segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Uma criminosa perda de tempo

Em resumo, os últimos dez anos no Brasil foram marcados pela disputa política entre o PT e o PSDB. Os petistas bradaram o "Fora FHC" e boicotaram como dementes o ex-presidente no Congresso. Os tucanos querem a paternidade do "sucesso" econômico atual e se arrependem até os ossos por não terem tentado acabar com Lula na fase explosiva do mensalão.Com os dois partidos no poder, os demais apenas dançaram conforme a música, cargos ou mensalões. Enquanto o país não andou por causa de oposições infantis ou CPIs intermináveis no Congresso, os brasileiros apenas tentaram cuidar de suas vidas. Trocar o carro, colocar os filhos em um colégio melhor, pagar as contas e viajar no fim do ano.
Mas tucanos e petistas entregaram um crescimento medíocre, míseros 2,3%, em média, nos últimos sete anos. Muito pouco para tirar o país da degradação e melhorar a vida de quem sustenta a máquina pública pagando impostos.Uma semana aprendendo mais detidamente sobre a Ásia, onde se deu por esses dias a reunião anual do FMI (Fundo Monetário Internacional), desperta um desagradável sentimento: ódio.
Há nove anos, as principais economias asiáticas foram varridas por um tsunami financeiro que revelou tudo o que havia de errado nelas. Poucos meses depois, a mesma onda devastadora chegaria à América Latina, arrastando o Brasil e liquidando o sonho pueril do real que valia um dólar.Os anos correram. A Ásia é hoje a região mais dinâmica do mundo. Cresce a 8% ao ano e tem no horizonte de uma década a erradicação total da pobreza. A grande dúvida entre os países é se aplicam US$ 20 bilhões ou US$ 30 bilhões cada de suas gigantescas reservas em infra-estrutura. E se usam outra parte do dinheiro para formar um FMI do B, declarando a independência de Washington no caso de uma nova crise.Nos últimos quatro anos, a região, com limitados recursos naturais e que se especializou em tecnologia, dobrou para US$ 2,9 trilhões o volume de reservas internacionais. Hoje, tem 60% de tudo o que o mundo acumulou nos cofres dos bancos centrais.Dos 2,7 milhões de jovens que saem todos os anos de seus países para estudar em universidades melhores em outros cantos do planeta, cerca de 30% são asiáticos; 15,2% chineses.
Cingapura, que sediou a reunião do Fundo, é a cereja desse bolo. É limpa, exibe esculturas originais de Dalí e Botero nas calçadas e tem o maior PIB per capita da Ásia. Praticamente não se vê crianças e adolescentes nas ruas. Quando aparecem, estão quase sempre em uniformes e com livros debaixo do braço.
O país é governado há décadas pelo mesmo partido, o PAP, e conhecido pelo rigor de suas leis. Pena de morte para traficantes, chibatadas para vândalos e multas para quem cospe na rua. A China também é barra pesada. Mas há vários outros exemplos menos radicais na região, como Tailândia (aliás, com um climinha muito parecido com o Brasil) e Coréia. Apontar para o autoritarismo e a falta de democracia de alguns para justificar o sucesso da região não é exatamente correto.O que se percebe, na verdade, é que todos, sem exceção, colocaram na cabeça um projeto político-econômico claro de desenvolvimento. Eles estão absolutamente obcecados com isso, como se não houvesse nada mais importante nesse mundo. E há, quando se tem milhões de pessoas ainda vivendo na miséria? Já no Brasil, a grande discussão atual é se o crescimento será de 3% ou 3,5% este ano. Como se ele nascesse de uma árvore sagrada ou da boa vontade dos deuses do PIB.
O mais odioso é constatar que o diagnóstico dos problemas é o mesmo e está claro como nunca. Tanto o Lula convertido quanto os tucanos escolados sabem que a Previdência está quebrada, que a carga tributária de 40% do PIB não dá mais, que o Orçamento está engessado, que o investimento é baixo, que a educação é uma piada...Concordam com isso e não fazem nada, paralisando o país em nome de disputas políticas cretinas e vaidades, explicitadas agora em discursos inflamados ou em cartas ressentidas.
Não há outro nome para o que se tem feito no Brasil. É um crime, livre e democrático.

Fernando Canzian, 39, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Escreve semanalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

PS meu - Canzian disse tudo.

Acréscimo em 3.9.2011
Hoje em dia eu tenho maiores reservas em elogiar qualquer articulista. Lemos os textos de boa fé, mas não sabemos ao certo para quem o sujeito trabalha, quais são suas relações, que episódios obscuros tem uma sua carreira, etc. Mais de um elogio que fiz no blog se revelou, com o tempo, não exatamente merecido. Então se você souber de algo que desabone este articulista, perdoe a minha ingenuidade. Eu era um blogueiro iniciante.

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