domingo, 25 de maio de 2008

Portar drogas: crime ou não? (3ª parte)

Continuação. Leia as duas postagens anteriores.


O precedente do Judiciário paulista, citado na reportagem, embora questionável quanto às suas consequências, a meu ver aplica o Direito Penal com bastante lucidez. Ao reconhecer que o usuário de drogas não invade a esfera dos direitos de terceiros, prejudicando apenas a si mesmo; e ao colocar na conta de especulação, como de fato é, a passagem da condição de portador para a de traficante, declara inconstitucional o art. 28 da Lei n. 11.343. Ausente o tipo penal, não existe crime. Tecnicamente, a decisão é irrepreensível.
Trata-se de uma declaração incidental de inconstitucionalidade, que só vale para as partes do processo em que foi proferida. Mas pode e deve chegar ao âmbito do Supremo Tribunal Federal, que pode entender que seja o caso de declarar a inconstitucionalidade definitivamente, levando à perda da eficácia da norma. Situação semelhante ao que ocorreu com a vedação à progressão de regime, para crimes hediondos, que foi declarada em caráter definitivo por ocasião do julgamento de um habeas corpus, tendo redundado em comunicação ao Congresso Nacional, acerca do desaparecimento jurídico da norma atacada.
O fato de o porte de drogas não constituir crime — seja lá porque formas se chegue a isso — coloca a sociedade brasileira diante de uma grave questão. Criminalizam-se condutas na expectativa de dissuadir as pessoas de cometê-las. Mas toda a História mostra que tal expectativa sempre foi ingênua e frustrada. Será que essa nova situação provocaria algum incremento no consumo de drogas? Em princípio, creio que sim. Mas apenas em relação àquelas pessoas que, curiosas quanto a experimentar drogas, até aqui se contiveram, por medo das consequências legais. Quem não experimenta por medo de se viciar não ficará, creio, mais ou menos tentado por causa de uma mudança legal.
O desafio é maior na medida em que se sabe que as boates nossas de todo final de semana — aquelas mesmas frequentadas por expressiva parcela de nossa juventude, em todo o país — são palco aberto para o consumo de drogas, das lícitas às mais ilícitas. E nada se faz a esse respeito. Seja em termos de vigilância e repressão, seja quanto ao mais importante: orientação, desde a família. Mas aqui um novo sinal de alerta se acende: como pedir ao filho que não se drogue, depois de ter passado a vida tomando cerveja na frente dele? Sei que são drogas distintas. Mas negar que os fatos têm relação não é ingenuidade: é burrice, mesmo.
Quanto à entrevista de Maria Lúcia Karam, ela é carioca demais para mim e eu sou careta, quadrado e over demais para ela. Ela defende a descriminalização do porte e do comércio de toda e qualquer droga. Considera infantis as críticas usualmente feitas quanto aos riscos de expor a sociedade a essa liberalidade toda. Como não tenho a mesma experiência que ela, não me disponho, agora, a debater prós e contras. Só acho que a tática Rede Globo não vai funcionar: mostrar a Holanda só no que tem de belo, de sofisticado e de florido. Assim como na novela Páginas da vida houve o cuidado de não mostrar os points de Amsterdã onde a turma se droga dentro da lei, mas rola pelos cantos tão chapados quanto os ilegais, também não vai dar certo ficar no discurso de você-é-infantil-e-ultrapassado, negando que substâncias entorpecentes comprometem a saúde, o desenvolvimento e o futuro das pessoas. Dos que se drogam e dos que gravitam ao seu redor.

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