instantaneamente, comprei o livro, já pensando em fazer dele a leitura de antes de dormir com minha Júlia. Seria uma oportunidade de apresentá-la a um dos maiores escritores vivos, estimulando o gosto por um nível superior de literatura, como antes já fizera com A maior flor do mundo, de José Saramago.
Dias atrás, iniciamos a leitura. Eu não tinha a menor ideia de por onde iríamos, até porque, confesso, não lera nada de Vargas Llosa. Mas a proposta do livro se mostrou muito sedutora logo de saída. Voltamos ao século XII, ao tempo das cruzadas, quando exércitos marchavam a Jerusalém para libertá-la dos muçulmanos. Em meio àquele cenário, sem qualquer explicação possível, crianças de todas as partes da Europa decidem participar da retomada da Cidade Santa, mas não com luta. Diz o autor:
Ao contrário dos cruzados, que partiam com escudos, cavalos, lanças, espadas, arcos, porretes e todo tipo de armas, essas crianças queriam realizar a façanha de salvar a cidade onde Cristo morreu munidos apenas de seus cantos, suas súplicas e suas orações. Todos eles usavam uma túnica branca com uma cruz bordada. Levavam nas mãos, também, uma cruz tosca de madeira fabricada por eles mesmos e uns cajados de pastor para abrir passagem nas difíceis trilhas cheias de mato e de bichos.
É assim, atendendo a um impulso sobrenatural, que milhares de crianças marcham até Marselha, onde embarcam em navios doados para sua extraordinária expedição. Contudo, adverte o narrador, aquela é uma história triste. Ele logo avisa que nenhum dos barcos chegou à Terra Santa.
Naturalmente, não fornecerei maiores detalhes que possam comprometer o imenso prazer de ler este livro belíssimo. Compartilho apenas a viva impressão que me ficou desse anúncio, feito pelo autor logo ao começo da trama, e que realmente me despertou um profundo desejo de saber qual teria sido o destino daquelas crianças.
O barco das crianças foi lançado em 2014, quando seu autor já contava 78 primaveras. É seu segundo romance infanto-juvenil (o primeiro é Fonchito e a lua e, sim, trata-se do mesmo Fonchito, personagem d'o barco, que é filho de Don Rigoberto, protagonista de outro romance do autor). Foi inspirado no conto A cruzada das crianças, de Marcel Schwob (falecido em 1905), obra citada em epígrafe.
O romance integra um projeto da editora de oferecer literatura infanto-juvenil escrita por grandes escritores, sem linguagem infantilizada, permitindo um verdadeiro mergulho no prazer da leitura. Posso dizer que o texto de Vargas Llosa é adorável, envolvente e muito terno. Além de propiciar curiosidade histórica para os pequenos leitores. Quando cheguei ao final, Júlia estava com os olhos arregalados, digerindo as palavras que acabara de ouvir.
Para tornar a experiência ainda melhor, temos as lindas gravuras da premiada ilustradora polonesa Zuzanna Celej, que você vê nesta postagem. E ainda temos a elevada qualidade da edição, com capa dura costurada, papel de primeira e capricho em todos os detalhes.
Estou realmente feliz de ter encontrado esta pequena joia e feito dela um momento carinhoso com minha filha. Por isso, estou compartilhando esta experiência com você, que também tem uma criança em casa. Pegue-a pela mão e vá ver se o tal barco aparece.
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