O jornalista
Hiroshi Bogéa, em seu blog, criticou a postura da imprensa paraense em relação à estudante
Letícia Caroline Ribeiro (14), que ficou em segundo lugar no concurso "Soletrando 2011", promovido pelo programa global
Caldeirão do Huck.
Escreveu o jornalista:
Aqui em nossa terrinha abençoada, a menina Letícia Caroline Ribeiro, de 14 anos, merecia bem mais do que os alvoroços iniciais da mídia exaltando sua passagem à finalíssima da atração anual do excelente programa do Luciano Huck.
Nem bem terminou a disputa entre os dois jovens, com derrota da paraense, silêncio sepulcral abateu-se sobre o tema, aqui na seara paraora. E olha que Letícia repetia a dose ao ir pela segunda vez à final do quadro educativo, enfrentando, também, um representante do Estado do Piauí.
Mais do que o título nacional, deveria ser valorizada a figura da garota pobre, estudante de escola estatal, como instrumento motivador de milhões de jovens paraenses, como ela, alunos de escolas públicas.
Em comentário que fiz à postagem, ponderei que paraense tem o grande defeito de dramatizar demais o que é bom e o que é mau. É a velha
síndrome de coitadinho que provoca reações imbecis, estimuladas ao extremo pela mídia. Este caso é bem característico.
|
Os três finalistas. Havia um obscuro dialeto
angolano no caminho de Letícia. |
Quando Letícia foi à final, fez-se um estardalhaço em torno da “representante do Pará”. Sempre que um paraense tem algum destaque positivo fora, ganha logo uma credencial de representante de todo o Estado. Aquela babaquice de
fulano está levando o nome do Pará para o Brasil e o mundo! O engraçado é que se um atleta ou artista de outro Estado ganha repercussão, ele é apenas o atleta ou artista Fulano de Tal. Mas se nasceu para estas bandas, ele é o atleta ou artista
paraense e ganha o peso de ser uma espécie de embaixador de seu povo. Queira ou não.
Isso é provincianismo de última categoria. Mas como se não bastasse, o paraense é também rancoroso e não sabe perder. O tal embaixador é obrigado a vencer. Se não o fizer, é tratado como um fracassado e cai em ostracismo imediato.
Letícia ficou em segundo lugar e a imprensa deixou de se importar com ela. Mas ela merecia homenagens pela segunda colocação. Primeiro porque derrotou os candidatos dos Estados que normalmente levam a melhor em tudo e perdeu somente para o candidato do Estado de menor índice de desenvolvimento humano (IDH) do país, mas que, a despeito disso, tem mostrado indicadores interessantes na educação. Além de o Piauí vencer o "Soletrando" pelo segundo ano consecutivo, aquele Estado também possui a escola classificada pelo ENEM 2010 como
segunda melhor do país.
A coisa piora. Letícia foi eliminada por errar a palavra "caçanje", que eu p. ex. jamais escutara antes na vida. Conheci a dita cuja lendo a
notícia na página do programa global. Aposto que você também não conhecia. A representante do Paraná, que ficou em terceiro lugar, errou o vocábulo "estremecer", o que considero um vexame, já que é muito fácil.
Tive que correr atrás de informações para saber o que, afinal, é
caçanje. Descobri que se trata de um dialeto crioulo utilizado em Angola (soltei um palavrão, nesse momento) e, por extensão, significa "português mal falado ou mal escrito" ou "linguagem estropiada". Jesus Cristo, quem saberia disso?! Sem entender o que a palavra é e de onde se origina, fica impossível soletrá-la simplesmente com base na lógica. Não dá para saber se a palavra é escrita com "ç" ou "ss" ou se com "j" ou "g". Eu teria errado fácil, essa.
Letícia, saiba que errar uma palavra dessas não é demérito algum. Você foi ótima. Mas Izael também foi, ao acertar outro vocábulo obscuro, "abaçaí", de origem tupi, que designa um espírito gigante e maligno que perseguia os índios para enlouquecê-los. Há quem traduza como "homem que espreita, persegue" e como "pessoa de respeito". Isso segundo minhas buscas na rede, porque também nunca ouvira falar.
É de se lamentar o comportamento dos paraenses. Letícia devia ser reconhecida publicamente, pelas autoridades, por seu excelente desempenho, inclusive como forma de estimular outros adolescentes a se empenhar nos estudos — única alternativa de mudança de vida, para muitos. Como não foi, fica aqui o reconhecimento de dois blogueiros, paraenses com orgulho, mas sem frescura.
***
Por oportuno, faz nove dias que a presidente Dilma Rousseff
escolheu os três novos ministros do STJ, pelo quinto constitucional. São eles: Antônio Carlos Ferreira, Sebastião Alves dos Reis Junior e Ricardo Villas Bôas Cuêva. Dois paulistas e um mineiro — o que levou uma conhecida a dizer que a
política do café com leite continua vigorando no Brasil.
A escolha dos três supranominados implica em que o advogado paraense Reynaldo Andrade da Silveira, constante de uma das listas tríplices, foi preterido. Ninguém se lembrou de dizer que, mesmo diante do insucesso, ele é um profissional de valor, que está à altura da função. Se tivesse sido nomeado, aí sim ganharia as primeiras páginas como
legítimo representante da imensa Nação Pará.
Coisa de paraense. Triste.