Estive em São Paulo pela última vez há pouco mais de dois anos. Era julho e tiramos alguns dias de férias. Eu estava decidido a conhecer o famoso Beco do Batman, mas seria um passeio que faria sozinho, porque caminhar olhando grafites em paredes não animou as minhas crianças. O fato é que, sendo curta a estadia e tendo algumas programações concebidas justamente para as crianças, acabei desistindo. Lamentei na época e lamento ainda mais agora.
O Beco do Batman é a típica proposta para me agradar, porque não é mainstream. Nada contra vernissages em galerias requintadas, mas a ideia de algo que não foi pré-determinado, que surgiu em um repente e foi renovado, e renovado, e que reúne uma arte popular, diversa e colorida, gerando um cenário tão bonito em um local que poderia ser simplesmente mais uma viela em um bairro não lembrado pelas sucessivas administrações tucanas. É simplesmente fantástico.
Espaço adorado pelos artistas e por um público mais despintado, ganha novas pinturas periodicamente e mobiliza a própria comunidade para garantir a conservação da galeria a céu aberto. Ou seja, é mesmo uma iniciativa para ser admirada. Sobretudo porque dá visibilidade ao grafite, técnica para a qual os ortodoxos torcem o nariz, dizendo não configurar arte. Porque arte, nós sabemos, é uma banana presa a uma parede com um x de fita crepe. Mas é justamente aí que está a mensagem: a arte popular merece estar nas ruas e ser vista por todos.
Tudo poderia ser perfeito, se não estivéssemos em um país onde a vida vale muito pouco, quase nada. Na madrugada do último sábado (28 de novembro), Wellington Copido Benfati, o NegoVila, 40, um dos artistas do beco, foi assassinado por um policial à paisana, quando tentava apartar uma briga. Morreu tentando fazer o certo. Segundo os relatos, foi uma execução. Dois tiros, um no peito. Em honra ao colega e como protesto por mais esta tragédia, os artistas pediram autorização aos colegas e cobriram as paredes do beco com tinta preta. Nelas, somente mensagens alusivas ao ocorrido, para ninguém esquecer o que houve ali.
A manifestação não durará para sempre. NegoVila era artista e certamente não ia querer isso. Ele há de preferir o beco repleto de grafites, com seus signos, seus protestos, sua esperança. Em algum momento, o Beco do Batman voltará a ser rosto colorido de um povo que resiste. Mas será um espaço bem diferente, com pinturas novas e, certamente, muitas homenagens a NegoVila, que teve sua vida desperdiçada, mas que vai virar inspiração.
É preciso coragem e desprendimento para um artista abrir mão de sua obra assim, de chofre. Mas os do beco sabem o que está em jogo e, por isso, expresso minha mais profunda admiração e respeito por eles. Estamos cansados, precisando de paz. Precisando não sentir medo, que é a essência da liberdade, segundo a cantora Nina Simone.
Meus pêsames. Força sempre.
Consultei:
- http://cidadedesaopaulo.com/v2/atrativos/beco-do-batman/?lang=pt#:~:text=Sua%20hist%C3%B3ria%20come%C3%A7ou%20na%20d%C3%A9cada,galeria%20de%20paredes%20totalmente%20cobertas
- https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/11/30/beco-do-batman-amanhece-de-luto-apos-artista-ser-morto-policial-foi-detido.htm
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