terça-feira, 21 de abril de 2020

Breve conselho

Todos aqueles que desejem ter filhos, aceitem o conselho deste pai um pouco mais experiente:


Se der, não tenham filhos em meio a uma pandemia global.

Obviamente, esta é uma postagem irônica. Não era nem para existir uma pandemia global e ninguém desejaria algo assim. Mas o fato é que tudo se torna exponencialmente mais difícil em meio a tantas restrições de isolamento social e, às vezes, pessoal. Há muita solidão e sofrimento psíquico. Você perde apoios que estão disponíveis, mas que não podem chegar até sua casa. Você vai sempre necessitar de mais um item de farmácia e obtê-lo se torna uma tarefa complicada, como tudo mais.

O lado bom, ao que parece, é que mais gente está descobrindo o quanto precisamos uns dos outros.

Segunda comunicação de nascimento

Já falei algumas vezes sobre o silêncio que se tornou a tônica do blog, embora ele sobreviva. Desta vez, porém, tenho um motivo glorioso para apresentar: Margot nasceu, enfim, no dia 8 de abril, após uma espera que, para nós, começou efetivamente em 23 de julho passado(*).

Ela veio ao mundo com 48 centímetros e 3,4 quilos, saudável, sem qualquer complicação. Como da primeira vez, assisti à cirurgia do parto cesariano, mas me senti prejudicado pela equipe, que insistiu para que eu ficasse próximo à cabeça de Polyana e, com isso, perdi o melhor ângulo para ver a cirurgia, como me interessava. Devem achar que todo mundo é frouxo e precisa ser poupado. Parte da experiência se perdeu para mim. O videozinho de nascimento não ficou tão interessante quanto o de Júlia.

Sempre é muito intenso quando o bebê surge de corpo inteiro à nossa frente e chora. Desta vez, contudo, a sala estava cheia de técnicas em enfermagem (para que tanta gente?), cuja presença e postura retiraram a intimidade do momento. Melhorou quando nos estimularam a tirar fotos. Até o anestesiologista pegou a câmera, para que pudéssemos aparecer os três. Mas é tudo rápido, naturalmente, porque há uma cirurgia a ser finalizada. Ocorre a pega do bebê e nos dividimos entre um afastamento de segurança e momentos de fotos, que as próprias técnicas sugerem. Fotografar a criança pelada durante a primeira pesagem é um clássico.


Uma das técnicas estava sendo treinada, o que achei ótimo, pois a pediatra ia explicando o passo a passo das verificações que estavam sendo feitas, perguntando a finalidade de cada uma, etc. Isso foi bom, porque constatei pessoalmente a expertise com que minha criança estava sendo avaliada naquele momento crucial.

Agradecemos à equipe médica, capitaneada pelo anestesiologista Antônio Carlos, contando com o tocoginecologista e cirurgião Aloísio Marques e com a pediatra Elisa Alves. Desta feita, a tia de Polyana, também pediatra, Maria de Jesus Malheiros da Fonseca, não pode estar presente para acompanhar o parto, pois trabalha em emergência e, por isso, está gravemente exposta ao risco de contaminação por covid-19. Temos recebido seu apoio remotamente, desde o nascimento.

A mãe está tendo uma excelente recuperação. A filha passou relativamente bem, alternando dias bons com outros, mais ou menos. Infelizmente, tivemos um susto por aqui, com febre e outros sinais incertos, o que nos obrigou a retornar à maternidade. Ela foi internada, para nossa grande aflição. Felizmente, contudo, foi devidamente avaliada e os resultados foram bons, permitindo a sua alta logo no dia seguinte. Estamos recomeçando por aqui, com novas estratégias. Mas a pandemia não nos permite contar com o apoio direto de pessoas que adorariam estar aqui conosco. Paciência. É a nossa realidade atual.


Não posso dizer ainda com quem Margot se parece, mas posso afiançar que não se parece com um joelho! Aliás, sem vaidades e exageros, acredito que é uma recém-nascida linda, que veio ao mundo menos enrugada do que a irmã, que por sua vez já não era tão enjoelhada. Tem um rostinho mais arredondado e um cenho franzido que nos parece tão familiar!

Para escrever esta postagem, peguei a "Comunicação de nascimento", que postei em 24.7.2008, e escrevi por cima, de modo que vários trechos são rigorosamente iguais. Foi de propósito, isso. Estou dizendo às meninas que ambas estão enredadas em uma mesma história, no roteiro de nosso amor familiar.

Fiquemos todos em paz.

PS   Quando será que surgirá a primeira "crônica de Margot"(**)?

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(*) Se algum preciosista fizer as contas, provavelmente não vai entender estes números. Melhor não tentar. É uma longa história.

(**) Se não entendeu, clique no marcador "crônicas de Júlia" e aproveite. Eu gosto bastante, mas sou suspeito.

domingo, 12 de abril de 2020

E não é que funciona?

Este simpático coelhinho pascoano  de máscara para se proteger do coronavírus, e batendo panela para se proteger da maior ameaça enfrentada por este país , mostrou-me pela primeira vez o funcionamento de uma novidade do WhatsApp: o controle de replicação de mensagens. Conforme anunciado, e implementado desde o último dia 7, qualquer publicação considerada frequente (assim entendida como enviada por meio do aplicativo ao menos 5 vezes) somente poderá ser encaminhada para um único contato por envio, em vez do limite de 5 contatos, que é o padrão.

A medida foi tomada para combater a massificação das fake news, que hoje constituem um dos procedimentos mais comuns dos canalhas, em seus projetos insanos de poder. De quebra, também pode coibir a aplicação de golpes que constituam crimes comuns. Uma iniciativa ditada pela necessidade, que chega em boa hora, impulsionada pela pandemia que divide os seres humanos daqueles que insistem em seguir o seu mito (vulgo "transmito"), não importa o que ele faça.

Quando li a notícia sobre a medida que os gestores do WhatsApp tomariam, imaginei que daria certo porque, a julgar por mim mesmo, o aumento de trabalho para o cumprimento de uma tarefa gera, de fato, um desestímulo. Bastou eu tentar replicar o coelhinho para dois contatos e receber a mensagem de restrição do aplicativo e já não tive mais ânimo para enviar a mais ninguém. Fiz dois envios e pronto. Afinal, era apenas uma brincadeira. E não estou a fim de trabalho para uma brincadeira.

A decisão do WhatsApp é claramente um paliativo, mas terá consequências positivas. Afinal, os bandidos das fake news agem por meio de seus robôs, que replicam alucinadamente todo tipo de podridão, das mamadeiras de piroca ao ódio contra vacinas. Essa tarefa está prejudicada. Os vagabundos terão que se readequar. E os alucinados que escolheram o lado da maldade não serão impedidos de prestar o seu culto, mas o farão com mais trabalho e gastando mais tempo. Se acham que essa luta vale a pena, morram por ela. 

No mais, feliz páscoa, gente.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

A árvore não cai longe do pé

Despreparados, canalhas, hostis, desprovidos de inteligência emocional (além das outras), cegos ao interesse dos brasileiros, etc. Assim é a malta que compõe o primeiro escalão do governo federal hoje em dia (não me refiro aos demais, porque não conheço os titulares). E nem poderia ser diferente, pelo motivo indicado no título desta postagem.

Ainda que repugnado, consigo entender um Chicago boy tomando decisões econômicas que beneficiam os mais ricos e destroem os mais pobres. Consigo entender um ministro do meio ambiente abrindo a porteira para o agronegócio dizimar os recursos naturais do país. Consigo entender uma ministra do que deveria ser a pasta de direitos humanos implementando pautas religiosas canhestras. Entendo tudo isso, porque era o projeto anunciado e que foi eleito em 2018, sob os aplausos do que há de mais sórdido em nossa sociedade.

Mas esses desgraçados sempre estiveram aí, colonizando o Brasil. Não é novidade. Ocorre que, no passado, eles sabiam se comportar. Eram educados, polidos, sofisticados, loquazes, repletos de titulações, com sobrenomes quatrocentões, etc. A aristocracia viva em plena república. Agora, o governo federal é composto por um bando de animais hidrófobos, cuspindo e rosnando sem parar, e tomando atitudes de inacreditável infantilidade. Mas uma infantilidade nível bullying. Nível filme adolescente da Sessão da tarde.

Como explicar que o ministro da educação publique a sua já famosa tirinha? Abaixo:

Postagem de Weintraub que causou polêmica com chineses

A expressão é de uma criança que não foi além do nível da alfabetização. Mas o conteúdo é gravíssimo, pois reforça ofensas que já foram destinadas a China antes, por membros do governo. Tudo movido pela batalha ideológica. Comentários capazes de apavorar os empresários, que sabem muito bem o que significa irritar o maior parceiro comercial do Brasil.

Mesmo com os sustos anteriores, o tal de Weintraub se permitiu a publicação acima. E quando as consequências começaram a aparecer, ele se saiu com uma resposta que praticamente obriga os chineses a uma retaliação (leia aqui). Ou mais uma retaliação, haja vista que o Brasil já começou a pagar por seu mau comportamento, com a perda dos respiradores que compraria daquele país. Em vez de se retratar, o ministro reforça todos os argumentos pseudocientíficos que configuram o cerne da acusação de xenofobia e ainda impõe condições ao governo ofendido.

Honestamente, é tudo muito além de qualquer compreensão. E sem consequências no âmbito do governo. Claro: Weintraub está alinhado com o chefe. Enquanto seu staff renova as diabruras, o dublê de presidente segue pendurado nos testículos do canalha Trump, a quem deu a dispensa de vistos, a promessa de uma base militar no Maranhão e outras benesses, mas tomou apenas a falta de apoio para a candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU, a deportação humilhante de brasileiros, a manutenção de medidas econômicas protecionistas e, agora, a negociação com a China, em torno dos materiais de que nós estamos precisando. Imagine se não fosse Brasil acima de tudo.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Exercício de futurologia, sempre para o mesmo lado

Nos mais de 11 anos que passei como assessor de um desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Pará, contribuí para a concessão de um número de liberdades provisórias e de ordens de habeas corpus muito superior ao padrão local, simplesmente porque... cumpríamos a Constituição de 1988! A liberdade é a regra; a prisão é a exceção. Este brocardo, óbvio de doer, estampa qualquer manual de processo penal e inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas na vigente ordem constitucional, mas é solenemente ignorada, deturpada e ridicularizada na praxe judicial.

O sistema punitivo, como denunciamos sem cessar ao longo de mais de 20 anos de docência, com respaldo em um número imenso de pesquisadores sérios (criminólogos, historiadores, sociólogos, filósofos, psicólogos, etc.), de diferentes matizes e nacionalidades, existe para punir os pobres e funciona por meio da autolegitimação de suas práticas segregadoras. É extremamente fácil decretar e manter prisões, mas é extremamente difícil conseguir a restituição da liberdade de um indivíduo, mesmo com todo o arcabouço jurídico criado para impedir isso.

Um dos motivos que nos fazia determinar a soltura do preso era a especulação. Sim, juízes se sentem absolutamente à vontade para praticar a vidência jurisdicional, mantendo o acusado preso porque existe a possibilidade de ele fugir, de coagir testemunhas, de praticar outros delitos, etc. A mera possibilidade, que "fundamenta" tantas decisões, resume-se à noção de que algo é possível simplesmente porque não é impossível. Nesse sentido, é perfeitamente possível que qualquer um de nós morra ainda hoje, que ganhe na loteria, que escorregue no chão molhado do banheiro. Quando a "fundamentação" judicial se resumia a esse tipo de despautério, nós concedíamos a liberdade, se nada houvesse nos autos, de concreto, indicando risco de fuga (p. ex., o acusado comprou uma passagem aérea), de coação a testemunha (ele ao menos tentou manter contato efetivo com a pessoa) ou da prática de outro delito (ele foi flagrado em situação sugestiva de atos ao menos preparatórios de crime).

Muitas vezes escrevi que ao juiz não cabe especular. A liberdade individual é coisa muito séria para depender de caprichos e fantasias.

Anos se passaram e a situação somente se agravou. O punitivismo e o encarceramento foram naturalizados a um nível tão extremo que qualquer ponderação em contrário é imediatamente rejeitada, tratada como má-fé, ingenuidade ou burrice. A "Operação Lava Jato" consolidou a prática de fins que justificam os meios; o STF legitimou diversas violações à Constituição; todo brasileiro no botequim virou especialista em direito e processo penal e a mídia... É, a mídia não mudou. Continua fazendo o que sempre fez. Mas agora com a concorrência da internet, onde todos são especialistas e cospem sangue pelos olhos.

Esta longa introdução foi motivada por reportagem que li há pouco, dando conta de que uma juíza, na comarca de Guararema, a 80 Km da capital paulista, negou liberdade provisória a um preso hipertenso porque ele poderia violar a quarentena! Veja que fofa a "fundamentação": "é lógico, e não precisa grandes elucubrações argumentativas para se concluir isso, que aquele que está preso por violar norma penal (...) não teria muita dificuldade, ou freios internos para violar regras sanitárias para permanência em domicílio". Pronto. Simples assim. E para a magistrada é simples mesmo, tanto que ela já dá o seu argumento como "lógico" e evidente. Aqui o link para a reportagem: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/juiza-supoe-que-preso-descumprira-quarentena-do-coronavirus-e-nega-pedido-de-liberdade.shtml.

Afora tudo o que já escrevi acima, muita coisa poderia ser pensada para refutar o exercício de futurologia da juíza. A começar pela rejeição da falsa premissa de que as pessoas agem movidas por critérios decisórios óbvios e comuns a toda a gente. O sujeito está preso porque tentou matar alguém, supostamente. Mas qual a relação entre esse fato e a conclusão de que ele não teria medo de expor a si mesmo ou a seus familiares ao risco de contaminação? E se ele possuir um pai ou mãe idoso, que pretende proteger? E se a hipertensão o tornou excessivamente cuidadoso com a própria saúde? Estou especulando, eu sei. Mas é só para mostrar que especulação é isso: tem para todos os gostos e não é garantia de nada.

Só que a minha especulação em postagem de um obscuro blog não gera os danos do achismo aposto a uma decisão judicial. E mesmo assim tento ser responsável pelo que escrevo. Por que outras pessoas não fazem o mesmo?