Em Londrina, Paraná, uma adolescente de 13 anos foi estuprada por pelo menos três indivíduos, supostamente por estar usando uma "pulseirinha do sexo", justamente uma preta, que dá direito àquilo naquilo.
As autoridades locais estão dando a atenção necessária ao caso. Afinal, uma menina sofreu uma terrível agressão. Mas se houver um julgamento, já saberemos o que será alegado pelo advogado de defesa.
O que me surpreende é que tenha demorado tanto para aparecer o primeiro caso. E mais não digo...
quarta-feira, 31 de março de 2010
Tailândia
O Município de Tailândia foi apontado como o terceiro mais violento do país, segundo o "Mapa da Violência 2010", uma pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Sangari. O índice é determinado de acordo com o número oficial de homicídios. Oficial, bem entendido, porque não há como superar a terrível cifra negra, o quantitativo de delitos que jamais chega ao conhecimento das autoridades.
O mesmo Município ocupara triste posição de destaque na verificação anterior, salvo engano a mesma terceira colocação, perdendo apenas para duas cidades do Estado do Mato Grosso caracterizadas pela mais rotineira pistolagem. Do tipo, abriu a boca, levou bala na cara. Portanto, se a posição no ranking já é ruim, a comparação com as cidades à frente (não sei se ainda são as mesmas) torna as coisas ainda mais aflitivas.
Na avaliação estadual, o Pará pulou da vigésima para a sétima colocação em dez anos, graças ao incremento de 130,3% no número de mortes! Não dava para esse reajuste ser equivalente ao do salário mínimo, p. ex.?
O Instituto Sangari, fundado em 2003, tem o objetivo de "mobilizar a opinião pública para a importância de democratizar o acesso ao conhecimento científico". Em seu sítio oficial, você encontra com destaque o "Mapa da Violência 2010 - Anatomia dos homicídios do Brasil", com a possibilidade de fazer download de sua versão integral.
O mesmo Município ocupara triste posição de destaque na verificação anterior, salvo engano a mesma terceira colocação, perdendo apenas para duas cidades do Estado do Mato Grosso caracterizadas pela mais rotineira pistolagem. Do tipo, abriu a boca, levou bala na cara. Portanto, se a posição no ranking já é ruim, a comparação com as cidades à frente (não sei se ainda são as mesmas) torna as coisas ainda mais aflitivas.
Na avaliação estadual, o Pará pulou da vigésima para a sétima colocação em dez anos, graças ao incremento de 130,3% no número de mortes! Não dava para esse reajuste ser equivalente ao do salário mínimo, p. ex.?
O Instituto Sangari, fundado em 2003, tem o objetivo de "mobilizar a opinião pública para a importância de democratizar o acesso ao conhecimento científico". Em seu sítio oficial, você encontra com destaque o "Mapa da Violência 2010 - Anatomia dos homicídios do Brasil", com a possibilidade de fazer download de sua versão integral.
Visões de um julgamento: que sirva de advertência
E um comentarista anônimo me recomendou esta outra lúcida análise. Por ela, agradeço.
JANIO DE FREITAS (FSP 30 de março 2010)Em torno do tribunalNas cercanias do fórum do julgamento Nardoni-Jatobá tivemos uma visão de como são compreendidos os direitos
AS CIRCUNSTÂNCIAS do julgamento Nardoni-Jatobá, embora não o julgamento propriamente, constituíram uma agressão aos direitos civis e aos direitos humanos que deveria servir como advertência ou, ao menos, motivo de muitas reflexões sobre suas fontes e seu significado. O que houve nas cercanias do fórum não foi só o que está considerado, a partir das raras vezes em que mereceu alguma consideração, como um descontrole emocional coletivo.
Durante cinco dias, familiares dos réus, que jamais perderam a compostura nos dois anos do seu sofrimento de inocentes, foram ferozmente assaltados por urros de "assassinos, bandidos, criminosos", e mais os palavrões de praxe.
Os advogados de defesa não se tornaram menos "assassinos, bandidos, criminosos" e, além dos palavrões de praxe, ainda "mercenários, vendidos, ladrões". A eles não foi suficiente entrarem por portões secundários: também precisaram usar um carro diferente a cada dia, para fugir à agressão física iniciada, logo em sua segunda chegada ao fórum, contra o equilíbrio profissional demonstrado pelo defensor Roberto Podval.
Tudo sob a indiferença das autoridades políticas e policiais, todas com pleno acesso às cenas, ao vivo e em vídeos, de dia e à noite, da obsessiva TV. Não importa se indiferença por ignorância do sentido tão claro do que ali se passava, em relação às leis de direitos civis do Estado democrático, tão claras, por sua vez, na Constituição e na legislação brasileiras; ou se indiferença feita de descaso e desleixo, do pior oportunismo, ou de contribuição deliberada à pressão sobre o julgamento em que a defesa questionava a eficiência policial. Em qualquer das hipóteses, o que resultou foi pressão. Física, até. Tanto que o fórum, na medida de sua possibilidade, providenciou um modo também físico de atenuar a pressão, com um gradil.
Foi admirável que a defesa não cedesse à intimidação, da qual o advogado Roberto Podval e sua coadjuvante têm a consciência, só podem tê-la, de que os seus riscos de problemas não terminaram com o julgamento. E se o gradil, que não é exemplo de resistência, cedesse à fúria quando Podval concedia uma de suas entrevistas coletivas e abertas, nada teria ocorrido que não fosse o provável e o previsível.
Não ficou nem o mais sutil indício de que o julgamento, propriamente, deixasse de estar integral e permanentemente imune ao que se passou nas cercanias do fórum. Isso não diminui, porém, a conivência com a turba por parte dos que, só para as horas finais do quinto e último dia de julgamento, providenciaram a segurança policial devida. Segurança que não foi nesse momento, nem seria antes, só para os que entravam ou deixavam o fórum, mas também para as regras de direitos civis e direitos humanos que protegem o direito de defender tanto quanto o de ser defendido
Em torno do fórum tivemos uma visão de como ainda são compreendidos os direitos. E um pouco do potencial presente na maneira como são compreendidos.
JANIO DE FREITAS (FSP 30 de março 2010)Em torno do tribunalNas cercanias do fórum do julgamento Nardoni-Jatobá tivemos uma visão de como são compreendidos os direitos
AS CIRCUNSTÂNCIAS do julgamento Nardoni-Jatobá, embora não o julgamento propriamente, constituíram uma agressão aos direitos civis e aos direitos humanos que deveria servir como advertência ou, ao menos, motivo de muitas reflexões sobre suas fontes e seu significado. O que houve nas cercanias do fórum não foi só o que está considerado, a partir das raras vezes em que mereceu alguma consideração, como um descontrole emocional coletivo.
Durante cinco dias, familiares dos réus, que jamais perderam a compostura nos dois anos do seu sofrimento de inocentes, foram ferozmente assaltados por urros de "assassinos, bandidos, criminosos", e mais os palavrões de praxe.
Os advogados de defesa não se tornaram menos "assassinos, bandidos, criminosos" e, além dos palavrões de praxe, ainda "mercenários, vendidos, ladrões". A eles não foi suficiente entrarem por portões secundários: também precisaram usar um carro diferente a cada dia, para fugir à agressão física iniciada, logo em sua segunda chegada ao fórum, contra o equilíbrio profissional demonstrado pelo defensor Roberto Podval.
Tudo sob a indiferença das autoridades políticas e policiais, todas com pleno acesso às cenas, ao vivo e em vídeos, de dia e à noite, da obsessiva TV. Não importa se indiferença por ignorância do sentido tão claro do que ali se passava, em relação às leis de direitos civis do Estado democrático, tão claras, por sua vez, na Constituição e na legislação brasileiras; ou se indiferença feita de descaso e desleixo, do pior oportunismo, ou de contribuição deliberada à pressão sobre o julgamento em que a defesa questionava a eficiência policial. Em qualquer das hipóteses, o que resultou foi pressão. Física, até. Tanto que o fórum, na medida de sua possibilidade, providenciou um modo também físico de atenuar a pressão, com um gradil.
Foi admirável que a defesa não cedesse à intimidação, da qual o advogado Roberto Podval e sua coadjuvante têm a consciência, só podem tê-la, de que os seus riscos de problemas não terminaram com o julgamento. E se o gradil, que não é exemplo de resistência, cedesse à fúria quando Podval concedia uma de suas entrevistas coletivas e abertas, nada teria ocorrido que não fosse o provável e o previsível.
Não ficou nem o mais sutil indício de que o julgamento, propriamente, deixasse de estar integral e permanentemente imune ao que se passou nas cercanias do fórum. Isso não diminui, porém, a conivência com a turba por parte dos que, só para as horas finais do quinto e último dia de julgamento, providenciaram a segurança policial devida. Segurança que não foi nesse momento, nem seria antes, só para os que entravam ou deixavam o fórum, mas também para as regras de direitos civis e direitos humanos que protegem o direito de defender tanto quanto o de ser defendido
Em torno do fórum tivemos uma visão de como ainda são compreendidos os direitos. E um pouco do potencial presente na maneira como são compreendidos.
Visões de um julgamento: a falta de equilíbrio
A respeito da postagem "Humanos, não: monstros!", recebi este maravilhoso texto do comentarista Daniel Silveira, que assumo como minha posição oficial sobre o tema. Negritei os trechos que me pareceram mais relevantes:
Quando penso sobre esse caso apenas fico triste. Me parece ser um emblema do quanto precisamos refletir sobre um punhado de assuntos que não podem passar incólumes.
Em primeiro lugar: é evidente que a morte de um ser humano em tais condições, quanto mais uma criança, é repugnante sob qualquer perspectiva. Partindo da premissa de que os acusados realmente o fizeram, devem ser condenados a penalidades consideradas altas. Ponto final, ninguém discorda. Compreendo que os familiares dêem declarações emocionadas, clamando por uma justiça que lhes apaziguaria minimamente a dor que sentem. Bem entendido: se eu estivesse no lugar deles me sentiria assim e talvez não fosse tão tranqüilo. Realmente eles foram submetidos a uma grande tragédia que é perder um ente querido tão jovem. É natural sentir antipatia por quem consideramos culpados e simpatia com a dor de quem perde alguém que ama. Isso porque, talvez, nos coloquemos nessa situação e pensemos que jamais seriamos capazes de cometer um ato daquela natureza e que também nós nos sentiríamos arrasados em perder alguém que amamos. Compartilho tudo isso.
Esse caso, todavia, não se resume a tal abordagem. Faz surgir reflexamente diversos temas que estão entranhados em nosso pensamento que não temos tanta segurança em sustentar, digamos assim, de modo mais amplo. Falo especificamente da intervenção e poder de manipulação da grande mídia, da falta de sensibilidade e crítica das pessoas quanto aos eventos e envolvidos, quanto ao papel que se outorga às instituições em eventos como esse, para ficar nos três principais.
Da grande imprensa assusta a apropriação que faz desse tipo de tragédia, conduzindo-a aos extremos da investigação jornalística com sua leviandade. Desde o primeiro dia de cobertura que se fez desse caso já indicava a participação dos acusados com ares não admitidos de verdade irrefutável, quando os resultados de perícias, o contraditório, os discursos ainda não haviam sido completados. Pior, apelava ao sentimentalismo, mostrando imagens da vítima em vida e da dor de seus familiares maternos, elegendo a outra família, inclusive aqueles que não cometeram crimes, como inimigos. Com isso, a ávida busca por audiência, a falta de assuntos mais rentáveis, a pressão imposta/auto-imposta aos/pelos repórteres pelo furo jornalístico levou a matérias no mínimo irresponsáveis que pintou deliberadamente os inimigos da vez, aqueles contra quem devemos nos unir e defenestrar impiedosamente. Nossa imprensa tem muitos outros incentivos para agir diferentes da ética, assim como todos nós, por isso tem de ser, em qualquer circunstância, levada em conta de maneira crítica.
Mas a crítica não parece ser uma vocação muito apreciada em nossos dias. Não falo apenas das centenas de anônimos que compareceram às portas do fórum para tomar as dores da criança assassinada e, se possível, dar um tchauzinho para as câmeras, derramar uma lágrima ou gritar pelo linchamento dos acusados. Infelizmente, nesse diapasão, não me surpreende a tentativa de agressão ao advogado de defesa e de uma outra pessoa que foi ao local para pedir que os acusados não fossem prejulgados, o endeusamento do promotor do caso, o foguetório pela condenação dos acusados. As informações da grande mídia não são nem bem entendidas e muito menos criticadas.
Não é apenas a responsabilidade dos órgãos de imprensa toda essa comoção desgovernada e, hoje já extemporânea, diante dessa questão. O que me entristece mesmo é a capacidade que temos de criar uma barreira em direção a esses personagens, em desumanizá-los, a tratá-los como monstros, em fazer análises unidimensionais sobre essas pessoas como se personificassem o que entendemos como o mal. Não buscamos entender o que se passou e que pode levar alguém ou aquelas pessoas especificamente a agir como agiram. Simplesmente condenamos. Essa lógica pode ser perfeita para o jurista que compartilha do conceito de imputação kelseniano, em que a causalidade e desvinculada do ato para alcançar uma decisão, mas não se justifica em âmbitos mais amplos de argumentação nos quais as reais perguntas a responder são: O que devemos fazer com aquelas pessoas que cometeram esses crimes? O que podemos fazer para que isso não ocorra mais? Como devemos estruturar nossas instituições para tais casos? A tragédia não é só da menina morta e da família materna, mas dos acusados, ao que tudo indica, fracos de espírito, a família daquelas pessoas, às outras crianças envolvidas. Custa-me crer que só o que podemos pensar é em desaguar nossa raiva sobre aquelas pessoas e desejar que elas padeçam no inferno. Esse sentimento é justificado e tem prazo de validade. Dividir o mundo entre bons e maus é muito perigoso porque muito dificilmente conseguiremos argumentar uns com os outros, entender nossos semelhantes, afinal, se discordam de nós, os outros são sempre maus.
Por fim, é preciso ter cuidado quando usamos esses casos como base para pautar nossas instituições. O real teste de nossa moralidade é testar nossos princípios quando postos em dificuldades. O sistema penal é construído não para os monstros, mas para todas as pessoas, que serão julgadas pelos mesmos critérios, sendo necessário parcimônia, equilíbrio, discussão e crítica para estabelecê-los. Daí porque são corretas as decisões que declaram a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da lei de crimes hediondos, especialmente quanto a questão de progressão de regime, que violam o coração das condenações penais que é a reabilitação do indivíduo e não a vingança pública contra ele. Até entendo que a dramaturga vá a TV pedindo penas mais fortes para crimes do tipo que foram cometidos contra sua filha, ou que se busque um regime disciplinar diferenciado após os ataques do PCC em São Paulo alguns anos atrás, mas tomar essas decisões com base nos arroubos moralistas que essas situações despertam apenas depõe contra nossa própria moralidade.
Nossos sentimentos são importantes, mas não menos importantes são as decisões sobre o que devemos fazer com eles. Me entristece o fato de que, mesmo passados 2 anos do início desse drama, ainda tratemos desse caso como um mero linchamento de monstros, conferindo-lhe prosaicamente o nome de justiça. Da compreensão da complexidade das personalidades, da moral, das instituições, surge uma necessidade de revisitar velhas compreensões e nossos próprios sentimentos. No século XXI já deveríamos repudiar as fogueiras em praças públicas, deveríamos, em minha opinião, ser mais serenos no debate de nossos problemas.
Quando penso sobre esse caso apenas fico triste. Me parece ser um emblema do quanto precisamos refletir sobre um punhado de assuntos que não podem passar incólumes.
Em primeiro lugar: é evidente que a morte de um ser humano em tais condições, quanto mais uma criança, é repugnante sob qualquer perspectiva. Partindo da premissa de que os acusados realmente o fizeram, devem ser condenados a penalidades consideradas altas. Ponto final, ninguém discorda. Compreendo que os familiares dêem declarações emocionadas, clamando por uma justiça que lhes apaziguaria minimamente a dor que sentem. Bem entendido: se eu estivesse no lugar deles me sentiria assim e talvez não fosse tão tranqüilo. Realmente eles foram submetidos a uma grande tragédia que é perder um ente querido tão jovem. É natural sentir antipatia por quem consideramos culpados e simpatia com a dor de quem perde alguém que ama. Isso porque, talvez, nos coloquemos nessa situação e pensemos que jamais seriamos capazes de cometer um ato daquela natureza e que também nós nos sentiríamos arrasados em perder alguém que amamos. Compartilho tudo isso.
Esse caso, todavia, não se resume a tal abordagem. Faz surgir reflexamente diversos temas que estão entranhados em nosso pensamento que não temos tanta segurança em sustentar, digamos assim, de modo mais amplo. Falo especificamente da intervenção e poder de manipulação da grande mídia, da falta de sensibilidade e crítica das pessoas quanto aos eventos e envolvidos, quanto ao papel que se outorga às instituições em eventos como esse, para ficar nos três principais.
Da grande imprensa assusta a apropriação que faz desse tipo de tragédia, conduzindo-a aos extremos da investigação jornalística com sua leviandade. Desde o primeiro dia de cobertura que se fez desse caso já indicava a participação dos acusados com ares não admitidos de verdade irrefutável, quando os resultados de perícias, o contraditório, os discursos ainda não haviam sido completados. Pior, apelava ao sentimentalismo, mostrando imagens da vítima em vida e da dor de seus familiares maternos, elegendo a outra família, inclusive aqueles que não cometeram crimes, como inimigos. Com isso, a ávida busca por audiência, a falta de assuntos mais rentáveis, a pressão imposta/auto-imposta aos/pelos repórteres pelo furo jornalístico levou a matérias no mínimo irresponsáveis que pintou deliberadamente os inimigos da vez, aqueles contra quem devemos nos unir e defenestrar impiedosamente. Nossa imprensa tem muitos outros incentivos para agir diferentes da ética, assim como todos nós, por isso tem de ser, em qualquer circunstância, levada em conta de maneira crítica.
Mas a crítica não parece ser uma vocação muito apreciada em nossos dias. Não falo apenas das centenas de anônimos que compareceram às portas do fórum para tomar as dores da criança assassinada e, se possível, dar um tchauzinho para as câmeras, derramar uma lágrima ou gritar pelo linchamento dos acusados. Infelizmente, nesse diapasão, não me surpreende a tentativa de agressão ao advogado de defesa e de uma outra pessoa que foi ao local para pedir que os acusados não fossem prejulgados, o endeusamento do promotor do caso, o foguetório pela condenação dos acusados. As informações da grande mídia não são nem bem entendidas e muito menos criticadas.
Não é apenas a responsabilidade dos órgãos de imprensa toda essa comoção desgovernada e, hoje já extemporânea, diante dessa questão. O que me entristece mesmo é a capacidade que temos de criar uma barreira em direção a esses personagens, em desumanizá-los, a tratá-los como monstros, em fazer análises unidimensionais sobre essas pessoas como se personificassem o que entendemos como o mal. Não buscamos entender o que se passou e que pode levar alguém ou aquelas pessoas especificamente a agir como agiram. Simplesmente condenamos. Essa lógica pode ser perfeita para o jurista que compartilha do conceito de imputação kelseniano, em que a causalidade e desvinculada do ato para alcançar uma decisão, mas não se justifica em âmbitos mais amplos de argumentação nos quais as reais perguntas a responder são: O que devemos fazer com aquelas pessoas que cometeram esses crimes? O que podemos fazer para que isso não ocorra mais? Como devemos estruturar nossas instituições para tais casos? A tragédia não é só da menina morta e da família materna, mas dos acusados, ao que tudo indica, fracos de espírito, a família daquelas pessoas, às outras crianças envolvidas. Custa-me crer que só o que podemos pensar é em desaguar nossa raiva sobre aquelas pessoas e desejar que elas padeçam no inferno. Esse sentimento é justificado e tem prazo de validade. Dividir o mundo entre bons e maus é muito perigoso porque muito dificilmente conseguiremos argumentar uns com os outros, entender nossos semelhantes, afinal, se discordam de nós, os outros são sempre maus.
Por fim, é preciso ter cuidado quando usamos esses casos como base para pautar nossas instituições. O real teste de nossa moralidade é testar nossos princípios quando postos em dificuldades. O sistema penal é construído não para os monstros, mas para todas as pessoas, que serão julgadas pelos mesmos critérios, sendo necessário parcimônia, equilíbrio, discussão e crítica para estabelecê-los. Daí porque são corretas as decisões que declaram a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da lei de crimes hediondos, especialmente quanto a questão de progressão de regime, que violam o coração das condenações penais que é a reabilitação do indivíduo e não a vingança pública contra ele. Até entendo que a dramaturga vá a TV pedindo penas mais fortes para crimes do tipo que foram cometidos contra sua filha, ou que se busque um regime disciplinar diferenciado após os ataques do PCC em São Paulo alguns anos atrás, mas tomar essas decisões com base nos arroubos moralistas que essas situações despertam apenas depõe contra nossa própria moralidade.
Nossos sentimentos são importantes, mas não menos importantes são as decisões sobre o que devemos fazer com eles. Me entristece o fato de que, mesmo passados 2 anos do início desse drama, ainda tratemos desse caso como um mero linchamento de monstros, conferindo-lhe prosaicamente o nome de justiça. Da compreensão da complexidade das personalidades, da moral, das instituições, surge uma necessidade de revisitar velhas compreensões e nossos próprios sentimentos. No século XXI já deveríamos repudiar as fogueiras em praças públicas, deveríamos, em minha opinião, ser mais serenos no debate de nossos problemas.
terça-feira, 30 de março de 2010
Controvérsias poéticas
O comentarista Artur Dias, a respeito da postagem "Cinquentenário do poeta", registrou a sua crítica:
Um exame mais atento das letras do Renato Russo esfriam rapidamente o ímpeto de classificá-lo como "gênio". Pelo menos eu, já no fim dos anos 80, não entendia como o Renato Russo podia criar tanta rima pobre, tropeçar tanto no português e não ser criticado por isso. Dentro de sua moldura de classe média sim, ele tem méritos, ao fazer leituras dos conflitos familiares e expressar as angústias juvenis, mas nada além disso. É só comparar com o Cazuza: ele tinha plena consciência da sua condição de pequeno-burguês, e isto sim, era motivo dos maiores sarros. Acho que o Cazuza só deu uma escorregadela quando achou de cantar Bossa-Nova, o que, felizmente, não durou.
Minha resposta a ele:
Caríssimo Artur, no exercício do mais lídimo contraditório, permite que eu te diga que a tua crítica se baseia mais na forma do que no conteúdo. Tu criticas o Renato porque ele "tropeçava no português" e usava rimas pobres. Mas quem disse que isso suprimia a sua genialidade?
O cara era filho do punk rock. O que se podia esperar dele? Composições parnasianas? Ao contrário. Ele mesmo disse:
Eu canto em português errado
Acho que o imperfeito
Não participa do passado
Troco as pessoas
Troco os pronomes
Não acho que era uma desculpa esfarrapada para justificar as próprias limitações. Renato era um sujeito culto, do tipo que lia clássicos. Mas pertenceu a um tempo em que a ordem era protestar e desconstruir. Daí porque o português algo titubeante e as rimas pobres que, por sinal, são um recurso estilístico bastante comum a partir do Modernismo.
Eu te proponho uma outra leitura: que tal procurar o lirismo, a profundidade emocional e as imagens poéticas valiosas que ele construiu?
Um exemplo de cada:
Lirismo
Não sou escravo de ninguém
Ninguém é senhor do meu domínio
Sei o que devo defender
E por valor eu tenho
E temo o que agora se desfaz
Profundidade emocional
Agora está tão longe
Vê, a linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos na mesma direção
Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim?
Detalhe: o "aonde" está mal empregado.
Imagens poéticas
Será que você vai saber
O quanto penso em você com o meu coração?
Se não bastasse tudo isso, devemos lembrar os constantes apelos do poeta a que fizéssemos alguma coisa por nossos sentimentos, por nossas vidas, para que pudéssemos ser mais felizes. Isso não é digno de valor?E você, acha o quê?
PS — Os excertos transcritos pertencem, respectivamente, às canções "Meninos e meninas", "Metal contra as nuvens", "Vento no litoral" e "O descobrimento do Brasil".
PS2 — É interessante como sempre comparam Renato Russo a Cazuza. Mas Cazuza era um farsante: dizia odiar a burguesia, mas era um filhinho de papai que adorava se locupletar do estilo de vida que criticava. Não fosse o talento musical, seria um sujeito vazio. O Artur diz que ele tirava um sarro disso. Eu vejo como cinismo. E acho que o interesse dele pela bossa nova foi positivo. Questão de gosto?
Um exame mais atento das letras do Renato Russo esfriam rapidamente o ímpeto de classificá-lo como "gênio". Pelo menos eu, já no fim dos anos 80, não entendia como o Renato Russo podia criar tanta rima pobre, tropeçar tanto no português e não ser criticado por isso. Dentro de sua moldura de classe média sim, ele tem méritos, ao fazer leituras dos conflitos familiares e expressar as angústias juvenis, mas nada além disso. É só comparar com o Cazuza: ele tinha plena consciência da sua condição de pequeno-burguês, e isto sim, era motivo dos maiores sarros. Acho que o Cazuza só deu uma escorregadela quando achou de cantar Bossa-Nova, o que, felizmente, não durou.
Minha resposta a ele:
Caríssimo Artur, no exercício do mais lídimo contraditório, permite que eu te diga que a tua crítica se baseia mais na forma do que no conteúdo. Tu criticas o Renato porque ele "tropeçava no português" e usava rimas pobres. Mas quem disse que isso suprimia a sua genialidade?
O cara era filho do punk rock. O que se podia esperar dele? Composições parnasianas? Ao contrário. Ele mesmo disse:
Eu canto em português errado
Acho que o imperfeito
Não participa do passado
Troco as pessoas
Troco os pronomes
Não acho que era uma desculpa esfarrapada para justificar as próprias limitações. Renato era um sujeito culto, do tipo que lia clássicos. Mas pertenceu a um tempo em que a ordem era protestar e desconstruir. Daí porque o português algo titubeante e as rimas pobres que, por sinal, são um recurso estilístico bastante comum a partir do Modernismo.
Eu te proponho uma outra leitura: que tal procurar o lirismo, a profundidade emocional e as imagens poéticas valiosas que ele construiu?
Um exemplo de cada:
Lirismo
Não sou escravo de ninguém
Ninguém é senhor do meu domínio
Sei o que devo defender
E por valor eu tenho
E temo o que agora se desfaz
Profundidade emocional
Agora está tão longe
Vê, a linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos na mesma direção
Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim?
Detalhe: o "aonde" está mal empregado.
Imagens poéticas
Será que você vai saber
O quanto penso em você com o meu coração?
Se não bastasse tudo isso, devemos lembrar os constantes apelos do poeta a que fizéssemos alguma coisa por nossos sentimentos, por nossas vidas, para que pudéssemos ser mais felizes. Isso não é digno de valor?E você, acha o quê?
PS — Os excertos transcritos pertencem, respectivamente, às canções "Meninos e meninas", "Metal contra as nuvens", "Vento no litoral" e "O descobrimento do Brasil".
PS2 — É interessante como sempre comparam Renato Russo a Cazuza. Mas Cazuza era um farsante: dizia odiar a burguesia, mas era um filhinho de papai que adorava se locupletar do estilo de vida que criticava. Não fosse o talento musical, seria um sujeito vazio. O Artur diz que ele tirava um sarro disso. Eu vejo como cinismo. E acho que o interesse dele pela bossa nova foi positivo. Questão de gosto?
Pena de morte no mundo em 2009
A Anistia Internacional, maior organização de defesa de direitos humanos do mundo, divulga nesta terça-feira (30/3), seu relatório anual sobre pena de morte. O dossiê indica que, em 2009, 714 pessoas receberam a pena capital em 18 países, e que pelo menos 2001 pessoas foram executadas em 56 países. “Convocamos a que a China torne público os seus números, porque nosso levantamento não inclui as centenas de execuções perpetradas na China, onde os dados sobre pena de morte continuam sob segredo de estado”, diz o relatório. Como represália a este silêncio chinês, a Anistia resolveu excluir do dossiê os dados que apurou, parcialmente, naquele país — sabedora de que seriam irreais.
Depois da China o país que mais executou condenados, segundo o relatório, foi o Irã, com pelo menos 388 execuções, seguido do Iraque, com 120 casos, depois a Arábia Saudita, com 69 execuções, e finalmente, em quinto lugar, os Estados Unidos, com 52 casos.
O recorde de execuções em menor espaço de tempo foi para o Irã, com 113 casos em apenas oito semanas, aquelas situadas entre as eleições presidenciais de 12 de junho e a data em que o presidente Mahmoud Ahmadinejad tomou posse em seu segundo mandato, em 5 de agosto.
Em 2009, dois países aboliram a pena capital: Burundi e Togo, o que eleva para 95 o número de nações que abominam a pena de morte. Na Europa, onde não ocorreram execuções em 2009, apenas Belarus mantém a pena capital.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2010-mar-29/2009-714-pessoas-foram-condenadas-pena-morte, onde você encontra um link para ler a íntegra do relatório da Anistia Internacional, em inglês.
Depois da China o país que mais executou condenados, segundo o relatório, foi o Irã, com pelo menos 388 execuções, seguido do Iraque, com 120 casos, depois a Arábia Saudita, com 69 execuções, e finalmente, em quinto lugar, os Estados Unidos, com 52 casos.
O recorde de execuções em menor espaço de tempo foi para o Irã, com 113 casos em apenas oito semanas, aquelas situadas entre as eleições presidenciais de 12 de junho e a data em que o presidente Mahmoud Ahmadinejad tomou posse em seu segundo mandato, em 5 de agosto.
Em 2009, dois países aboliram a pena capital: Burundi e Togo, o que eleva para 95 o número de nações que abominam a pena de morte. Na Europa, onde não ocorreram execuções em 2009, apenas Belarus mantém a pena capital.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2010-mar-29/2009-714-pessoas-foram-condenadas-pena-morte, onde você encontra um link para ler a íntegra do relatório da Anistia Internacional, em inglês.
Nos primórdios da obsessão midiática brasileira pelo crime
Pelo visto, vou virar freguês do Domisteco, Fernandel. Pelo segundo dia consecutivo, indico uma postagem de lá. Desta vez, trata-se de um caso criminal sempre citado em minhas aulas, o assassinato da atriz global Daniella Perez por seu colega de elenco, Guilherme de Pádua, e a esposa deste, Paula Thomaz. Ele pode ser considerado um precursor, no Brasil pós-redemocratização, da obsessão midiática por explorar o mundo-cão e criar vilões perpétuos no imaginário coletivo.
Antes de prosseguir, leia aqui.
Minhas considerações:
1. O termo "bobagem" utilizado por Pádua para se referir ao homicídio não deve, necessariamente, ser encarado como cinismo. Apesar de infeliz e reducionista, o vocábulo pode exprimir a dificuldade que ele mesmo tem de encarar o seu pecado. Seja por convicção própria, seja pelas consequências sociais do crime, ninguém quer ser reconhecido o resto da vida como assassino. A "bobagem" pode ser uma forma inconsciente de suportar os próprios dilemas íntimos.
2. Ambos os réus foram condenados a 19 anos de reclusão, mas Paula Thomaz conseguiu, através de recurso, a redução de sua pena, salvo engano para 17 anos. Ao tempo em que o crime foi cometido — 29.12.1992 —, já existia a Lei de Crimes Hediondos, porém esta, em sua redação original, não alcançava o tipo de homicídio. Somente através da Lei n. 8.930, de 6.9.1994, tornou-se hediondo o crime de homicídio, "quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado". Trata-se do único caso de lei de iniciativa popular em matéria penal que efetivamente entrou no ordenamento jurídico brasileiro.
3. O crime que mudou a Lei de Crimes Hediondos não foi alcançado pelas mudanças nela, devido ao princípio constitucional que veda a retroatividade da lei mais gravosa. Graças a isso, os condenados puderam progredir de regime e acabaram obtendo — a duras penas, porque foi preciso enfrentar a opinião pública, tendo à frente a Rede Globo e sua contratada, Glória Perez — o livramento condicional, após cumprirem mais de um terço da pena.
Honestamente, achei lúcida a explicação de Pádua sobre considerar-se um assassino. Cada um se agarra no que quer. E se defende como pode.
Antes de prosseguir, leia aqui.
Minhas considerações:
1. O termo "bobagem" utilizado por Pádua para se referir ao homicídio não deve, necessariamente, ser encarado como cinismo. Apesar de infeliz e reducionista, o vocábulo pode exprimir a dificuldade que ele mesmo tem de encarar o seu pecado. Seja por convicção própria, seja pelas consequências sociais do crime, ninguém quer ser reconhecido o resto da vida como assassino. A "bobagem" pode ser uma forma inconsciente de suportar os próprios dilemas íntimos.
2. Ambos os réus foram condenados a 19 anos de reclusão, mas Paula Thomaz conseguiu, através de recurso, a redução de sua pena, salvo engano para 17 anos. Ao tempo em que o crime foi cometido — 29.12.1992 —, já existia a Lei de Crimes Hediondos, porém esta, em sua redação original, não alcançava o tipo de homicídio. Somente através da Lei n. 8.930, de 6.9.1994, tornou-se hediondo o crime de homicídio, "quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado". Trata-se do único caso de lei de iniciativa popular em matéria penal que efetivamente entrou no ordenamento jurídico brasileiro.
3. O crime que mudou a Lei de Crimes Hediondos não foi alcançado pelas mudanças nela, devido ao princípio constitucional que veda a retroatividade da lei mais gravosa. Graças a isso, os condenados puderam progredir de regime e acabaram obtendo — a duras penas, porque foi preciso enfrentar a opinião pública, tendo à frente a Rede Globo e sua contratada, Glória Perez — o livramento condicional, após cumprirem mais de um terço da pena.
Honestamente, achei lúcida a explicação de Pádua sobre considerar-se um assassino. Cada um se agarra no que quer. E se defende como pode.
segunda-feira, 29 de março de 2010
Irena
A adorável velhinha que você vê nesta fotografia foi muito mais do que adorável. No cenário dantesco da II Guerra Mundial, ela contabilizou o salvamento de 2.500 crianças. Conheça sua história no Domisteco, Fernandel.
sábado, 27 de março de 2010
Humanos, não: monstros!
É impressionante como, durante toda a cobertura do caso Isabella Nardoni, a imprensa não aludiu nenhuma vez, e sob nenhuma perspectiva, ao fato de Alexandre e Anna Carolina serem pais de duas crianças. Já mencionei isto aqui no blog, mas hoje outras pessoas comentaram o aspecto, que passa despercebido à generalidade das pessoas.
Arrisco minhas explicações. Em relação ao público em geral, eles não são lembrados como pais talvez como uma punição pelo fato de terem traído os deveres da paternidade e da maternidade. Já no que respeita à mídia, lembrar a existência dos dois meninos poderia humanizar o casal. E eles não podem ser humanizados, já que precisam ser vistos e vendidos como monstros. Para construir essa imagem, não se lhes pode atribuir nenhuma relação com características próprias da humanidade. Eles são seres sem família, sem história e sem espaço. Assim fica fácil odiar.
Arrisco minhas explicações. Em relação ao público em geral, eles não são lembrados como pais talvez como uma punição pelo fato de terem traído os deveres da paternidade e da maternidade. Já no que respeita à mídia, lembrar a existência dos dois meninos poderia humanizar o casal. E eles não podem ser humanizados, já que precisam ser vistos e vendidos como monstros. Para construir essa imagem, não se lhes pode atribuir nenhuma relação com características próprias da humanidade. Eles são seres sem família, sem história e sem espaço. Assim fica fácil odiar.
Cinquentenário do poeta
27.3.1960 - 11.10.1996
Todos nós sempre precisamos de um pouco de atenção.
Todos nós temos, em alguma medida, essa necessidade de provar para todo mundo que não precisamos provar nada para ninguém.
E, enfim, todos queremos ser felizes, ao menos.
Por tudo isso Renato Russo, que hoje teria completado 50 anos de idade, foi o maior compositor da música brasileira em sua geração. E como uma geração é um intervalo de 25 anos, também da minha. Por isso, adoradores de Chico Buarque, não me queiram mal. Mas as palavras que saíram de seu coração e de sua pena nunca foram sequer igualadas. Como lamento aquelas que nunca chegaram a ser ditas!
Precedentes: "Os bons morrem antes", caso do próprio Renato; "Mais uma vez"; "Renato Russo".
A esperada condenação
Cedendo ao apelo midiático e a despeito de ter enfrentado uma semana penosa, particularmente os últimos dois dias, abstraí a necessidade de dormir e senti que precisava aguardar a divulgação da sentença do caso Isabella. Quase uma hora da manhã deste sábado, foi liberado o áudio por meio do qual acompanhamos um longo e variado agradecimento do juiz Maurício Fossen para, em seguida, escutarmos a leitura da sentença propriamente dita.
Depois do preâmbulo, não demora muito para uma pessoa acostumada à línguagem jurídica compreender que o veredito fora pela condenação. O juiz não usa nenhuma expressão como "condeno os réus", por isso o povo nas ruas — era o que a TV mostrava, no momento — permaneceu na expectativa até que, a certa altura, quando se anunciou que a pena seria calculada, foi exibida a reação popular, com gritos, choro e até fogos de artifício! Felizmente, nenhuma confusão, só a previsível imprecação contra as viaturas que conduziram os condenados de volta às penitenciárias de Tremembé.
O chefe da equipe de defesa, advogado Roberto Podval, saiu sem falar à imprensa. Compreensível. Estava exausto e, depois de ser chutado por um manifestante, há uns dois dias, merecia poupar-se de maiores hostilidades. Falaria às paredes, então o melhor mesmo era que fosse embora, depois de cumprir, como um bom cavalheiro que é, o dever de cumprimentar o promotor de justiça pela sucesso na causa.
Mas Francisco Cembranelli, o promotor, concedeu uma coletiva. Depois de ser glorificado pela mídia como um promotor com 20 anos de atividade e quase mil júris realizados, saiu do fórum com uma altivez enorme, sem disfarçar o tamanho de seu triunfo. Direito dele. Mas me pareceu algo cabotino ele destacar o próprio esforço, a própria segurança e vocação, sem aludir uma única vez ao trabalho dos peritos, que me parece ter sido o decisivo para a formação do convencimento de todos. E depois de se elogiar três vezes, encerrar abruptamente a entrevista, alegando que a garganta pedia repouso. Mas o fato é que qualquer um se sentiria o máximo após uma vitória dessas, mesmo ela sendo tão esperada.
Ah, sim, só para constar: eu realmente acredito que a tese sustentada pela acusação é a verdadeira e que a condenação, inclusive quanto às penas impostas, foi justa.
Adiante, farei algumas considerações sobre a dosimetria das penas impostas aos réus, porque estou tratando desse assunto com meus alunos de Penal II justamente agora e será interessante explicar o tema usando como referência o caso do momento. Penso que há senões técnicos na sentença, que merecem algum esclarecimento ou até correção. Se bem que isso não deveria conduzir a penas menores porque, no final das contas, os montantes impostos foram proporcionais ao delito perpetrado. Também pretendo escrever algo sobre a possibilidade de progressão de regime e de liberdade condicional dos condenados, que também são assuntos estudados em Penal II.
No mais, é interessante ver todos os jornais explicando tecnicalidades jurídicas ao grande público. Normalmente, só escutamos essas coisas interna corporis ou, quando fora, as informações costumam ver incorretas ou deturpadas. Pode ser que isso ajude o brasileiro comum a perceber que conhecer o Direito é essencial para a vida de todos.
sexta-feira, 26 de março de 2010
Necessidade de intervir
O julgamento criminal mais rumoroso do país se aproxima de seu final. Neste momento, o promotor de justiça profere a sua réplica. E à medida que o tempo passa, a polícia se prepara para a possibilidade de o veredito gerar caos. Bem entendido, se os réus forem absolvidos porque, se condenados, espera-se festa.
Situações como essa mostram que o brasileiro não está preparado para o exercício da democracia. Não sabe conviver com as eleições, não sabe conviver com as demandas judiciais. Age por paixão, de modo irrefletido, e se contrariado em suas preferências, dispara que houve corrupção, safadeza, injustiça. Não consegue lidar com a frustração, como uma criancinha mimada.
Assim, se Nardoni e Jatobá forem absolvidos, o mundo pode vir abaixo, porque o brasileiro não consegue entender que o tribunal do júri é isso: uma decisão soberana da própria comunidade, legítima e respeitável, qualquer que ela seja.
Também é o caso de perguntar: precisamos mesmo de tantas manifestações, cartazes, performances? Precisamos de tantas pessoas na porta do fórum, aguardando o veredito como se fosse um assunto próprio? Tudo bem que o engajamento social é uma virtude, mas não estarão esses indivíduos apenas dando vazão à emotividade que a mídia provoca, através da superexposição do caso?
Em suma, o brasileiro sabe ser cidadão, quando decide sê-lo?
Situações como essa mostram que o brasileiro não está preparado para o exercício da democracia. Não sabe conviver com as eleições, não sabe conviver com as demandas judiciais. Age por paixão, de modo irrefletido, e se contrariado em suas preferências, dispara que houve corrupção, safadeza, injustiça. Não consegue lidar com a frustração, como uma criancinha mimada.
Assim, se Nardoni e Jatobá forem absolvidos, o mundo pode vir abaixo, porque o brasileiro não consegue entender que o tribunal do júri é isso: uma decisão soberana da própria comunidade, legítima e respeitável, qualquer que ela seja.
Também é o caso de perguntar: precisamos mesmo de tantas manifestações, cartazes, performances? Precisamos de tantas pessoas na porta do fórum, aguardando o veredito como se fosse um assunto próprio? Tudo bem que o engajamento social é uma virtude, mas não estarão esses indivíduos apenas dando vazão à emotividade que a mídia provoca, através da superexposição do caso?
Em suma, o brasileiro sabe ser cidadão, quando decide sê-lo?
O que fazer com as crianças?
Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá tornaram-se os personagens mais odiados do país, conseguindo desbancar a parricida Suzane von Richthofen, que foi menos execrada, e figuras sombrias como Fernandinho Beira-Mar e übercriminosos do gênero, que não gozam do mesmo apelo midiático. Sintoma de que mexer com criança e pertencer à classe média, pouco dada a conviver com crimes escandalosamente violentos, faz toda a diferença.
Em meio a todo o carnaval montado pela grande imprensa, dois seres humanos têm sido ignorados: dois meninos, com menos de cinco e de três anos, respectivamente, que carregam o sobrenome Jatobá Nardoni e que precisarão carregar esse estigma pelo resto de suas vidas, notadamente pelos próximos anos, enfrentando o sempre complexo ambiente escolar. Esses dois meninos perderam a irmã, o pai, a mãe e a vida que conheciam. Mudaram de casa, de referências imediatas e, com certeza, vivem cercados de cuidados diferentes das demais crianças. E assim continuará a ser, caso se confirme a condenação dos pais. É um fardo imenso para eles.
Que danos isso provocará sobre eles? Que homens eles serão, crescendo nesse ambiente social desfavorável?
Em meio a todo o carnaval montado pela grande imprensa, dois seres humanos têm sido ignorados: dois meninos, com menos de cinco e de três anos, respectivamente, que carregam o sobrenome Jatobá Nardoni e que precisarão carregar esse estigma pelo resto de suas vidas, notadamente pelos próximos anos, enfrentando o sempre complexo ambiente escolar. Esses dois meninos perderam a irmã, o pai, a mãe e a vida que conheciam. Mudaram de casa, de referências imediatas e, com certeza, vivem cercados de cuidados diferentes das demais crianças. E assim continuará a ser, caso se confirme a condenação dos pais. É um fardo imenso para eles.
Que danos isso provocará sobre eles? Que homens eles serão, crescendo nesse ambiente social desfavorável?
Dia de veredito
A Lei n. 11.689, de 2008, que alterou a processualística do tribunal do júri, tinha uma finalidade clara: aumentar as prerrogativas da defesa. Para tanto, se antes os trabalhos da instrução plenária começavam com o interrogatório do réu, agora este é o último ato a ser realizado. Assim, quando se pronuncia, o réu, diretamente e através de seu defensor, já tem conhecimento de tudo quanto foi produzido de provas, não correndo o risco de ser surpreendido com alguma providência tomada posteriormente.
Com o término do depoimento de Anna Carolina Jatobá, quase às 22 horas de ontem, encerrou-se a instrução do mais rumoroso julgamento criminal da história recente do país. Salvo surpresas — o júri está sempre pronto para elas —, a sessão hoje começará com os debates, a parte mais importante do julgamento, porque é nela que as partes farão o trabalho direto de convencer os jurados, sintetizando todo o processo, analisando as provas e sustentando as suas teses. É o momento de espancar as dúvidas e direcionar o pensamento dos juízes de fato.
Acusação e defesa têm uma hora e meia para falar, cada uma. Havendo réplica e tréplica (o normal é haver), mais uma hora para cada. Ou seja, se a sessão não começar com mais um atraso enorme, é possível que esta etapa esteja concluída antes do intervalo do almoço. De todo modo, a expectativa é que esta tarde conheçamos o veredito.
Continuo apostando na condenação, com folga.
Com o término do depoimento de Anna Carolina Jatobá, quase às 22 horas de ontem, encerrou-se a instrução do mais rumoroso julgamento criminal da história recente do país. Salvo surpresas — o júri está sempre pronto para elas —, a sessão hoje começará com os debates, a parte mais importante do julgamento, porque é nela que as partes farão o trabalho direto de convencer os jurados, sintetizando todo o processo, analisando as provas e sustentando as suas teses. É o momento de espancar as dúvidas e direcionar o pensamento dos juízes de fato.
Acusação e defesa têm uma hora e meia para falar, cada uma. Havendo réplica e tréplica (o normal é haver), mais uma hora para cada. Ou seja, se a sessão não começar com mais um atraso enorme, é possível que esta etapa esteja concluída antes do intervalo do almoço. De todo modo, a expectativa é que esta tarde conheçamos o veredito.
Continuo apostando na condenação, com folga.
quinta-feira, 25 de março de 2010
Até estranhei
O DETRAN-Pará nunca foi referência positiva em coisa alguma. Contudo, uma coisa é certa: o elemento humano faz toda a diferença. Precisei de um pequeno serviço hoje e fui atendido com rapidez e cortesia.
O primeiro servidor, que autorizou minha entrada, recebeu-me com um sorriso e um caloroso bom dia. O segundo apertou minha mão, explicou o que ia fazer e me pediu para aguardar "só um momentinho". E um momentinho depois eu estava de volta à rua, com o meu assunto resolvido, satisfeito como raramente ficamos nós, usuários de serviços públicos.
Como sempre digo, o que é ruim deve ser denunciado. O que é bom deve ser reconhecido e homenageado.
O primeiro servidor, que autorizou minha entrada, recebeu-me com um sorriso e um caloroso bom dia. O segundo apertou minha mão, explicou o que ia fazer e me pediu para aguardar "só um momentinho". E um momentinho depois eu estava de volta à rua, com o meu assunto resolvido, satisfeito como raramente ficamos nós, usuários de serviços públicos.
Como sempre digo, o que é ruim deve ser denunciado. O que é bom deve ser reconhecido e homenageado.
A AIDS segundo a Globo
O Ministério Público Federal em São Paulo entrou com ação, nesta quarta-feira (24/3), para tentar obrigar a Rede Globo a exibir, durante o programa BBB 10, um esclarecimento à população sobre as formas de contágio do vírus HIV, conforme definidas pelo Ministério da Saúde. No dia 2 de fevereiro, o participante do reality show, Marcelo Dourado disse que um homem portador do vírus da AIDS “em algum momento teve relação com outro homem”. Dourado disse, ainda, que “hetero não pega Aids”, que obteve a informação com médicos, e conclui: “Um homem transmite para outro homem, mas uma mulher não passa para o homem”.
Na Ação Cautelar preparatória de Ação Civil Pública, com pedido de liminar, o procurador regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Jefferson Aparecido Dias disse que a emissora acabou “prestando um desserviço para a prevenção da Aids no Brasil”. A declaração de Dourado foi feita no dia 2 de fevereiro, mas foi ao ar para o grande público na edição dos melhores momentos da semana, em 9 de fevereiro.Leia o restante da matéria aqui.
Se a ação for julgada procedente, finalmente veremos alguma coisa útil ser dita no Big Brother Brasil. Pela primeira vez em dez edições.
Na Ação Cautelar preparatória de Ação Civil Pública, com pedido de liminar, o procurador regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Jefferson Aparecido Dias disse que a emissora acabou “prestando um desserviço para a prevenção da Aids no Brasil”. A declaração de Dourado foi feita no dia 2 de fevereiro, mas foi ao ar para o grande público na edição dos melhores momentos da semana, em 9 de fevereiro.Leia o restante da matéria aqui.
Se a ação for julgada procedente, finalmente veremos alguma coisa útil ser dita no Big Brother Brasil. Pela primeira vez em dez edições.
quarta-feira, 24 de março de 2010
Está chegando a hora da escola
Uma das maiores preocupações que tenho na vida está se avizinhando. Refiro-me ao momento em que minha filha Júlia irá para a escola. Atualmente, ela tem um ano e sete meses, idade em que alguns pais — francamente! — já empurram seus bebês (sim, porque são apenas bebês) para mãos alheias, movidos seja pela necessidade, já que é uma dureza compatibilizar a tarefa educacional com nossas obrigações profissionais, seja pelo desejo mais ou menos inconsciente de se isentar da responsabilidade.
Eu e minha esposa jamais quisemos colocar nossa filha na escola muito cedo. Nesta fase, a principal função da escola é promover a socialização. Felizmente, Júlia é bastante desinibida e comunicativa, fala muito bem para a idade, é inteligente e curiosa. A escola seria uma alternativa para suprir deficiências nesse campo, mas não nos parece necessário por enquanto. Ela iniciará sua vida escolar somente no próximo ano, aos dois anos e cinco meses.
Ao longo deste ano de 2010, visitaremos as escolas que nos parecem viáveis, para termos tempo de sobra para uma tomada de decisão. Esta não é uma decisão fácil, pois dela depende a vida futura de uma criança. Isto não é drama nem exagero. É nos primeiros passos que fixaremos, na mente da criança, a sua relação com a escola, o gosto pelo estudo, o modo de interagir com professores e colegas, bem como teremos a oportunidade de estabelecer os valores que desejamos sejam por ela assimilados. Tolo é quem subestima o papel da escola nesta quadra da vida.
Desde que Júlia nasceu temos conversado com amigos mais experientes, escutado suas histórias sobre as escolas dos filhos, algumas boas, a maioria absurdas. Escolas irresponsáveis, professores malucos, foco no lucro e não na educação, metodologias deturpadas, além de alunos e pais repletos de preconceitos, valores invertidos e egocentrismo: essa tem sido a tônica. Por isso, há escolas que nem sequer visitaremos, pois já sabemos, de antemão, que não podem nos oferecer o que buscamos. E eu me refiro a escolas cantadas em prosa e verso como o que há de melhor na cidade.
Por enquanto, nada de nomes, para não ser acusado de leviano. Mas à medida que eu visite os estabelecimentos, que veja a coisa funcionando com meus próprios olhos, voltarei a escrever a respeito. E os nomes aparecerão. Afinal, vejo nisso um serviço de utilidade pública, para todos aqueles que, como nós, precisam cumprir uma das maiores tarefas que temos na vida.
Eu e minha esposa jamais quisemos colocar nossa filha na escola muito cedo. Nesta fase, a principal função da escola é promover a socialização. Felizmente, Júlia é bastante desinibida e comunicativa, fala muito bem para a idade, é inteligente e curiosa. A escola seria uma alternativa para suprir deficiências nesse campo, mas não nos parece necessário por enquanto. Ela iniciará sua vida escolar somente no próximo ano, aos dois anos e cinco meses.
Ao longo deste ano de 2010, visitaremos as escolas que nos parecem viáveis, para termos tempo de sobra para uma tomada de decisão. Esta não é uma decisão fácil, pois dela depende a vida futura de uma criança. Isto não é drama nem exagero. É nos primeiros passos que fixaremos, na mente da criança, a sua relação com a escola, o gosto pelo estudo, o modo de interagir com professores e colegas, bem como teremos a oportunidade de estabelecer os valores que desejamos sejam por ela assimilados. Tolo é quem subestima o papel da escola nesta quadra da vida.
Desde que Júlia nasceu temos conversado com amigos mais experientes, escutado suas histórias sobre as escolas dos filhos, algumas boas, a maioria absurdas. Escolas irresponsáveis, professores malucos, foco no lucro e não na educação, metodologias deturpadas, além de alunos e pais repletos de preconceitos, valores invertidos e egocentrismo: essa tem sido a tônica. Por isso, há escolas que nem sequer visitaremos, pois já sabemos, de antemão, que não podem nos oferecer o que buscamos. E eu me refiro a escolas cantadas em prosa e verso como o que há de melhor na cidade.
Por enquanto, nada de nomes, para não ser acusado de leviano. Mas à medida que eu visite os estabelecimentos, que veja a coisa funcionando com meus próprios olhos, voltarei a escrever a respeito. E os nomes aparecerão. Afinal, vejo nisso um serviço de utilidade pública, para todos aqueles que, como nós, precisam cumprir uma das maiores tarefas que temos na vida.
Dia nebuloso
Se você puder evitar, não saia de casa hoje ou fique bem quieto no seu local de trabalho: Belém vai parar. Não é por causa da chuva, não. Ela caiu logo cedo e durou apenas alguns minutos. Pode voltar, considerando que o dia está bastante nublado, mas ela não é o problema. Recomendo que evite as ruas porque o trânsito ficará infernal e há risco de conflitos.
Trafegando pela Av. Júlio César, observei caminhões-guincho recolhendo três vans, o famoso transporte clandestino. Mais adiante, em plena Almirante Barroso, uma arapuca armada: quando as vans passam em frente à Praça São Cristóvão, são paradas. Além de viaturas da CTBel, avistei uma da Polícia Militar (Grupo de Ações Táticas). Ou seja, podemos esperar que os perueiros se mobilizem e, logo mais, bloqueiem o Entroncamento, eliminando o tráfego na BR-316 e Augusto Montenegro e, com isso, paralisando boa parte da cidade.
Ao comentar o que vi, soube que essas apreensões começaram ontem à noite e que houve confusão, com direito a enfrentamento com a polícia, disparo de armas de borracha e gente ferida, o que chegou a ser exibido, pelo SBT, em cadeia nacional. Como eu estava em aula, não assisti aos jornais e não tomei conhecimento. Isto confirma o prognóstico dos riscos de estar às proximidades da confusão.
Uma coisa é certa e eu sempre repito: era para o poder público ter apreendido as primeiras duas ou três vans que surgiram na cidade, anos atrás, mas deixaram que elas virassem dezenas e depois centenas, antes de se preocuparem com o assunto. Agora que existem centenas de pessoas alegando que precisam dessa atividade para sobreviver honestamente e sustentar suas famílias, deveriam proibir ou regulamentar de uma vez por todas. Mas, para variar, não fizeram nem uma coisa nem outra. O resultado? Vá às ruas para ver.
Trafegando pela Av. Júlio César, observei caminhões-guincho recolhendo três vans, o famoso transporte clandestino. Mais adiante, em plena Almirante Barroso, uma arapuca armada: quando as vans passam em frente à Praça São Cristóvão, são paradas. Além de viaturas da CTBel, avistei uma da Polícia Militar (Grupo de Ações Táticas). Ou seja, podemos esperar que os perueiros se mobilizem e, logo mais, bloqueiem o Entroncamento, eliminando o tráfego na BR-316 e Augusto Montenegro e, com isso, paralisando boa parte da cidade.
Ao comentar o que vi, soube que essas apreensões começaram ontem à noite e que houve confusão, com direito a enfrentamento com a polícia, disparo de armas de borracha e gente ferida, o que chegou a ser exibido, pelo SBT, em cadeia nacional. Como eu estava em aula, não assisti aos jornais e não tomei conhecimento. Isto confirma o prognóstico dos riscos de estar às proximidades da confusão.
Uma coisa é certa e eu sempre repito: era para o poder público ter apreendido as primeiras duas ou três vans que surgiram na cidade, anos atrás, mas deixaram que elas virassem dezenas e depois centenas, antes de se preocuparem com o assunto. Agora que existem centenas de pessoas alegando que precisam dessa atividade para sobreviver honestamente e sustentar suas famílias, deveriam proibir ou regulamentar de uma vez por todas. Mas, para variar, não fizeram nem uma coisa nem outra. O resultado? Vá às ruas para ver.
terça-feira, 23 de março de 2010
Maravilhoso sangue
Acolhendo uma sugestão do amigo Liandro Faro e para que não fiquemos falando apenas de desgraças, apresento-lhes o australiano James Harrison, 74 anos, o homem cujo sangue incomum já salvou a vida de 2,2 milhões de bebês. Saiba como.
"Para suas memórias"...
Enquanto corre o julgamento de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá em São Paulo, na Inglaterra é realizado um outro. Se você achou a morte da menina Isabella terrível, então nem queira saber as circunstâncias em que morreram Yolanda e Theo Molemohi, de 4 e 2 anos respectivamente.
20 crimes
O Portal Terra publicou um infográfico com uma descrição de 20 crimes que abalaram o Brasil. Se tiver curiosidade, dê uma olhada lá.
Os livros mais vendidos e um esperado sucesso nas telas
Aqui.
Será que a necessidade das pessoas de buscar o outro mundo confirmará esta expectativa de sucesso?
Será que a necessidade das pessoas de buscar o outro mundo confirmará esta expectativa de sucesso?
segunda-feira, 22 de março de 2010
O julgamento
Quase dois anos atrás, a mídia nacional foi dominada pelo caso Isabella Nardoni. A obsessão pelo tema era tanta que a Rede Globo, avessa a mudar a sua programação fixa, parou tudo para exibir, em tempo real, durante horas, a reconstituição do crime, feita pelos peritos paulistas.
Este caso, estarrecedor em si mesmo, contou com dois aspectos interessantes: uma investigação científica, baseada em perícias variadas, à semelhança do que acontece em países mais desenvolvidos. No Brasil, a tradição e a praxe são ações penais dependendo predominantemente, ou quase exclusivamente, de prova testemunhal, a mais frágil de todas. O segundo aspecto é a forma como a imprensa lidou com os acusados, convicta da culpa dos mesmos, mas evitando fazer acusações diretas, referindo-se a eles sempre como suspeitos, moderando os juízos de valor e até dando espaço para que eles pudessem sustentar de viva voz suas teses, antes de terem a prisão decretada. Suponho que assim tenha sido por conta do que chamo efeito Escola Base. Se for, pelo menos um lado bom pode ser identificado.
Neste momento, os olhos estão voltados para o Fórum de Santana, em São Paulo, onde deve formar-se o tribunal do júri que decidirá a sorte de Alexandre Nardoni e de Anna Carolina Jatobá. O julgamento deveria ter começado às 13 horas, mas está atrasado e há informações desencontradas sobre a presença das testemunhas no recinto. Por enquanto, não se pode ter certeza de que o julgamento acontecerá mesmo hoje.
Sem dúvida, trata-se de um julgamento histórico, que terá direito a peritos depondo em plenário, maquetes, simulações por computador — tudo tão CSI —, pelo lado da acusação, e pelo da defesa, nabo, cenoura, banana e alho, para provar que o reagente Bluestar Forensic não é tão seguro quanto se pensa para comprovar a presença de sangue no ambiente.
Haverá também uma quantidade excessiva de dramatização, feita espontaneamente por um sem número de curiosos, que foram de diferentes partes do país assuntar o que se passa no fórum, com direito a cartazes, faixas e até uma enorme cruz de madeira.
Sem dúvida, serão dias intensos. Outro festival como esse só quando Lindemberg Alves, o assassino de Eloá Pimentel, for a júri. Se bem que esse caso não terá o mesmo impacto, já que não pairam dúvidas quanto à autoria do crime.
Este caso, estarrecedor em si mesmo, contou com dois aspectos interessantes: uma investigação científica, baseada em perícias variadas, à semelhança do que acontece em países mais desenvolvidos. No Brasil, a tradição e a praxe são ações penais dependendo predominantemente, ou quase exclusivamente, de prova testemunhal, a mais frágil de todas. O segundo aspecto é a forma como a imprensa lidou com os acusados, convicta da culpa dos mesmos, mas evitando fazer acusações diretas, referindo-se a eles sempre como suspeitos, moderando os juízos de valor e até dando espaço para que eles pudessem sustentar de viva voz suas teses, antes de terem a prisão decretada. Suponho que assim tenha sido por conta do que chamo efeito Escola Base. Se for, pelo menos um lado bom pode ser identificado.
Neste momento, os olhos estão voltados para o Fórum de Santana, em São Paulo, onde deve formar-se o tribunal do júri que decidirá a sorte de Alexandre Nardoni e de Anna Carolina Jatobá. O julgamento deveria ter começado às 13 horas, mas está atrasado e há informações desencontradas sobre a presença das testemunhas no recinto. Por enquanto, não se pode ter certeza de que o julgamento acontecerá mesmo hoje.
Sem dúvida, trata-se de um julgamento histórico, que terá direito a peritos depondo em plenário, maquetes, simulações por computador — tudo tão CSI —, pelo lado da acusação, e pelo da defesa, nabo, cenoura, banana e alho, para provar que o reagente Bluestar Forensic não é tão seguro quanto se pensa para comprovar a presença de sangue no ambiente.
Haverá também uma quantidade excessiva de dramatização, feita espontaneamente por um sem número de curiosos, que foram de diferentes partes do país assuntar o que se passa no fórum, com direito a cartazes, faixas e até uma enorme cruz de madeira.
Sem dúvida, serão dias intensos. Outro festival como esse só quando Lindemberg Alves, o assassino de Eloá Pimentel, for a júri. Se bem que esse caso não terá o mesmo impacto, já que não pairam dúvidas quanto à autoria do crime.
E o Mike do Mosqueiro, hein?
Não consigo lembrar-me como — se foi alguém que me mostrou ou mandou um link —, mas há algumas semanas apareceu na tela do meu computador um vídeo de um tal Mike do Mosqueiro, um sujeito com apenas dois dentes na boca (como brinca o meu irmão: um para abrir garrafa, outro para doer à noite), dedando um violão e cantando de modo ridículo uma canção qualquer, desconhecida para mim, até porque mal se podia compreender, com a má dicção do rapaz. Era o típico vídeo na linha mundo-cão, que explora o feio ou o grotesco, e leva as pessoas a rirem do que não lhes perturba as vidas. Uma forma contemporânea de menosprezar pessoas em situação de fragilidade social, como no passado se fazia nos circos de horrores. Hoje, os circos e os horrores estão em qualquer canto, desde que haja um computador e acesso à Internet. E o cara virou hit do YouTube, com mais de 5 milhões de acessos.
Chamou-me a atenção o nome do sujeito, por isso não prestei atenção nele, mas no entorno, para saber se o Mosqueiro mencionado era mesmo a nossa ilha. E era.
O tempo passou e o rapaz sumiu de minha lembrança até ontem, quando deparei com ele no Domingão do Faustão, programa que minha mãe me empurra goela abaixo, se estou em sua casa na hora. Soube, então, que Mike participara do programa na semana anterior, no quadro "Se vira nos 30", disputando um prêmio de 15 mil reais. Não ganhou, mas teria conquistado o público com sua simpatia. A produção do programa decidiu chamá-lo de volta, para lhe dar 20 mil reais a troco de nada, pois o "desafio" proposto foi meramente fictício.
Conheço pessoas que detestam programas que exploram as necessidades alheias para ganhar audiência. Provavelmente, é o caso de ontem. Eu, porém, que já abdiquei de boa parte de meus antigos rigores, encaro a situação por outra ótica: Mike é um sujeito que vive miseravelmente e teve a sorte de cair nas graças da mídia oportunista e receber 20 mil reais (mais do que o prêmio perdido uma semana antes), dinheiro honesto, que pode ajudá-lo a, pelo menos, comprar um fogão.
Depois de ontem, comecei a ver Mike do Mosqueiro com outros olhos. Não consigo mais ver sua boca banguela e seu jeito tosco de cantar. Vejo apenas sua pobreza e sua necessidade e, como costuma ocorrer nesses casos, surge uma empatia que não se coaduna com deboches. Disseram-me que Mike Pereira da Silva não sabia sequer a sua idade e foi submetido a perícia para verificação da idade esquelética, que estimou a sua em 38 anos. Sua carteira de identidade foi tirada para que ele pudesse viajar.
Minha maior preocupação, agora, é que alguém auxilie esse rapaz a utilizar o dinheiro recebido, para que ninguém o roube ou se aproveite de sua manifesta ignorância. E para que o próprio Mike não se prejudique através de gastos inconsequentes. Afinal de contas, para pessoas como ele, os holofotes da mídia se apagam em questão de minutos, para nunca mais. Quando os 20 mil acabarem, acabou. O que Mike puder ter melhorado de sua vida nesse período é o que ele terá. Afinal, ninguém espera que ele inicie uma carreira artística, certo?
No mais, quem se deu bem nessa história foi Viviane Batidão, que entrou toda risonha e fofinha no palco do Faustão e foi tratada por ele como famosa, bem sucedida, com seus 28 shows mensais. Claro, defendeu o tal de technomelody como a mais pura expressão cultural do nosso Estado. De cada cinco palavras que ela falava, uma era "Pará" ou "paraense", a velha mania do povo daqui quando consegue um microfone de alcance nacional. Uma necessidade desesperada por autoafirmação. Isso me irrita tanto... Mas pelo menos a moça é bastante articulada, bem falante, e não nos envergonhou. Exceto pela música, claro.
"O Inferno Segundo Scorsese"
O grande Itajaí de Albuquerque, nosso confrade lá no Flanar, publicou uma excelente resenha sobre o filme Ilha do Medo, mais nova obra do competentíssimo Martin Scorsese, com Leonardo di Caprio no papel principal, tendo uma outra oportunidade de mostrar talento genuíno.
Itajaí é médico e recheia, com sua enorme cultura geral, uma percuciente análise do filme. Leia em seu blog pessoal.
Itajaí é médico e recheia, com sua enorme cultura geral, uma percuciente análise do filme. Leia em seu blog pessoal.
sábado, 20 de março de 2010
Sinais do alcoolismo
Encontrar coisas perdidas ou esquecidas há temporadas, na minha casa, é algo normal. Hoje, p. ex., encontrei uma revista ViaPará de novembro de 2008 (ano 2, edição 8), uma publicação local. Ela continha uma interessante matéria sobre dependência química, assinada pelo jornalista Sales Coimbra. O mote da matéria é não minimizar o consumo das drogas lícitas — álcool e tabaco —, que podem levar à dependência de substâncias mais drásticas. E quem aposta nisso é Luiz Veiga, muito conhecido entre aqueles que lidam com o tema, há vários anos acompanhante terapêutico e coordenador administrativo do Centro Nova Vida, entidade filantrópica afamada em nossa cidade.
A matéria angustia com dados sobre o elevadíssimo envolvimento de adolescentes com drogas em geral, ante a ingênua ignorância de seus pais (ou a técnica da negação) ou, pior, a criminosa condescendência, já que na maioria dos casos os jovens têm acesso à bebida em casa, até porque cresceram vendo os adultos em volta bebendo para tudo, inclusive porque sem bebida não é possível nenhum tipo de diversão. Segundo eles, é óbvio.
Extraio, do texto, um conjunto de sintomas que os especialistas da área tomam como sinais de alerta: se você possui ao menos um deles, está no grupo de risco para tornar-se um alcoólatra. São eles:
- Ficar de pileque em todas as festas a que vai.
- Sentir falta de álcool em situação sociais ligadas ao prazer.
- Ser percebido, por terceiros, que você se excede com frequência na bebida.
- Ingerir bebidas alcoólicas pelas manhã.
- Arrepender-se frequentemente do que fez quando bêbado.
- Sentir culpa frequentemente por ter bebido.
- Já ter prometido a si mesmo beber menos, sem conseguir.
- Esquecer o que fez na noite anterior, mesmo que os amigos lhe digam que você não apagou.
Cuide-se. Não subestime o problema nem superestime suas forças. Todo viciado, sem exceção, começou jurando para si mesmo que tinha o controle da situação e podia parar quando quisesse.
A matéria angustia com dados sobre o elevadíssimo envolvimento de adolescentes com drogas em geral, ante a ingênua ignorância de seus pais (ou a técnica da negação) ou, pior, a criminosa condescendência, já que na maioria dos casos os jovens têm acesso à bebida em casa, até porque cresceram vendo os adultos em volta bebendo para tudo, inclusive porque sem bebida não é possível nenhum tipo de diversão. Segundo eles, é óbvio.
Extraio, do texto, um conjunto de sintomas que os especialistas da área tomam como sinais de alerta: se você possui ao menos um deles, está no grupo de risco para tornar-se um alcoólatra. São eles:
- Ficar de pileque em todas as festas a que vai.
- Sentir falta de álcool em situação sociais ligadas ao prazer.
- Ser percebido, por terceiros, que você se excede com frequência na bebida.
- Ingerir bebidas alcoólicas pelas manhã.
- Arrepender-se frequentemente do que fez quando bêbado.
- Sentir culpa frequentemente por ter bebido.
- Já ter prometido a si mesmo beber menos, sem conseguir.
- Esquecer o que fez na noite anterior, mesmo que os amigos lhe digam que você não apagou.
Cuide-se. Não subestime o problema nem superestime suas forças. Todo viciado, sem exceção, começou jurando para si mesmo que tinha o controle da situação e podia parar quando quisesse.
sexta-feira, 19 de março de 2010
Um bom semestre letivo
Há coisas que nunca mudam. A experiência docente, p. ex., sempre envolve uma — a meu ver injustificável — carga de rivalidade entre professores e alunos. E esta é uma ideia mais claramente perceptível nos alunos, que costumam ver algo de malícia quando os professores impõem o óbvio: que estudem. Como há turmas que lidam com as exigências acadêmicas melhor do que outras, cada período letivo pode ser mais ou menos gratificante ou trabalhoso.
Penso que dei uma grande sorte neste primeiro semestre letivo de 2010. Estou com quatro turmas (das quais uma nova), todas caracterizadas por um interesse genuíno pelas aulas, sempre cheias, sempre pautadas por perguntas pertinentes, sempre recompensadoras. Eu é que nem sempre estou 100% para corresponder, o que também é normal. Mas não será por falta de estímulo e raport que o semestre não dará certo.
Só espero que depois da primeira avaliação minha opinião seja a mesma. Mas confio que será.
Penso que dei uma grande sorte neste primeiro semestre letivo de 2010. Estou com quatro turmas (das quais uma nova), todas caracterizadas por um interesse genuíno pelas aulas, sempre cheias, sempre pautadas por perguntas pertinentes, sempre recompensadoras. Eu é que nem sempre estou 100% para corresponder, o que também é normal. Mas não será por falta de estímulo e raport que o semestre não dará certo.
Só espero que depois da primeira avaliação minha opinião seja a mesma. Mas confio que será.
Livro ruim
Ontem peguei o livro Crimes sexuais anotados e comentados, de Aluízio Bezerra Filho (Curitiba: Juruá, 2ª edição, 2010), para analisar. Com todo o respeito ao autor, não gostei.
Pessoalmente, já tenho todos os pés atrás em relação a livros que fazem comentários a leis recentes, assim como os que se baseiam em compilações de precedentes judiciais. Tenho-os por obras oportunistas, que não representam um verdadeiro esforço do autor na produção de sua doutrina. No caso, temos as duas características reunidas. Mas nada que impedisse a produção de uma boa obra. É claro que existem as boas resenhas e as boas compilações (se bem que, quanto a estas últimas, a facilidade de consultas virtuais, hoje em dia, reduz bastante a utilidade). Neste caso, porém, vemos que a maior parte do conteúdo são os precedentes coligidos. De doutrina, temos muito pouco e nada que exceda a comentários sobre o próprio texto da Lei n. 12.015, de 2009. Não encontrei, pelo menos nas partes que li, nada de crítico, que estimulasse uma reflexão mais aprofundada.
Além do mais, ao buscar uma definição para ato libidinoso, o autor recorreu ao "dicionário Wikipédia". Para começar, a Wikipédia não é um dicionário (esta função é cumprida pelo Wikcionário). E apesar de constituir uma excelente iniciativa, a falta de segurança quanto ao seu conteúdo desrecomenda que seja citada como fonte única, numa obra científica. Quando oriento trabalhos de curso, não permito essa referência. Além do mais, o conteúdo ali apresentado poderia ser facilmente encontrado em outras obras, senão jurídicas, de Medicina Legal, p. ex., ou particularmente de Psicologia Forense.
Finalmente, algumas afirmações do autor me parecem equivocadas, p. ex. quando sustenta que o crime de assédio sexual não se caracteriza apenas nas relações de subordinação profissional ou hierárquica, ampliando a incidência para situações de "ascendência econômica" ou até de outras ordens, como na relação entre professores e alunos ou de médicos, psicólogos ou advogados em relação a seus clientes/pacientes, por conta de segredos de que possam ser sabedores. Ou seja, ampliação por conta e risco do alcance da norma.
O problema é que, como a Lei n. 12.015 é recente, precisamos de suporte bibliográfico para recomendar aos alunos. Esta obra, porém, não entrará na minha lista de indicações.
Quando for adquirir um título como este, examine com atenção.
Pena de morte pelo mundo
O dia hoje está atarefado, mas eu não podia deixar de compartilhar esta, que vai especialmente para os meus alunos de Direito Penal II.
O Portal G1 publicou, hoje, um infográfico com informações muito interessantes sobre a pena de morte, demonstrando os métodos mais conhecidos e suas características, os países onde é aplicada atualmente e um ranking das nações que mais a utilizaram recentemente, capitaneado pela China, é claro.
Conciso, mas instrutivo.
O Portal G1 publicou, hoje, um infográfico com informações muito interessantes sobre a pena de morte, demonstrando os métodos mais conhecidos e suas características, os países onde é aplicada atualmente e um ranking das nações que mais a utilizaram recentemente, capitaneado pela China, é claro.
Conciso, mas instrutivo.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Castração química na Argentina
Em 23 de novembro do ano passado, tratei deste assunto como proposta. Agora ele é uma realidade na Argentina. Por enquanto, limito-me a transcrever a matéria. Comentários adiante.
Província argentina fará castração química de estupradoresMendoza anunciou medida ao concluir que mais de 70% de condenados são reincidentes
As autoridades da província de Mendoza, no oeste da Argentina, anunciaram que em dois meses adotarão a castração química para prisioneiros condenados por estupro.
O governo da província tomou a decisão depois de constatar que 70% dos condenados por ataques sexuais são reincidentes.
Organizações de defesa das vítimas de estupro afirmam que o número é maior e chega a 90% dos estupradores.
A decisão do governador do Estado, Celso Jacque, causou grande comoção no país e alinhou a Argentina a países como a França, Suíça e Espanha, onde também se permite a castração química.
O método consiste em administrar medicamentos para diminuir o desejo sexual dos criminosos e seria aplicado de forma voluntária.
Segundo o jornal El Clarín, os condenados que se submeterem ao tratamento receberão acompanhamento quando saírem da cadeia.
Método polêmico
Segundo estudos realizados nos Estados Unidos, França e Espanha, a castração química poderia diminuir em quase 60% a reincidência em estupradores.
Mesmo assim, sua aplicação é questionada por diversos setores.
Especialistas em direito advertem que a medida é inconstitucional e viola a convenção interamericana sobre direitos humanos.
Alguns psicólogos questionam a efetividade da castração química.
"Reduzir a libido de um estuprador não resolve outras questões que formam o perfil de alguém que abusa os outros, como seu desejo de ameaçar o outro", disse à BBC Mundo a psicóloga argentina Angélica Alfaro Lio.
Por outro lado, Maria Elena Leuzzi, mãe de uma vítima de estupro e integrante da ONG Ajuda a Vítimas de Estupro (Avivi, na sigla em espanhol), se mostrou totalmente contrária à castração química.
"Enquanto não demonstrarem que (ela) é 100% efetiva para evitar novos estupros, a única solução é deixar os criminosos presos, nas melhores condições possíveis", disse ela à BBC Mundo.
Castração
Há dois métodos de castração que serão usados em Mendoza: um consiste em aplicar uma injeção mensal no paciente de um hormônio que atua sobre os neurotransmissores que controlam a produção de esperma e testosterona; a outra inclui o consumo diário de uma pílula de acetato de ciproterona, uma substância que também inibe o desejo sexual.
Ambos os métodos provocam efeitos colaterais, que em alguns casos podem ser graves.
Apesar de questionada, muitos acreditam que a castração química é a solução mais factível para o problema de reincidência na maioria dos estupradores.
"É uma meia solução, mas é melhor do que nada", afirmou a psicóloga Angélica Alfaro Lio, que explicou que não existe tratamento psicológico para reverter a conduta de estupradores.
As autoridades informaram que, até agora, 11 prisioneiros condenados por abuso sexual já se apresentaram como voluntários para o programa de castração química, que começará a ser implementado na província entre maio e junho deste ano.
BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
Província argentina fará castração química de estupradoresMendoza anunciou medida ao concluir que mais de 70% de condenados são reincidentes
As autoridades da província de Mendoza, no oeste da Argentina, anunciaram que em dois meses adotarão a castração química para prisioneiros condenados por estupro.
O governo da província tomou a decisão depois de constatar que 70% dos condenados por ataques sexuais são reincidentes.
Organizações de defesa das vítimas de estupro afirmam que o número é maior e chega a 90% dos estupradores.
A decisão do governador do Estado, Celso Jacque, causou grande comoção no país e alinhou a Argentina a países como a França, Suíça e Espanha, onde também se permite a castração química.
O método consiste em administrar medicamentos para diminuir o desejo sexual dos criminosos e seria aplicado de forma voluntária.
Segundo o jornal El Clarín, os condenados que se submeterem ao tratamento receberão acompanhamento quando saírem da cadeia.
Método polêmico
Segundo estudos realizados nos Estados Unidos, França e Espanha, a castração química poderia diminuir em quase 60% a reincidência em estupradores.
Mesmo assim, sua aplicação é questionada por diversos setores.
Especialistas em direito advertem que a medida é inconstitucional e viola a convenção interamericana sobre direitos humanos.
Alguns psicólogos questionam a efetividade da castração química.
"Reduzir a libido de um estuprador não resolve outras questões que formam o perfil de alguém que abusa os outros, como seu desejo de ameaçar o outro", disse à BBC Mundo a psicóloga argentina Angélica Alfaro Lio.
Por outro lado, Maria Elena Leuzzi, mãe de uma vítima de estupro e integrante da ONG Ajuda a Vítimas de Estupro (Avivi, na sigla em espanhol), se mostrou totalmente contrária à castração química.
"Enquanto não demonstrarem que (ela) é 100% efetiva para evitar novos estupros, a única solução é deixar os criminosos presos, nas melhores condições possíveis", disse ela à BBC Mundo.
Castração
Há dois métodos de castração que serão usados em Mendoza: um consiste em aplicar uma injeção mensal no paciente de um hormônio que atua sobre os neurotransmissores que controlam a produção de esperma e testosterona; a outra inclui o consumo diário de uma pílula de acetato de ciproterona, uma substância que também inibe o desejo sexual.
Ambos os métodos provocam efeitos colaterais, que em alguns casos podem ser graves.
Apesar de questionada, muitos acreditam que a castração química é a solução mais factível para o problema de reincidência na maioria dos estupradores.
"É uma meia solução, mas é melhor do que nada", afirmou a psicóloga Angélica Alfaro Lio, que explicou que não existe tratamento psicológico para reverter a conduta de estupradores.
As autoridades informaram que, até agora, 11 prisioneiros condenados por abuso sexual já se apresentaram como voluntários para o programa de castração química, que começará a ser implementado na província entre maio e junho deste ano.
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quarta-feira, 17 de março de 2010
Tragédias nossas de todo dia
Uma mulher de Piracicaba vai responder por crime de maus tratos contra o próprio filho, de 13 anos, por mantê-lo preso dentro de casa, acorrentado a uma cadeira. Um monstro? Não: uma mulher desesperada e sem alternativas, diante de um Estado criminosamente omisso.
O menino se viciou em crack há um ano e passou a cometer pequenos furtos em casa para sustentar o vício. Não tendo a quem recorrer, a mãe tomou a medida extrema e teve que lidar, dia após dia, com as crises de abstinência, com a agressividade e com o desespero do adolescente. E esteve ao seu lado o tempo inteiro, como mãe amorosa que é.
Entrevistada, a mulher chora e se mostra disposta a acorrentar o filho de novo, "se for preciso". Ela não teme as consequências criminais; teme apenas a morte do filho. Segundo ela, a própria polícia já lhe deu o alerta: ele morrerá na mão dos bandidos ou na nossa.
O caso é emblemático do que é o Brasil: quando veio à tona, o braço punitivo do Estado funcionou: a mulher foi autuada e responderá criminalmente. Mas o braço assistencial do Estado revelou sua incompetência: em Piracicaba, não há recursos adequados para atender o menino. A duras penas, e com certeza somente por causa da ampla repercussão, foi internado na Santa Casa de Misericórdia. Mas terá acesso à desintoxicação? Se não tiver, sabemos do risco de recaída. O Conselho Tutelar da cidade confessa sua impotência.
O caso em si não é inédito. Há precedentes no país, inclusive com a absolvição das mães acusadas, pelo reconhecimento de estado de necessidade — situação que exclui a ilicitude da conduta e, portanto, o crime. E que é a solução que o caso deveria ter, o mais rapidamente possível.
Leia a matéria e veja o vídeo sobre o caso.
O menino se viciou em crack há um ano e passou a cometer pequenos furtos em casa para sustentar o vício. Não tendo a quem recorrer, a mãe tomou a medida extrema e teve que lidar, dia após dia, com as crises de abstinência, com a agressividade e com o desespero do adolescente. E esteve ao seu lado o tempo inteiro, como mãe amorosa que é.
Entrevistada, a mulher chora e se mostra disposta a acorrentar o filho de novo, "se for preciso". Ela não teme as consequências criminais; teme apenas a morte do filho. Segundo ela, a própria polícia já lhe deu o alerta: ele morrerá na mão dos bandidos ou na nossa.
O caso é emblemático do que é o Brasil: quando veio à tona, o braço punitivo do Estado funcionou: a mulher foi autuada e responderá criminalmente. Mas o braço assistencial do Estado revelou sua incompetência: em Piracicaba, não há recursos adequados para atender o menino. A duras penas, e com certeza somente por causa da ampla repercussão, foi internado na Santa Casa de Misericórdia. Mas terá acesso à desintoxicação? Se não tiver, sabemos do risco de recaída. O Conselho Tutelar da cidade confessa sua impotência.
O caso em si não é inédito. Há precedentes no país, inclusive com a absolvição das mães acusadas, pelo reconhecimento de estado de necessidade — situação que exclui a ilicitude da conduta e, portanto, o crime. E que é a solução que o caso deveria ter, o mais rapidamente possível.
Leia a matéria e veja o vídeo sobre o caso.
Voto dos presos provisórios
Conversei hoje cedo com o Des. João Maroja, presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Pará. Ele me falou sobre a Resolução n. 23.219, do Tribunal Superior Eleitoral, que tem tirado o sono de quem precisa organizar as eleições do próximo mês de outubro. Ela "dispõe sobre a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e em unidades de internação de adolescentes".
A Constituição de 1988 prevê a suspensão dos direitos políticos em caso de "condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos" (art. 15, III). Não há nenhuma restrição no que tange a presos provisórios. Quando estes não votam porque impedidos pelo Estado, compromete-se a democracia representativa.
Em que pese a iniciativa ser louvável, não levou em consideração os gravíssimos problemas de infraestrutura, logística, custos e, principalmente, segurança que ela envolve. Segundo se depreende da resolução, o ideal seria que houvesse uma seção eleitoral especial em casa casa penal e em cada instituição de internação de adolescentes, o que exige investimentos humanos e materiais extraordinários. Se em algumas dessas casas não houver a seção, precisaremos contar com o transporte dos presos, o que trará as mesmas implicações.
A resolução desconsidera, ainda, a carência de agentes de segurança pública. O desembargador informou que, em todas as eleições, além das forças policiais, são requisitados também militares das Forças Armadas e, mesmo assim, o contingente é insuficiente. Fácil perceber que não há pessoal para suportar as exigências peculiares de segurança que a nova medida impõe, principalmente em regiões onde haja problemas de crime organizado.
Outro aspecto que restou desconsiderado pela resolução é que se o número de presos provisórios é um grande problema, a rotatividade torna tudo pior. Todos os dias pessoas são presas e soltas, de modo que não se pode montar um cadastro seguro de eleitores especiais. A Justiça Eleitoral trabalha com eleitores que estejam com a situação regularizada até 5 de maio. Quem tiver pendências após essa data não votará no pleito deste ano. Portanto, como montar o cadastro dos presos provisórios, se eles mudam o tempo inteiro?
Finalmente, o desembargador informou que já houve uma tentativa, aqui no Pará, de assegurar o voto dos presos provisórios, salvo engano nas eleições de 2006. A experiência serviu para mostrar que os próprios presos têm altíssima resistência em participar. Eles temem a estigmatização de comparecer a uma seção destinada especificamente a presidiários, pois acreditam que o fato lhes "sujará a ficha", seja lá o que isso signifique. Daí resulta que a experiência rendeu apenas 2% de comparecimento às urnas e abriu uma importante questão: de que adianta realizar um esforço hercúleo desses para, ao final, ele não atingir as finalidades a que se destina?
Os presidentes dos tribunais regionais eleitorais se reunirão nos próximos dias para discutir a resolução sob comento. Estão apreensivos, principalmente o de São Paulo, que conta com mais de 100 mil presos provisórios. No Pará, são cerca de 7 mil.
Uma observação final. Muitos estudiosos do sistema de justiça criminal afirmam que uma das razões pelas quais o mesmo é tão desumano é que a classe política não se preocupa com uma clientela que não vota. Por isso, na hora de prometer mundos e fundos, essas pessoas são sumariamente ignoradas — principalmente porque massacrá-las dá audiência. O voto dos presos provisórios poderia, finalmente, acender uma luz sobre esse segmento social e, quem sabe, sinalizar demandas tradicionalmente ignoradas, mas que precisam ser enfrentadas. Contudo, os próprios interessados não colaboram. Aqui se vê, uma vez mais, a falta que faz a educação.
A Constituição de 1988 prevê a suspensão dos direitos políticos em caso de "condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos" (art. 15, III). Não há nenhuma restrição no que tange a presos provisórios. Quando estes não votam porque impedidos pelo Estado, compromete-se a democracia representativa.
Em que pese a iniciativa ser louvável, não levou em consideração os gravíssimos problemas de infraestrutura, logística, custos e, principalmente, segurança que ela envolve. Segundo se depreende da resolução, o ideal seria que houvesse uma seção eleitoral especial em casa casa penal e em cada instituição de internação de adolescentes, o que exige investimentos humanos e materiais extraordinários. Se em algumas dessas casas não houver a seção, precisaremos contar com o transporte dos presos, o que trará as mesmas implicações.
A resolução desconsidera, ainda, a carência de agentes de segurança pública. O desembargador informou que, em todas as eleições, além das forças policiais, são requisitados também militares das Forças Armadas e, mesmo assim, o contingente é insuficiente. Fácil perceber que não há pessoal para suportar as exigências peculiares de segurança que a nova medida impõe, principalmente em regiões onde haja problemas de crime organizado.
Outro aspecto que restou desconsiderado pela resolução é que se o número de presos provisórios é um grande problema, a rotatividade torna tudo pior. Todos os dias pessoas são presas e soltas, de modo que não se pode montar um cadastro seguro de eleitores especiais. A Justiça Eleitoral trabalha com eleitores que estejam com a situação regularizada até 5 de maio. Quem tiver pendências após essa data não votará no pleito deste ano. Portanto, como montar o cadastro dos presos provisórios, se eles mudam o tempo inteiro?
Finalmente, o desembargador informou que já houve uma tentativa, aqui no Pará, de assegurar o voto dos presos provisórios, salvo engano nas eleições de 2006. A experiência serviu para mostrar que os próprios presos têm altíssima resistência em participar. Eles temem a estigmatização de comparecer a uma seção destinada especificamente a presidiários, pois acreditam que o fato lhes "sujará a ficha", seja lá o que isso signifique. Daí resulta que a experiência rendeu apenas 2% de comparecimento às urnas e abriu uma importante questão: de que adianta realizar um esforço hercúleo desses para, ao final, ele não atingir as finalidades a que se destina?
Os presidentes dos tribunais regionais eleitorais se reunirão nos próximos dias para discutir a resolução sob comento. Estão apreensivos, principalmente o de São Paulo, que conta com mais de 100 mil presos provisórios. No Pará, são cerca de 7 mil.
Uma observação final. Muitos estudiosos do sistema de justiça criminal afirmam que uma das razões pelas quais o mesmo é tão desumano é que a classe política não se preocupa com uma clientela que não vota. Por isso, na hora de prometer mundos e fundos, essas pessoas são sumariamente ignoradas — principalmente porque massacrá-las dá audiência. O voto dos presos provisórios poderia, finalmente, acender uma luz sobre esse segmento social e, quem sabe, sinalizar demandas tradicionalmente ignoradas, mas que precisam ser enfrentadas. Contudo, os próprios interessados não colaboram. Aqui se vê, uma vez mais, a falta que faz a educação.
O incompreendido sistema
Há dois dias, houve confusão nas dependências do 1º Tribunal do Júri, aqui em Belém. Na ocasião, deveriam ter sido julgados três policiais militares acusados da morte do promotor de eventos Gustavo Russo, em janeiro de 2005, num dos mais espetaculares episódios de incompetência policial de que já tive notícia.
Gente que estava no recinto me relatou algumas atitudes bastante reprováveis de pessoas das quais se espera e se pode exigir um comportamento mais isento e sereno, ainda mais considerando tratar-se de um caso tão rumoroso e que envolve inclusive organização da sociedade civil contra a impunidade. Abstraindo-se juízos de valor, o problema pode ser delimitado nisto: cada réu tinha o seu próprio defensor e cada um destes, por ocasião da formação do conselho de sentença, recusou três jurados. Com as nove dispensas, mais as determinadas pelo próprio juiz, no final havia apenas cinco jurados disponíveis, o que inviabilizou a sessão1.
[Acréscimo em 18 de março: Ao início dos trabalhos, havia 26 jurados. Cada advogado de defesa se valeu de suas três recusas imotivadas. Portanto, restaram 17 jurados, número suficiente para a instalação da sessão. Contudo, o juiz dispensou, por decisão sua, nada menos do que 12 jurados, acolhendo alegações de problemas de saúde. E assim chegamos ao número de 5, que resultou no adiamento da sessão.]
Diante da comoção que se instalou no recinto, o juiz decretou a prisão dos réus. Com base em quê? Afinal, eles respondiam ao processo em liberdade e a jurisprudência brasileira já consolidou o entendimento de que réu que responde ao processo em liberdade só pode ser preso após o trânsito em julgado da condenação, a menos que pratique alguma conduta específica, concreta e comprovada, que recomende a custódia cautelar. E os réus não incorreram em nenhuma conduta reprovável no plenário. A dispensa imotivada de jurados é um direito da defesa2.
Em suma, além de não poder decretar a prisão sem motivo concreto, o juiz puniu a defesa por fazer algo que a lei permite expressamente, sem atentar para a sua própria contribuição para a inexistência do número mínimo legal de jurados. Ilegalidade flagrante. Tão ilegal que, ontem, uma desembargadora recolocou os réus em liberdade, através de liminar concedida em habeas corpus. Como era de se esperar, está sendo alvo de críticas dos familiares da vítima, que agem movidos pela emoção e não pelo Direito, o que se compreende e respeita. Contudo, o poder público deve se reger pelo Direito.
Decisões açodadas costumam gerar pelo menos dois efeitos graves: a violação de direitos e tumultos que expõem as instituições ao descrédito público. Ninguém ganha com isso.
1 O Código de Processo Penal determina que a sessão do tribunal do júri só pode ser instalada se houver ao menos 15 jurados (art. 463), para que, afastados todos os suspeitos, impedidos, incompatibilizados e dispensados, ainda haja como selecionar os sete que efetivamente comporão o conselho de sentença.
2 CPP, art. 468: "À medida que as cédulas forem sendo retiradas da urna, o juiz presidente as lerá, e a defesa e, depois dela, o Ministério Público poderão recusar os jurados sorteados, até três cada parte, sem motivar a recusa."
Gente que estava no recinto me relatou algumas atitudes bastante reprováveis de pessoas das quais se espera e se pode exigir um comportamento mais isento e sereno, ainda mais considerando tratar-se de um caso tão rumoroso e que envolve inclusive organização da sociedade civil contra a impunidade. Abstraindo-se juízos de valor, o problema pode ser delimitado nisto: cada réu tinha o seu próprio defensor e cada um destes, por ocasião da formação do conselho de sentença, recusou três jurados. Com as nove dispensas, mais as determinadas pelo próprio juiz, no final havia apenas cinco jurados disponíveis, o que inviabilizou a sessão1.
[Acréscimo em 18 de março: Ao início dos trabalhos, havia 26 jurados. Cada advogado de defesa se valeu de suas três recusas imotivadas. Portanto, restaram 17 jurados, número suficiente para a instalação da sessão. Contudo, o juiz dispensou, por decisão sua, nada menos do que 12 jurados, acolhendo alegações de problemas de saúde. E assim chegamos ao número de 5, que resultou no adiamento da sessão.]
Diante da comoção que se instalou no recinto, o juiz decretou a prisão dos réus. Com base em quê? Afinal, eles respondiam ao processo em liberdade e a jurisprudência brasileira já consolidou o entendimento de que réu que responde ao processo em liberdade só pode ser preso após o trânsito em julgado da condenação, a menos que pratique alguma conduta específica, concreta e comprovada, que recomende a custódia cautelar. E os réus não incorreram em nenhuma conduta reprovável no plenário. A dispensa imotivada de jurados é um direito da defesa2.
Em suma, além de não poder decretar a prisão sem motivo concreto, o juiz puniu a defesa por fazer algo que a lei permite expressamente, sem atentar para a sua própria contribuição para a inexistência do número mínimo legal de jurados. Ilegalidade flagrante. Tão ilegal que, ontem, uma desembargadora recolocou os réus em liberdade, através de liminar concedida em habeas corpus. Como era de se esperar, está sendo alvo de críticas dos familiares da vítima, que agem movidos pela emoção e não pelo Direito, o que se compreende e respeita. Contudo, o poder público deve se reger pelo Direito.
Decisões açodadas costumam gerar pelo menos dois efeitos graves: a violação de direitos e tumultos que expõem as instituições ao descrédito público. Ninguém ganha com isso.
1 O Código de Processo Penal determina que a sessão do tribunal do júri só pode ser instalada se houver ao menos 15 jurados (art. 463), para que, afastados todos os suspeitos, impedidos, incompatibilizados e dispensados, ainda haja como selecionar os sete que efetivamente comporão o conselho de sentença.
2 CPP, art. 468: "À medida que as cédulas forem sendo retiradas da urna, o juiz presidente as lerá, e a defesa e, depois dela, o Ministério Público poderão recusar os jurados sorteados, até três cada parte, sem motivar a recusa."
terça-feira, 16 de março de 2010
Obrigação de meio
Sabemos que a atividade médica é de meio, não de resultado, porque os objetivos perseguidos pelo paciente dependem de variados fatores, que não estão sob o controle do profissional. A regra é mitigada, todavia, no que tange à cirurgia plástica, ramo que não para de crescer devido a pessoas que, dentre outros fatores mais justos, são tão feias por dentro que precisam desesperadamente ser bonitas por fora1.
Encontrei, entre as bobagens da Internet, uma relação de fotos de celebridades (argh!) estrangeiras antes e depois das plásticas, para fins de comparação. Algumas dessas pessoas eram e permaneceram bonitas. Outras, mal permaneceram pessoas. Naturalmente, ocupei-me destas, para lhe perguntar: o que você faria com o cirurgião plástico se ele deixasse você como uma das figurinhas abaixo?
A primeira escolhida é a atriz americana Joan Rivers, quase 77 anos, cujas plásticas não produziram um efeito trágico: ela já era enfraquecida antes delas. Mas normal, coisa da idade. Acabou assemelhada a algum daqueles tipos caricatos do "humorístico" Zorra total. Exemplo de uma tentativa honesta de melhorar a aparência, pelo menos conservou o fenótipo humano.
Em quarto lugar, a atriz e cantora americana Dolly Parton, atualmente com 64 anos. Pelo menos, consta que é uma boa cantora e já fez muito sucesso. Mas o tempo é cruel para todos: o aluguel caro obrigou a cidadã a fazer uma ponta no seriado Hannah Montana. Ela era tão bonitinha... Mas os cabelos de antigamente já eram uma situação.
Esta é conhecida: La Toya Jackson, quase 54, a cantora e atriz americana de grandes sucessos, como... Bem, ela é bastante famosa por ser irmã de Michael Jackson. Amava tanto o irmão que seguiu os seus passos e fez um monte de intervenções cirúrgicas para obter a mesma aparência alienígena dele, notadamente o fiapo de nariz. Sem falar que essa família tem mesmo um problema sério com a cor original da pele.
A segunda colocada é Jocelyn Wildenstein, uma socialite (bem feito!) suíça que está prestes a completar 70 anos (parece infinitamente mais). É conhecida tão somente pelo número excessivo de cirurgias plásticas que fez. Estima-se que já gastou mais de 4 milhões de dólares com isso. Nota-se que teria sido melhor empregar a grana em outra atividade. Como nunca soubera da existência dessa criatura, se me mostrassem a sua foto e perguntassem o que é, eu responderia um teste para escultor do Museu de Cera Madame Tussaud. Este candidato, contudo, foi reprovado.
E a taça vai para "Carrot Top". O primeiro esclarecimento que precisa ser dado é que o ser aí ao lado é do sexo masculino. Chama-se Scott Thompson. É um ator americano de 45 anos que participou de filmes importantes, tais como... deixa pra lá. Apesar de a criatura precedente conseguir ser mais feia, parece-me que, neste caso, a destruição no rosto do sujeito está bem mais evidente. É o clichê da cirurgia plástica: pele esticada à exaustão, olhos arregalados, rosto sem expressão, boca artificial e as indefectíveis sobrancelhas pintadas e oblíquas. Medonho.
Sinceramente, você pagaria por um serviço desses?
1 Alusão ao filme Seven - Os sete crimes capitais (Se7en, David Fincher, 1995).
Os sete pecados sociais, segundo Mahatma Gandhi
Lendo neste último final de semana sobre os sete pecados capitais, descobri que Mahatma Gandhi elaborou uma lista dos sete pecados sociais, ideias que o tornam merecedor de cada vez maior respeito e admiração. São eles:
Política sem princípios
Política sem princípios
Riqueza sem trabalho
Comércio sem moralidade
Ciência sem humanidade
Colaboração sem sacrifício
Prazer sem consciência
Conhecimento sem caráter
Gostei tanto das proposições — particularmente das de n. 2, 6 e 7 — que as transformo em mensagem de identificação do blog, em substituição à emocional mensagem de Goethe:
Todos os dias deveríamos ler um bom poema, ouvir uma linda canção, contemplar um belo quadro e dizer algumas bonitas palavras.
Bom dia.
segunda-feira, 15 de março de 2010
Desespero de causa
Mandaram-me por e-mail um arquivo .pdf com a imagem de uma petição, diz que verdadeira, protocolada perante a 3ª Vara Cível de Maringá (PR), que merece figurar no anedotário forense brasileiro.
Caso você não tenha conseguido ler todo o texto, ei-lo:
A. J. e A. E. F., já qualificados nos autos em epígrafe, vem respeitosamente perante Vossa Excelência requerer seja determinado à r. escrivania desete juízo que, PELO SANTO AMOR DE DEUS E DE TUDO QUANTO FOR SAGRADO NESSA VIDA, EXPEÇA OS OFÍCIOS DETERMINADOS NA DECISÃO PROFERIDA EM JULHO. JULHO.
JULHO.
FOI EM JULHO QUE A DECISÃO FOI PROFERIDA E ATÉ AGORA NÃO SE EFETIVOU. Isso apesar de vários pedidos feitos em balcão, incçusive o último em 04/12.
Aproveita o ensejo para reiterar o pedido de produção de prova testemunhal e documental e ainda para reafirmar sua disposição ao acordo, nos termos de anterior petição.
A petição é datada de 9.12.2009, ou seja, as partes aguardavam há mais de quatro meses pela simples expedição de ofícios, para efetivar alguma pretensão que já lhes fora deferida. E isso porque têm intenção de fazer acordo. Imagine se quisessem procrastinar...
Até onde os advogados, às vezes, precisam ir para conseguir as coisas mais simples?
Pedofilia na Internet — Fantástico de 15.3.2010
Em uma reportagem de mais de 11 minutos de duração — a que você pode assistir na página do programa —, o Fantástico de ontem prestou um serviço de utilidade pública à sociedade brasileira, ao exibir exemplos concretos das abordagens que pedófilos fazem, pela Internet. A matéria contou com produtores disfarçados, o que nos permitiu ver os diálogos travados na tela do computador e a conversa furadíssima quando acontecem os encontros.
Repugnante.
Mas o pior mesmo é pensar que, para muitos pais, essa não é uma preocupação constante, simplesmente porque não pararam para pensar na gravidade do assunto, ou porque o minimizaram, ou porque aplicaram a famosa teoria do isso-não-acontece-comigo.
Em que pese tudo quanto se diz em contrário, adolescentes são indivíduos em formação — intelectual, moral, social — e, por isso, em princípio são naturalmente vulneráveis à ação de pessoas maliciosas e crueis. Somem-se a isso características comuns a essa quadra da vida — necessidade de autoafirmação, questionamento da autoridade dos pais, ânsia de experimentar emoções inéditas, desejo de chamar a atenção por meio de condutas transgressoras, etc. —, está formado o caldeirão que pode redundar em muito sofrimento.
Não adianta apelar para a manjada e equivocada tese de que os jovens de hoje estão mais informados e espertos. Isso não é verdade. Já falei sobre isto aqui no blog. Hoje em dia despeja-se sobre nós um volume tão grande de informações que não há tempo nem substrato para processá-las e entender o que realmente significam. Insisto: informação não é conhecimento. E conhecimento não é sabedoria. Se o excesso de informações ajudasse mesmo, as estatísticas sobre pedofilia não seriam crescentes.
Por isso, é essencial que, em vez de fatos soltos, denuncismo e estardalhaço, a grande imprensa se ocupe de matérias didáticas, realistas e serenas, além de orientadas por especialistas, assim como me parece que esta foi.
Para quem é pai, como eu, meu Deus!... É de perder o sono...
O Brasil não é um país sério
Um brasileiro de 29 anos, acusado de 25 crimes sexuais1 no Estado de Nevada, e que jura inocência, foi condenado a uma pena que pode ser de, no mínimo, 2 anos de prisão e, no máximo, 8. A sua condição é desfavorável em relação aos demais condenados porque, sendo estrangeiro, não pode prosseguir seus estudos, p. ex. Sua defesa, alegando discriminação, pleiteou que ele fosse repatriado.
Entretanto, o juiz Michel Viliani, da Corte de Las Vegas, indeferiu o pedido. O motivo? O Brasil não é um país sério e não manterá o condenado na prisão.
E tem gente pensando que as disputas comerciais são o único problema de relacionamento entre os dois países...
1 Não se impressione com o número. Nos Estados Unidos, é comum cumular acusações criminais. No Brasil, adotamos a chamada consunção, que permite a absorção dos crimes-meio pelos crimes-fins, reduzindo a quantidade de imputações pelos mesmos fatos.
Entretanto, o juiz Michel Viliani, da Corte de Las Vegas, indeferiu o pedido. O motivo? O Brasil não é um país sério e não manterá o condenado na prisão.
E tem gente pensando que as disputas comerciais são o único problema de relacionamento entre os dois países...
1 Não se impressione com o número. Nos Estados Unidos, é comum cumular acusações criminais. No Brasil, adotamos a chamada consunção, que permite a absorção dos crimes-meio pelos crimes-fins, reduzindo a quantidade de imputações pelos mesmos fatos.
Mais estranho que a ficção
Há quem sustente que nós morremos conforme vivemos. Se assim for, o que se pode dizer da morte do cartunista Glauco Villas Boas e seu filho, Raoni?
Desde a última sexta-feira, quando a grande imprensa começou a divulgar amplamente a tragédia, o enfoque tem sido dado à brutalidade com que o duplo homicídio aconteceu. Pessoalmente, desde o primeiro instante, o que me impressionou mesmo foram os elementos místicos e inusitados. Ser assassinado por um sujeito que queria ajuda para convencer a mãe de que era Jesus Cristo?
Fiquei com a impressão inicial de que o autor do delito poderia ser portador de algum transtorno mental que o tornasse inimputável. Agora, considerando sobretudo as circunstâncias da fuga — que envolveu roubo de carro, tentativa de saída do país e troca de tiros com a Polícia Federal, seguida de confissão detalhada e consciente do crime —, acredito que a causa imediata seja uma velha conhecida da sociedade brasileira, notadamente da juventude: a droga.
Na hora do crime, o assassino confesso decerto estava fora do seu juízo perfeito por causa da droga. Contudo, o consumo desta foi voluntário, o que impede a exclusão da culpabilidade. A alternativa para mudar isso seria a defesa convencer o tribunal do júri de que a dependência química do estudante de 24 anos chegou a níveis tais que se equipara a doença mental. É como poderia derrubar a teoria das actiones liberae in causa1. Mesmo assim, é apenas uma tese e precisa ser provada. Não será fácil.
Paralelamente a isso, consta que o irmão do assassino confesso teria declarado à imprensa que, sim, seu irmão tinha problemas com entorpecentes. Todavia, sua cabeça virou mesmo quando ele passou a frequentar a igreja de Glauco, onde se consome e cultua o santo daime, considerado por médicos uma bebida alucinógena. Este argumento abre um leque de possibilidades — todas elas capazes de irritar bastante aqueles que agora lamentam essas duas perdas brutais.
1 Peço desculpas aos leitores leigos, mas este texto foi redigido em juridiquês-penalês. Confesso que não estava com muita paciência para traduzir.
sexta-feira, 12 de março de 2010
Militar reformado por relação homossexual
I.
O Superior Tribunal Militar julgou um tenente-coronel do Exército do Paraná, que manteve relações homossexuais com um de seus subordinados. O réu escapou de ser expulso, mas foi reformado1, o que corresponde a uma aposentadoria compulsória por incapacidade para exercer suas funções. Um vídeo com a notícia pode ser visto aqui.
Segundo os ministros da mais alta corte militar do país, o réu feriu o pudor e o decoro da classe. O interessante é que, pressionados pela necessidade de compatibilizar as bravatas militares tradicionais com a vigente ordem constitucional, a corte declarou que "a opção sexual não deve ser recriminada, mas os excessos devem ser tolhidos para o bem da unidade militar". Detalhe: o relacionamento entre os dois homens ocorreu fora do quartel, ou seja, em ambiente privado (o que elimina a tipificação criminal).
A decisão foi tomada por maioria de votos (sete contra três).
Em suma, militar que é militar é macho. Na caserna, assim como no Irã (segundo Mahmoud Ahmadinejad), não existem gays.
II.
A Lei n. 6.880, de 9.12.1980, dispõe sobre o Estatuto dos Militares e prevê:
Art. 282. O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar:
XIII - proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular;
XVI - conduzir-se, mesmo fora do serviço ou quando já na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro militar;
O Código Penal Militar (Decreto-lei n. 1.001, de 21.10.1969), por sua vez, em seu art. 235 tipifica o crime de pederastia ou outro ato de libidinagem como "praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar", com pena de seis meses a um ano de detenção. Embora, supostamente, a intenção seja resguardar a dignidade da unidade militar, a lei não consegue esconder os seus objetivos moralistas. Afinal, antes mesmo de falar em ato de libidinagem, a primeira coisa que a lei recrimina é a pederastia. Recado claramente dado.
1 Lei n. 6.880, art. 106. A reforma ex officio será aplicada ao militar que: II - for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas.
2 Recomendo a leitura deste art. 28. Ele é emocionante. Você sabia que o primeiro dever do militar é "amar a verdade"?
PS — Apesar de que o jargão militar usa normalmente expressões como "serviço ativo" ou "na ativa", neste caso particular ficou no mínimo estranho dizer que o réu "foi considerado incapaz de permanecer na ativa." Nem sabemos se foi isso, mesmo...
O Superior Tribunal Militar julgou um tenente-coronel do Exército do Paraná, que manteve relações homossexuais com um de seus subordinados. O réu escapou de ser expulso, mas foi reformado1, o que corresponde a uma aposentadoria compulsória por incapacidade para exercer suas funções. Um vídeo com a notícia pode ser visto aqui.
Segundo os ministros da mais alta corte militar do país, o réu feriu o pudor e o decoro da classe. O interessante é que, pressionados pela necessidade de compatibilizar as bravatas militares tradicionais com a vigente ordem constitucional, a corte declarou que "a opção sexual não deve ser recriminada, mas os excessos devem ser tolhidos para o bem da unidade militar". Detalhe: o relacionamento entre os dois homens ocorreu fora do quartel, ou seja, em ambiente privado (o que elimina a tipificação criminal).
A decisão foi tomada por maioria de votos (sete contra três).
Em suma, militar que é militar é macho. Na caserna, assim como no Irã (segundo Mahmoud Ahmadinejad), não existem gays.
II.
A Lei n. 6.880, de 9.12.1980, dispõe sobre o Estatuto dos Militares e prevê:
Art. 282. O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar:
XIII - proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular;
XVI - conduzir-se, mesmo fora do serviço ou quando já na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro militar;
O Código Penal Militar (Decreto-lei n. 1.001, de 21.10.1969), por sua vez, em seu art. 235 tipifica o crime de pederastia ou outro ato de libidinagem como "praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar", com pena de seis meses a um ano de detenção. Embora, supostamente, a intenção seja resguardar a dignidade da unidade militar, a lei não consegue esconder os seus objetivos moralistas. Afinal, antes mesmo de falar em ato de libidinagem, a primeira coisa que a lei recrimina é a pederastia. Recado claramente dado.
1 Lei n. 6.880, art. 106. A reforma ex officio será aplicada ao militar que: II - for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas.
2 Recomendo a leitura deste art. 28. Ele é emocionante. Você sabia que o primeiro dever do militar é "amar a verdade"?
PS — Apesar de que o jargão militar usa normalmente expressões como "serviço ativo" ou "na ativa", neste caso particular ficou no mínimo estranho dizer que o réu "foi considerado incapaz de permanecer na ativa." Nem sabemos se foi isso, mesmo...
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