domingo, 30 de julho de 2017

O irresponsável mais do mesmo

Para cumprir a missão incessante de criticar o "governo" tucano do Pará ― que, de fato, merece todas as críticas; a questão é que, no contexto, tais críticas têm óbvias finalidades eleitoreiras ―, a coluna Repórter Diário deste domingo começa assim:

"A presença de tropas federais no Rio de Janeiro há três dias mudou a cara da cidade e é saudada por todos os moradores como esperança para a crescente onda de violência."

Segue a crítica ao cantor e dublê de governador (cassado) do Pará, que não pede ajuda federal para não passar recibo de incompetência em relação à segurança pública. Vou-me concentrar só nesse trecho da nota.

Até um leigo como eu pode afirmar que tudo nela transpira antijornalismo. Vejamos: (1) a linguagem do texto é panfletária, sem a esperada isenção jornalística; (2) a afirmação de que a simples presença de tropas federais mudou tudo em apenas três dias é feita para sugerir que essa medida é a oitava maravilha do mundo e que, se aplicada em Belém, iríamos do inferno ao paraíso quase que instantaneamente, o que é falso; (3) é no mínimo estranho falar em "crescente onda de violência" em uma capital que, há décadas, tem sido apontada como extremamente violenta.

Mas eu gostaria de ressaltar, acima de tudo, isto: a irresponsabilidade da nota está em promover uma política militarizada de segurança pública, em um nível superior ao já existente, a cargo da Polícia Militar estadual. A presença de tropas federais e tanques nas ruas é uma situação extraordinária e nada desejável, que mergulha os munícipes em um cenário bélico bastante desagradável. Além disso, segurança pública de rotina e atividade militar são realidades díspares. A militarização da vida comum tem custado caro aos cidadãos, por todo o país. Mas, na nota seguinte, o filho do dono do jornal e futuro recandidato ao governo, atual ministro do governo golpista, é citado como "cidadão responsável e ciente da situação insustentável" porque formalizou um pedido de intervenção militar no Estado.

Por fim, temos o quarto e, a meu ver, mais grave pecado da nota, que é mentir descaradamente. O jornalista pode apontar que fonte foi consultada para afirmar, de modo tão peremptório, quais são os sentimentos dos cariocas em relação às tropas federais? Já existe alguma consulta nesse sentido? Se não há, como pode o colunista afirmar que tais sentimentos existem?

Piora: quem são esses "todos os moradores" tão cheios de esperança? Os moradores dos bairros nobres, das regiões turísticas, das praias, que são os verdadeiros destinatários da "proteção" do Estado? Alguém se deu ao trabalho de perguntar aos moradores das periferias, e sobretudo das favelas, usualmente acostumados às abordagens policiais agressivas (esculachos), à suspeição e à humilhação, se a esperança chegou também a seus lares?

O blindado do Exército passou toda a manhã de ontem no Largo do Machado.
Há apoio popular? Sim. Mas também há reclamações. Esqueça a unanimidade.
Foto: Domingos Peixoto/ Agência O Globo
Duvido muito, porque essas populações não têm voz. São elas as grandes atingidas pela militarização da vida. São os suspeitos preconcebidos, por força da cor da pele, das roupas, do pouco dinheiro, da nenhuma influência, da região de moradia, etc. A opinião deles não conta para os elaboradores de políticas públicas que, no fundo, são tão turísticas quanto as praias cariocas ― políticas destinadas a assegurar que os cidadãos de bem possam transitar por seus calçadões, estacionar seus carros, frequentar seus points sem risco de encarar a bandidagem que vem do outro lado.

Esta é uma questão grave, mas não interessa para a coluna dominical do Diário do Pará. Aqui basta a crítica, mesmo que ela venda falácias e ilusões para o eleitor desavisado.

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